Em 11 anos, fundo que banca ciência federal perdeu R$ 44 bilhões
Segundo relatório, dinheiro foi para o bolo genérico de receita da União
Desde que o financiamento da ciência no Brasil começou a sofrer cortes mais acentuados, em 2010, cerca de R$ 44 bilhões arrecadados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de recursos para o setor no país, deixaram de ser aplicados.
A conclusão é de uma investigação feita pelo Centro de Estudos Universidade, Sociedade e Ciência da Unifesp (Sou Ciência), comandada pela cientista Soraya Smaili, ex-reitora da universidade, que se dedica a estudar a política científica do país.
Segundo relatório da instituição, os R$ 44 bilhões saíram do FNDCT e voltaram para o Tesouro Nacional, onde perderam a rubrica de verba da ciência e entraram para o bolo genérico de receita da União.
Valor corrigido
A conta, segundo Smaili, considera a quantidade de recursos arrecadados em cada ano que não foi efetivamente aplicada em projetos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principal executora do fundo.
— Nossa dúvida era se esse dinheiro que não tinha sido investido estava parado no fundo, porque quando olhamos a diferença acumulada somando todos os anos, ficamos alucinados. Estavam faltando R$ 35 bilhões. Os R$ 44 bilhões que citamos é esse valor corrigido pela inflação — explica a cientista.
A investigação incluiu conversas com pessoas que ocuparam cargos de gestão na área de incentivo à ciência e à tecnologia, além da consulta aos números de arrecadação e de liberação de verbas do fundo.
— Para saber onde foram parar esses recursos, conversamos com alguns técnicos da Finep, incluindo um ex-presidente, e com ex-ministros de Ciência e Tecnologia, até entendermos o caminho que o dinheiro fez — detalha Smaili. — Esse saldo que tinha na conta da Finep foi removido no ano passado e levado para a conta do Tesouro Nacional. Hoje o fundo não tem mais aquele dinheiro.
O Globo entrou em contato com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação na tarde de ontem pedindo que a pasta comentasse os números levantados por Smaili, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.
O levantamento feito por Smaili e outros cientistas do Sou Ciência foi apresentado na terça-feira, em um workshop no Rio promovido pelo Instituto Serrapilheira, instituição privada sem fins lucrativos de fomento à ciência. Cientistas discutiram o que poderia ter sido feito, caso o valor retido pudesse ser recuperado.
Os R$ 44 milhões apontados pela investigação são equivalentes a 25 vezes o orçamento do maior e mais caro projeto de infraestrutura científica realizado no país na última década: o acelerador de partículas Sirius, em Campinas (SP), orçado em R$ 1,8 bilhão.
De acordo com o levantamento do Sou Ciência, os institutos de pesquisa federais foram muito prejudicados pela falta de verba nos últimos quatro anos, quando a lacuna entre arrecadação e investimento do FNDCT se ampliou.
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Fiocruz poupada
Entre as 28 entidades federais que produzem pesquisa no país, incluindo centros de pesquisa de outros ministérios, apenas uma não teve redução de investimento no período: a Fiocruz, que teve aporte para produção de vacina durante a pandemia de Covid-19.
As instituições mais impactadas foram as universidades. “Isso representa uma queda de 45% na verba destinada ao pagamento de água, energia, bolsas de estudo e prestação de serviços, por exemplo” afirma o comunicado do centro de estudos com a conclusão do levantamento.
“A análise mostra ainda que o investimento nas universidades federais caiu 50% entre 2019 e 2022, chegando a R$ 97,5 milhões em setembro deste ano. Em todo o ano de 2021, foram investidos apenas R$ 129 milhões”, alerta o trabalho. “Esses recursos são aplicados no patrimônio das universidades, como aquisição de imóveis e terrenos, reformas e obras, além de compra de equipamentos, computadores, livros e materiais permanentes”.
Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Serrapilheira, uma das fontes dos recursos que financiam o Sou Ciência, criticou a mudança do destino de verbas que foram arrecadadas para desenvolvimento da pesquisa científica.
— A ciência brasileira se encontra neste momento em uma situação extremamente preocupante de desmonte. Caberá ao próximo governo a sua recomposição estrutural e orçamentária, que devolva aos cientistas um ambiente propício para desenvolverem suas pesquisas — afirmou.