Em sinal de trégua com Campos Neto, governo federal adia debate sobre metas de inflação
Críticas ao BC e aos juros altos, no entanto, devem permanecer na voz de aliados do governo
Um dia depois de o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, fazer um aceno público ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo deu sinais de que haverá uma trégua no embate a respeito da meta de inflação. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que o tema não está na pauta da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), marcada para quinta-feira.
O órgão é composto por Haddad, Campos Neto e por Simone Tebet (Planejamento). Na avaliação do Planalto, é necessário elevar a meta, fixada para este ano em 3,25%, a fim de abrir caminho para a queda dos juros e para a retomada do crescimento. Mas Campos Neto avalia que a iniciativa teria efeito contrário ao desejado e que isso resultaria em perda de flexibilidade.
— Tem uma reunião do CMN. Existe uma coisa chamada pré-Comoc e Comoc (reuniões prévias do CMN) que definem a pauta do CMN. (Esse debate) não está na pauta — afirmou Haddad, que se encontrou ontem com o presidente Lula.
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A bandeira branca levantada por Campos Neto, porém, não significa que o tema tenha saído de cena. A avaliação entre integrantes da equipe econômica é que eventual mudança na meta agora causaria mais ruído, sem trazer efeitos práticos, diante das sinalizações feitas pelo presidente do BC.
Técnicos do governo, no entanto, não descartam mexer na meta na reunião do CMN de junho, quando normalmente esse assunto é discutido.
Para auxiliares de Haddad, Campos Neto fez gestos de paz para o governo, especialmente ao reconhecer o esforço para melhorar o cenário fiscal — e não só na entrevista ao programa Roda Viva, como em declarações ao mercado.
— Da parte do Ministério da Fazenda, obtivemos o reconhecimento, na entrevista, de que as medidas que estão sendo tomadas estão na direção correta. Isso é muito importante para nós, obtermos esse reconhecimento — afirmou Haddad, que reiterou o impacto dos juros na economia:
— Como os resultados (das medidas fiscais do governo) virão, tenho certeza de que isso vai ajudar a autoridade monetária a concluir que nós estamos, talvez, com uma taxa de juros, nesse momento, que compromete os objetivos (de crescimento) do país.
"É natural reclamar"
Haddad acrescentou ainda que é natural uma cobrança sobre o patamar atual dos juros, de 13,75% ao ano.
— É natural que as pessoas reclamem dos juros. Estamos em uma situação de inflação mais confortável e juros mais desconfortáveis — afirmou.
Campos Neto — que na véspera falou em disposição para se reunir com Lula para discutir política monetária, fez elogios a medidas fiscais propostas por Haddad e citou a reforma tributária como elemento importante — reiterou ontem o tom pacificador e disse a investidores que é preciso ter um pouco mais de boa vontade com o governo. Embora tenha reafirmado ser contra mudanças na meta de inflação.
— O investidor é muito apressado. A gente tem que ter um pouco mais de boa vontade com o governo. O investidor é apressado, 45 dias é pouco tempo. Temos tido boa vontade do ministro Haddad de seguir um plano fiscal com disciplina. Tem um arcabouço que está sendo trabalhado, já foram elaborados alguns objetivos — afirmou durante evento realizado por um banco de investimentos em São Paulo.
Campos Neto também disse que a mudança da política ambiental do Brasil e o fim dos questionamentos a instituições com a mudança de governo são bem-vistos pelos investidores. Voltou a defender o sistema de metas de inflação, que segundo ele, funciona bem no Brasil e no mundo:
— A hora é de ver como a gente faz para melhorar a credibilidade, porque a boa vontade está lá. Tem dinheiro para entrar no país, tem gente querendo fazer investimentos, tem muitos projetos.
Apesar dos gestos de paz de lado a lado, a insatisfação com o patamar de juros continua. Se até semana passada esse papel coube ao presidente Lula, que chegou a se referir à ata do Comitê de Política Monetária (Copom) como “vergonha”, e ao presidente do BC como “este cidadão”, a insatisfação agora está sendo vocalizada por parlamentares do PT e aliados.
Para auxiliares do governo, essa estratégia deve ser mantida. Campos Neto se prepara para falar ao Congresso sobre juros depois do carnaval. O diretório nacional do PT aprovou na segunda resolução para que ele seja convocado.
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffman (PR), afirmou que o BC aplica um remédio errado para o combate à inflação ao manter o patamar de juros em 13,75% ao ano. Ela participou do lançamento de uma campanha para baixar os juros, capitaneada pelo deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), e que conta com o apoio de vários parlamentares governistas.
— O Banco Central não pode aplicar um remédio errado e comprometer o crescimento do Brasil. O fato de ter autonomia e ter mandato não dá ao Banco Central, que é uma autarquia do Estado brasileiro, o direito de ser o responsável pela economia no país — disse Gleisi, acrescentando que o patamar atual da Selic impede o investimento privado e tem como consequência o aumento do custo do crédito.
A campanha é intitulada #JurosBaixosJá. Participaram do lançamento os deputados André Janones (Avante-MG), Guilherme Boulos (Psol-SP) e Jandira Feghali (PcdoB-RJ). Líderes do governo que eram esperados não foram: faltaram os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Pacheco defende diálogo
Enquanto o PT concentra as críticas ao comportamento da Selic e seu impacto na economia, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou em evento com investidores que não haverá mudança na autonomia do BC e que o questionamento a esse ponto feito por Lula “deve ser ultrapassado”.
— Tenho certeza de que o presidente Lula compreenderá que essa (a autonomia do Banco Central) é uma realidade com a qual ele e o governo terão que conviver e, nessa convivência, buscar a solução que seja inteligente, que é definir as causas desses juros de 13,75%, que inviabilizam o crescimento nacional. E buscar atacar as causas com as pessoas que existem (no BC).
Em linha com o BC, Pacheco salientou que a revisão na meta “poderia ser ruim como sinalização” e impedir a redução dos juros. Segundo o presidente do Senado, não houve formalização por parte do governo federal de qualquer intenção de rever a autonomia do BC ou de buscar a exoneração de Campos Neto.
Ele repetiu que Lula e Campos Neto são “duas pessoas de boa intenção” e que a saída para o caso é “o diálogo, a capacidade de entender que nós não temos total razão sobre tudo”. Pacheco acrescentou que o início da tramitação da reforma tributária e a apresentação da nova âncora fiscal são condições que podem levar o país a reduzir os juros.
Pesquisa divulgada ontem pela Genial/Quaest mostra que 76% dos brasileiros apoiam a iniciativa de Lula de cobrar a queda dos juros. Outros 16% são contra a estratégia, enquanto 8% não souberam ou não responderam. O levantamento mostra, porém, que a grande maioria tem pouco conhecimento sobre o tema.
Entre os entrevistados, 46% disseram não saber ou não responderam quando indagados sobre quem é o responsável por definir a taxa de juros no Brasil.
O levantamento ouviu 2.016 pessoas entre 10 e 13 de fevereiro, em 120 municípios. A margem de erro é estimada em 2,2 pontos percentuais.