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BRASIL

Entenda por que o mercado ficou "nervoso" após Lula questionar a "tal estabilidade fiscal"

Economistas viram sinais de aumento de dispêndio no próximo ano e risco de elevação da dívida pública

O presidente eleito, Luis Inácio Lula da Silva, acompanhado de seu vice, Geraldo Alckmin e de coordenadores da transição, fala com a imprensa após reunião com o presidente do TSE, ministro Alexandre de MoraesO presidente eleito, Luis Inácio Lula da Silva, acompanhado de seu vice, Geraldo Alckmin e de coordenadores da transição, fala com a imprensa após reunião com o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva afirmou na quinta-feira (10) em discurso a parlamentares aliados que é preciso mudar a forma de encarar determinados gastos do poder público e que a questão social deve ser colocada à frente de temas que interessam, segundo ele, apenas ao mercado financeiro.

Ele fez críticas “à tal estabilidade fiscal”, ao teto de gastos e perguntou o motivo de o país ter meta de inflação, mas não de crescimento. As declarações dadas durante a primeira visita de Lula ao Centro Cultural Banco do Brasil, onde funciona a transição, foram mal recebidas entre economistas, que viram sinais de aumento de dispêndio no próximo ano e risco de elevação da dívida pública.

Com isso, o dólar subiu 4,1%, a maior alta diária desde março de 2020, e encerrou o pregão a R$ 5,39. No mercado de ações, o Ibovespa caiu 3,35%, aos 119.775 pontos, foi a queda mais acentuada desde novembro de 2021.

— Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste país? — disse Lula.
 

O presidente eleito acrescentou:

— Muitas coisas que são consideradas como gastos neste país precisam passar a ser encaradas como investimento. Não é possível que se tenha cortado dinheiro da Farmácia Popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal, a regra de ouro.

Expectativa com a PEC
A regra de ouro impede que o governo se endivide para pagar despesas correntes, como salários. Enquanto a meta fiscal prevê uma meta para o resultado das contas públicas. Já o teto de gastos trava o crescimento das despesas federais à inflação do ano anterior. Essas são as três regras fiscais em vigor no país.

— Sabe qual é a regra de ouro nesse país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia — disse o presidente eleito. Ele acrescentou: — Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que a gente tem meta de inflação, mas não tem meta de crescimento?

O presidente eleito afirmou ainda que a Petrobras não será “fatiada” e que o Banco do Brasil não será privatizado em seu futuro governo, assim como a Caixa Econômica Federal:

— Quero dizer para vocês que as empresas públicas brasileiras serão respeitadas. A Petrobras não vai ser fatiada, quero dizer que o Banco do Brasil não vai ser privatizado, assim como a Caixa Econômica e o BNDES, o BNB (Banco do Nordeste) e o Basa (Banco da Amazônia) voltarão ser bancos de investimento, inclusive para pequenos e médios empreendedores.

No centro das discussões a respeito da estabilidade fiscal está a elaboração da chamada “proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição), que busca levantar recursos para manter o pagamento do Bolsa Família em R$ 600, reajustar o salário mínimo, recompor verbas para programas como o Farmácia Popular e para obras e investimentos.

A saída encontrada foi retirar o Bolsa Família do teto de gastos. Pagar o benefício de R$ 600 e garantir R$ 150 adicionais a famílias com crianças de até seis anos custaria R$ 175 bilhões, que funcionariam como uma licença para gastar.

Os recursos previstos originalmente no Orçamento pelo atual governo para este fim, de R$ 105 bilhões, seriam remanejados para outras despesas, como o salário mínimo, entre outros.

Integrantes do PT trabalhavam ainda na noite de quinta para entregar o texto da PEC após submeter os principais pontos do projeto a lideranças do Congresso. O texto até agora prevê a retirada do Bolsa Família do teto de gastos permanentemente e 2% dos recursos obtidos com receitas extraordinárias do governo.

"Nervoso à toa"
Após a repercussão negativa das declarações em discurso, no fim do dia, Lula comparou a reação do mercado com o comportamento ao longo dos quatro anos do atual governo:

— O mercado fica nervoso à toa. Nunca vi mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que o mercado não ficou nervoso nos quatro anos de Bolsonaro.

Economistas temem que o aumento das despesas com programas sociais fora do teto de gastos abra caminho para gastos ainda maiores.

Risco de descontrole
O risco quando os dispêndios sobem de forma descontrolada é aumentar a dívida pública, elevar a inflação e os juros, o que tem impacto negativo sobre a economia e a própria população, destacam.

— Foi um discurso inflamado. Deu claros indícios de que o avanço sobre as contas públicas deve ocorrer, mas o que não se coloca é que países que escolheram priorizar a estabilidade social sofrem hoje instabilidade social muito maior. Descontrole fiscal leva à inflação, desbalanços na economia que concentram riqueza e ferem as populações mais necessitadas — afirmou o sócio e gestor da Galapagos Capital, Fábio Guarda.

Para o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, o discurso de Lula foi na linha de declaração de campanha, o que gerou apreensão entre os investidores:

— Toda a discussão da PEC da Transição parte da ideia de que é preciso aumentar gastos para conseguir determinados objetivos, mas o mercado sabe que o país já está altamente endividado. Amento de gastos sem contrapartida gera termo de a dívida pública voltar a subir e seguir trajetória de endividamento insustentável.

Apesar da reação de Bolsa e dólar, alguns analistas avaliam que a resposta foi desproporcional. Mônica de Bolle, economista e professora da Universidade Johns Hopkins, escreveu numa rede social que o mercado não representa interesses da população. Ela critica o comportamento de investidores e o jornalismo econômico.

“O mercado passou quatro anos conivente com a pior gestão econômica que o país já teve. Teceu louvores a Guedes (ministro da Economia), aceitou o orçamento secreto e nada disse das quatro modificações no teto, a última populista e eleitoreira”, escreveu, dizendo esperar que ele não atrapalhe a transição. (Manoel Ventura, Eliane Oliveira, Geralda Doca, Fernanda Trisotto, Alice Cravo, Jennifer Gularte, Paula Ferreira, Eduardo Gonçalves, Bruno Góes, Vitor da Costa, João Sorima Neto)

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