Empresas americanas ignoram Trump e querem ficar na China
Pesquisa mostra que Guerra Fria 2.0 é principal preocupação de firmas nos próximos 5 anos
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Apesar dos apelos e ameaças feitos pelo presidente Donald Trump, as empresas americanas na China não dão sinal de que vão deixar o país asiático e voltar para casa –ou para qualquer outro lugar.
Segundo pesquisa divulgada nesta quarta (9) pela Câmara de Comércio Americana em Xangai, 70,6% das 346 empresas afiliadas à entidade pretendem manter suas bases na China, ante 14% que consideram mudar para outros países e apenas 3,7%, que declararam querer voltar aos EUA. Outras não responderam.
A amostra é significativa porque Xangai é um grande centro econômico. A abalada Hong Kong, sob virtual intervenção política que lhe tirou parte da atrativa autonomia, funciona como entreposto de operações financeiras tanto para Pequim como para estrangeiros.
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O estudo foi feito com a consultoria PwC de 16 de junho a 16 de julho. Apesar da disposição em ficar, 71% dos ouvidos consideram que a Guerra Fria 2.0 entre EUA e China, iniciada por Trump em 2017, seguirá sendo o maior problema para fazer negócio no país asiático nos próximos cinco anos.
Isso reflete a avaliação segundo a qual uma derrota de Trump para Joe Biden na eleição em novembro pode até mudar o tom belicoso vigente, que se estende por campos como a crise de Hong Kong ou o controle do mar do Sul da China, mas não mudará o embate estratégico entre os países.
O temor tem impacto nos planos de investimentos. A porcentagem de companhias que pretende aumentar suas operações na China caiu de 47,2% em 2019 para 28,6% neste ano.
Trump vem mantendo uma guerra tarifária, ora em cessar-fogo por um acordo segundo o qual Pequim se compromete a comprar US$ 200 bilhões a mais em produtos americanos por ano. Mas a pressão não cessou, em especial no campo tecnológico.
O presidente americano opera uma bem-sucedida ação para cortar acesso aos novos mercados da tecnologia 5G da líder chinesa no setor, a Huawei.
Países como Brasil são pressionados a escolher por fornecedores ocidentais para seus leilões, tática que funcionou no Reino Unido, sob a alegação de que o produto chinês pode ser usado em espionagem. A Huawei também está sendo afetada pelo veto à compra de chips com desenho americano, a maioria feita em Taiwan.
Trump já baniu temporariamente o aplicativo de vídeos rápidos TikTok do mercado americano e, no próximo dia 20, seu governo terá de decidir o escopo da proibição anunciada a operações do WeChat com empresas americanas.
Esse será um teste de fogo, dado que o WeChat não é apenas um aplicativo de troca de mensagens, mas a base de boa parte das operações comerciais na China. Tentar fazer uma compra com dinheiro em qualquer cidade grande chinesa é um tormento sem o "app".
Para as empresas estrangeiras no país, isso pode significar um problema sério em transações comerciais também.
Recentemente, revivendo seu discurso nacionalista de campanha de 2016 ao enfrentar a possibilidade de derrota neste ano, Trump voltou a falar na ideia de repatriar firmas e a coibir outras a não sair.
"Vamos impor tarifas a companhias que abanadonarem a América para gerar emprego na China", disse Trump na segunda (7).
Isso tudo obedece a uma lógica política que, como se vê, não é ecoada à perfeição pelas empresas. Desde a normalização das relações entre os dois países, nos anos 1970, a China virou um elo vital para a máquina exportadora do Ocidente. Incentivos fiscais e mão de obra, que já foi mais barata mas ainda é vantajosa, contribuíram para isso, além de um mercado interno de 1,3 bilhão de pessoas.
A pandemia levou a questionamentos sobre a continuidade dessas cadeias produtivas distantes. Trump lançou, há um mês uma iniciativa chamada De Volta às Américas, visando trazer empresas americanas não só para os EUA, mas para países da região.
Ela foi elaborada por Mauricio Claver-Carone, candidato de Trump à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Na semana passada, ele disse ao jornal Folha de S.Paulo que o BID poderia ajudar o programa a deslanchar.
Mas o fato é que a China se recuperou do pior do tombo, em especial do ponto de vista logístico, e tem privilegiado seu mercado interno. Enquanto isso, uma rival ascendente, a Índia, está afogada na crise, tendo tirado o segundo lugar do Brasil no ranking mundial de casos da Covid-19.
Outros atores asiáticos, de todo modo, também estão buscando aproveitar o momento para tentar tirar um pedaço do bolo chinês. O Japão lançou um programa de incentivos com o mesmo objetivo de Trump para suas empresas e, segundo relatos, está sendo bem sucedido.