Evento na Bolsa marca fim do controle estatal na Eletrobras. Veja os próximos passos da privatização
Foi a primeira grande desestatização do governo Jair Bolsonaro, a quatro meses da eleição
Maior empresa do setor elétrico da América Latina, a Eletrobras passa para as mãos do setor privado após seis décadas de controle estatal. Um evento na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, nesta terça-feira (14), marcará o desfecho de um processo que se arrastou por anos.
Com a presença do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes, a cerimônia de Toque de Campainha para celebrar a capitalização marcará também uma vitória do governo numa área que avançou pouco, apesar de constantes promessas: a venda de estatais. A Eletrobras é a primeira grande privatização direta do Executivo, já no quarto ano de governo e às vésperas da eleição presidencial.
A oferta de ações que sacramentou a desestatização da empresa movimentou R$ 33,7 bilhões, com demanda superando duas vezes o montante de papéis disponibilizados. A precificação definiu o valor de R$ 42 para cada ação da empresa, superando expectativas iniciais, por conta do forte apetite dos investidores pelo negócio.
Mais de 370 mil pessoas também decidiram colocar uma parte do seu FGTS nas ações da empresa. Todos esses investidores pagarão pelas ações nesta terça-feria (14). A nova composição acionária da empresa ainda não foi divulgada. Fundos como SPX Capital, Truxt Capital e Itaú Asset fizeram aportes relevantes no processo.
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A privatização da Eletrobras, a maior no país desde a venda da Telebras em 1998, é vista como uma entrega importante da área econômica do governo, sinalizando o compromisso com a agenda de desestatizações.
Mesmo mantendo um discurso de defesa da venda de praticamente todas as empresas públicas, Guedes não conseguira até agora emplacar nenhuma grande desestatização — ele focou na venda de subsidiárias e de participações em empresas via BNDES, que somaram cerca de R$ 250 bilhões até agora.
Até o momento, a primeira e única privatização propriamente dita realizada pelo governo havia sido a da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), estatal federal que administra portos do estado. O leilão foi feito em janeiro e serviu como teste para a aguardada privatização do Porto de Santos (SP), o maior do país, ainda prevista para este ano.
A carteira do chamado Programa de Parcerias de Investimentos (PPI, que reúne as privatizações e concessões do governo) do Ministério da Economia já passou por diversas revisões e cronogramas nos últimos anos, com inclusões e até mesmo retirada de projetos, e reúne atualmente 16 estatais.
Na lista, estão empresas como Correios, Telebras, Dataprev e EBC, mas sem qualquer perspectiva de realização de leilões. A Casa da Moeda, por exemplo, entrou e saiu da lista.
Na área de concessões (quando não há transferência de ativo), o Ministério da Economia pretende leiloar até o final de 2022 um total de 90 projetos, com previsão de contratação de R$ 190 bilhões em investimentos. O mais aguardado, depois da capitalização da Eletrobras, é o da concessão de mais 15 aeroportos, incluindo o de Congonhas, cujo leilão foi marcado para o dia 18 de agosto. Dessa lista
No início do mês, o Conselho do PPI decidiu incluir a Petrobras na lista de estudos para uma possível privatização – o que até então não tinha o apoio de Bolsonaro. Ele também já se manifestou contra a venda do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, as principais empresas estatais junto com a Eletrobras.
O próprio presidente reconhece, porém, que uma eventual venda da Petrobras demoraria até quatro anos.
Guedes já se mostrou publicamente frustrado com o desempenho do programa de privatizações, depois de ter estimado que a venda de ativos poderia render mais de R$ 1 trilhão para os cofres públicos.
Para mostrar que tem entregado conquistas na área, porém, o governo destaca sempre as vendas de subsidiárias como a BR Distribuidora e de participações minoritárias do BNDES que já chegam a R$ 250 bilhões.
Próximos passos
Com o sucesso da privatização, a União deixará de ser controladora da Eletrobras, reduzindo sua fatia na Eletrobras para algo perto de 35%. Ainda que tenha maioria, a lei impede que qualquer acionista detenha mais de 10% dos votos, diluindo o controle.
A Eletrobras usará os recursos obtidos para pagar à União um bônus de outorga de R$ 25 bilhões pela renovação de contratos de concessão de 22 usinas hidrelétricas antigas, dentro de um mês. Ainda pagará R$ 5 bilhões para aliviar as tarifas de energia, o que faz com que a privatização tenha potencial de reduzir em cerca de 2,4% os reajustes nas contas de luz neste ano, segundo o Ministério de Minas e Energia.
Para privatizar a elétrica, o governo também precisou criar uma nova estatal, a ENBPar, que nasceu com 94 servidores. Essa companhia fará a gestão da hidrelétrica de Itaipu e das usinas nucleares de Angra dos Reis, que por questões legais não podem ser desestatizadas.
História
A Eletrobras é responsável por metade da rede de transmissão de energia do país e quase um terço da capacidade de geração nacional (número que considera Itaipu e Angra). A empresa chegou a ser alvo de planos de privatização ainda nos anos 1990, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que conseguiu vender apenas uma subsidiária, a Gerasul, em 1998.
O projeto da venda da estatal de energia vinha se arrastando há anos e sofreu diversos percalços no caminho. A privatização foi anunciada inicialmente pelo governo Michel Temer, em 2017. Ele chegou a encaminhar um projeto ao Congresso tratando do assunto, que nunca foi votado.
Só no terceiro ano do governo Bolsonaro, ele editou uma medida provisória (MP) com as regras para a venda da empresa. Isso acelerou o processo.
Com o projeto aprovado na Câmara e no Senado, o desafio passou a ser a aprovação da capitalização no Tribunal de Contas da União (TCU).