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Carro Popular

Estratégia de retomar carro popular é 'desatualizada e equivocada', diz especialista

'Impacta muito mais a sociedade se o governo fizer uma política de redução da tarifa do transporte público', diz coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Idec

Rafael Calabria, coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que governo deveria focar em políticas para ampliar a frota de ônibus elétricos e reduzir a tarifa.Rafael Calabria, coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que governo deveria focar em políticas para ampliar a frota de ônibus elétricos e reduzir a tarifa. - Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Apesar do apelo social, a proposta do governo de incentivar a volta do carro popular é “desatualizada” e “equivocada”, avalia Rafael Calabria, coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Para ele, que é especializado em Planejamento e Gestão de Cidades pela Escola Politécnica da USP, o governo deveria focar em políticas para ampliar a frota de ônibus elétricos e reduzir a tarifa.

Como o senhor avalia a estratégia do governo de retomar o carro popular, inclusive com a possibilidade se criar incentivos?
Existe uma justificativa social. Mas não é o melhor caminho nem para as pessoas e nem para o país, já que não se trata de uma política universal. Boa parte da população não pode pagar para comprar um carro. Impacta muito mais a sociedade se o governo fizer uma política de redução da tarifa do transporte público em vez de baratear o carro. Essa estratégia do presidente Lula repete o mesmo erro de 2010. Só que, de lá para cá, o debate sobre mobilidade avançou muito, e a crise climática se agravou. É uma proposta desatualizada e equivocada.

E do ponto de vista da sustentabilidade?
O carro polui mais, gera congestionamento, demanda mais asfaltamento. Não tem vantagem.

Houve muito subsídio ao transporte público na pandemia. Esse deveria ser o modelo?
O subsídio é necessário. A cultura de o poder público custear o transporte coletivo deve se consolidar no Brasil. É insustentável depender da tarifa, se não o transporte vai precisar estar lotado. Mas o que foi feito durante a pandemia foi para apagar incêndio. Agora é preciso consolidar e organizar esse subsídio.

Como o governo federal se soma nesta equação?
O governo federal nunca teve o costume de ajudar o setor com subsídios, embora seja necessário o apoio a esse sistema que, hoje, é estritamente municipal. A nossa proposta é criar o “SUS” da mobilidade, ou seja, um sistema interfederativo de corresponsabilidade entre todos os entes da federação — governo federal, estados e municípios. Assim como o SUS, o “SUM” (Sistema Único de Mobilidade) deverá ter programas de apoio e incentivo ao transporte e deverá criar um padrão de qualidade e remuneração para as empresas. Hoje, cada cidade faz isso do seu jeito.

A União continuaria a ajudar com os subsídios, então?
Defendemos que o governo federal apoie com serviços, em vez de dar dinheiro como os empresários pediram.

O Brasil tem um número ínfimo de ônibus elétricos. Por que as cidades não investem nessa modalidade?
São 74 ônibus elétricos (excluindo trólebus), sendo que o Chile tem 1.193 e a Colômbia, 1.589. As cidades não têm capacidade financeira de investir em ônibus elétrico. Elas só têm a cultura de se apoiar na tarifa. O setor vive hoje um círculo vicioso: a tarifa fica cara, há queda no número de passageiros e cortes de custos e serviços. Não há espaço para inovar, investir ou trocar a frota. Um ônibus elétrico custa em torno de R$ 2 milhões, é um valor alto para um município pequeno, por exemplo, e num setor sem cultura de investimento.

Pode haver incentivo do governo federal?
Temos dialogado com o ministério da Cidades e outras pastas para que o governo federal pague o aluguel de ônibus elétricos e distribua os veículos para os municípios. Assim, cada cidade só precisa pegar o ônibus e operar — pagar motorista, cobrador e energia. Com isso você tira do município o custo da aquisição, que representa de 34% a 50% do custo total do transporte. Teria um grande impacto na operação, aceleraria a indústria e teria um impacto ambiental.

Alugaria o ônibus de empresas de fora ou aqui do Brasil?
O Brasil tem uma indústria fabricante de ônibus elétrico. Existe apenas um déficit de algumas peças. Pode, inclusive, haver um fomento à indústria, para ajudar a desenvolvê-la. Assim teríamos um programa completo, com vários benefícios ao país.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, estuda implementar a tarifa zero. Isso é possível de se fazer numa cidade do tamanho de São Paulo?
Sim, mas são necessárias ações complementares. Ampliação da frota, fonte de custeio, por exemplo. E entender como ficaria a situação do metrô e do trem. Se não houver um alinhamento entre estado e município, a tarifa zero vai tirar passageiro do metrô.

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