Em importante polo agrícola, fome e favelização avançam
Apesar da pujança do setor agrícola, famílias que trabalhavam no ramo encontram dificuldade, e hoje dependem de programas sociais e de trabalhos informais que pagam por diárias
Município com economia sustentada pelo agronegócio, Rio Verde (GO) está entre as 650 cidades de maior PIB per capita do Brasil, segundo o IBGE.
Apesar da pujança do setor agrícola, famílias que trabalhavam no ramo encontram dificuldade, e hoje dependem de programas sociais e de trabalhos informais que pagam por diárias.
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Segundo maior produtor de milho do país, o município tem 6,8 mil beneficiários do Bolsa Família -cerca de 2,75% da população. Embora a taxa seja menor que a média do estado (4,3%), novos bairros da periferia surgem em meio ao espaço dominado pelo agronegócio.
Na região, além dos descendentes de locais, vivem pessoas que migraram de estados mais pobres em busca de trabalho.
O emprego informal já era praxe na agricultura, mas, nos últimos anos, a relação trabalhista tem se tornado mais tênue, e funcionários são pagos por dia de trabalho.
Adriele Bastos de Almeida, 28, conta que trabalhou por quatro anos numa fazenda. O marido, André de Jesus Santos, 29, ganhava um salário mínimo, e ela, R$ 100 por mês pela limpeza da casa dos patrões.
"Tivemos que sair de lá. Meu filho vai começar a estudar. O patrão reclamava quando a gente vinha para a cidade fazer compras. Comprar comida mesmo. Ele queria que a gente ficasse lá. Tanto tempo nessa luta; não dá para aguentar", diz Almeida.
Os dois não completaram o ensino médio e recebem cerca de R$ 200 por mês do Bolsa Família. Santos faz serviços temporários em fazendas da região ou atua na construção.
A família, que nasceu em Rio Verde, agora mora em Portal do Sol, bairro de periferia, sem asfaltamento e que cresceu nos últimos dois anos com a chegada de mais pessoas carentes.
Ali também reside Cristiane Pereira da Silva, 19, que ainda está com uma parte do teto a ser construída.
Silva saiu do Maranhão em 2013 e foi para Rio Verde. "Vim para trabalhar e em busca de uma vida melhor". Sem concluir o ensino médio, trabalhava no ramo de limpeza como diarista, mas, por causa da pandemia e por ter que cuidar da filha, não tem conseguido mais clientes.
A renda da família atualmente é o auxílio emergencial de R$ 375, além dos bicos do marido, Sabino José da Silva, 27, que ganha cerca de R$ 70 por dia em que é chamado para auxiliar no transporte de frango em granjas. Ele trabalhava no ramo hoteleiro e não tem emprego fixo há 2 anos.
"Hoje falta muita comida. Ela [a filha Cristina da Silva, de 1 ano e 9 meses] até pede para ter mais comida. Mas, no café da manhã, muitas vezes tem só café coado", diz a mãe.
A família também tem recebido cestas básicas da Cufa (Central Única das Favelas) de Rio Verde, projeto social que tem ido a regiões carentes desde o ano passado.
Em Belo Horizonte, a falta de dinheiro para comprar comida não é a única dificuldade do servente de pedreiro Ederson Vieira Estevão, 40. Diante do preço do gás, sua família usa um fogareiro montado com uma roda de automóvel.
Estevão vive no Aglomerado da Serra, conjunto de favelas na zona sul de Belo Horizonte (MG). Mora com o irmão, a filha de 13 anos e três sobrinhos numa casa própria.
Ele tinha carteira assinada até o início da pandemia. A renda da família, que já chegou a R$ 2.000, é de R$ 800 hoje. Depois de perder o emprego, passou a viver de bicos, como já ocorria com o irmão.
Ambos entraram para o programa de doação de cestas básicas criado pela Prefeitura de Belo Horizonte durante a pandemia.
Recebem uma por mês, com cinco quilos cada de arroz e açúcar, dois de feijão, um de cada de fubá, macarrão e sal. O pacote inclui ainda 900 ml de óleo, um quilo de farinha de mandioca, leite em pó, uma lata de extrato de tomate e outra de sardinha.
"Não dá para todo mundo. Quando acaba, pedimos comida emprestada para os vizinhos", diz Estevão. Sobre o consumo de carne, afirma: "Quando muito, é pé de frango".
Na região, o quilo do pé de frango oscila entre R$ 4,80 e R$ 5, o dobro do que custava antes da explosão no preço das carnes.
Maria Ângela Pereira, 70, vizinha de Estevão, vive drama semelhante. Viúva, mora em uma casa de três cômodos com o filho, de 49 anos, uma neta de 17 e um neto de 20 anos.
Ela recebe pensão de R$ 400 por mês do marido falecido e essa é a única renda da família. O complemento é uma cesta básica do programa da prefeitura.
O filho tem problemas de saúde e os netos não trabalham. "É uma dificuldade para pagar gás, luz e água".
Com tantos gastos, a família come pão amanhecido vendido na promoção de uma padaria -15 unidades por R$ 6.
Na periferia de Salvador, a diarista Antonieta dos Santos, 47, também passa por dificuldades para se alimentar e comprar gás.
Sem emprego ou renda fixa, ela se inscreveu no Cadastro Único do governo federal para tentar ter o acesso ao Bolsa Família, mas até agora não teve o pleito contemplado.
O programa não é uma novidade em sua família. Sua mãe teve o benefício por mais de uma década e o recebeu até morrer.
O único dinheiro que Antonieta recebe vem do auxílio emergencial de R$ 150. Ela diz nunca ter passado por um período de tanta dificuldade para conseguir se alimentar.
Seu principal ponto de apoio é a igreja que frequenta. Lá, costuma receber alimentos de outros fiéis. Mas eles nem sempre dão para o mês inteiro. "Tem semana que é só a misericórdia mesmo."
Sem casa própria, Antonieta mora desde o ano passado de favor em uma casa emprestada por uma amiga. "É uma casa que ela costuma alugar por R$ 250. Mas acabou me emprestando depois que viu a situação em que eu estava", diz.