Executivos da SouthRock, dona do Starbucks no Brasil, são investigados por estelionato e fraude
Inquérito apura se crimes foram praticados para obtenção de empréstimo de R$ 75 milhões
Enquanto o Starbucks passa por recuperação judicial para reestruturar dívidas de R$ 1,8 bilhão, a Polícia Civil de São Paulo investiga se executivos do grupo SouthRock, responsável pela rede de cafés no Brasil, cometeram os crimes de estelionato, falsidade ideológica e apropriação indébita contra credores. No centro das investigações, está um empréstimo de R$ 75 milhões que teria sido obtido após alteração de balanços patrimoniais.
O inquérito, aberto em dezembro do ano passado e obtido pelo Globo, mira o CEO e fundador da SouthRock, Kenneth Pope, o diretor financeiro do grupo, Fábio Rohr, e o gerente financeiro do Starbucks, Marcos de Jesus Carvalho. As acusações partiram de notícia-crime registrada pela Ibiuna Investimentos e pela securitizadora Travessia, responsáveis pela operação de crédito.
As alegações, investigadas pela Polícia Civil, são de que os executivos teriam apresentado demonstrativos financeiros falsos "a fim de obter vantagem ilícita" dos credores, segundo o inquérito.
Em acusação adicional feita na última segunda-feira, os credores também alegam que o CEO da SouthRock obteve um empréstimo de R$ 20 milhões da própria empresa, em operação ocultada da Justiça e dos credores. Os representantes da Travessia acusam o executivo de desviar o valor em benefício do próprio e pedem que Pope seja afastado do comando do grupo, informação que foi noticiada primeiro pelo jornal Valor.
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Documentos alterados e 'tragédia anunciada'
Dona da operação brasileira do Starbucks, do TGI Fridays e do Eataly, a gestora SouthRock entrou com pedido de recuperação judicial em outubro do ano passado. Segundo os credores, o grupo manipulou documentos para ocultar a situação real da companhia e obter o empréstimo.
O crédito operado pela Ibiuna e pela Travessia foi concedido em novembro de 2022, após a SouthRock apresentar documentos que garantiriam a saúde financeira do Starbucks. A contrapartida envolvia o pagamento do valor em 48 parcelas mensais, sendo a última com vencimento em outubro de 2026.
Os credores afirmam que, um ano depois da concessão do empréstimo, descobriram que os demonstrativos financeiros apresentados "foram adulterados" a fim de induzi-los a acreditar que o Starbucks Brasil e o grupo SouthRock "possuíam uma saúde financeira que os permitiria honrar com suas dívidas – quando, na verdade, o real nível de endividamento do conglomerado apontava para uma tragédia anunciada".
Em 2023, o Starbucks teria "simplesmente deixado de pagar as parcelas das notas comerciais", afirmam os advogados do escritório Warde Advogados, que representam a Ibiuna e a Travessia.
Em nota enviada ao GLOBO, a SouthRock negou as acusações e afirmou que o pedido de inquérito seria uma tentativa dos credores de “justificar para investidores operações de crédito realizadas”.
Ocultação de organograma e alteração de royalties
Para mascarar a situação do Starbucks, os credores alegam que a empresa ocultou dívidas da rede de cafés e de outras companhias do grupo. Entre os débitos ocultos, estariam dois Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) no valor de R$ 66 milhões cada, que não foram incluídos no balanço do grupo durante a negociação para o empréstimo.
Uma parte da fraude teria envolvido ainda o envio de organogramas societários incompletos da SouthRock, que propositalmente omitiram a existência de holdings endividadas do grupo, como a SRC 6 Participações e a KD 01 Participações. Somados, os CNJPs tinham ao menos R$ 400 milhões em dívidas, afirmam os advogados da Trevessia e da Ibiuna.
Em um dos e-mail incluídos no processo, visto pelo GLOBO, o diretor financeiro Fabio Rohr envia aos credores um organograma da organização societária do grupo sem a SRC 6 Participações, um dos braços com dívidas. As mensagens foram trocadas em novembro de 2022 com o CEO, Pope, em cópia.
A suposta manipulação de balanços patrimoniais teria envolvido ainda a apresentação de valores menores dos royalties pagos pela SouthRock à detentora global da marca Starbucks. Em junho de 2023, balanço patrimonial do Starbucks Brasil indicava que os royalties tinham valor de R$ 21,3 milhões. O montante, no entanto, seria de R$ 63,4 milhões.
Por fim, a Polícia Civil investiga se a SouthRock substituiu máquinas de cartão usadas na rede Starbucks com o objetivo de impedir a arrecadação de recebíveis cedidos como garantia do empréstimo. A Polícia solicitou que duas operadoras de maquinhas prestassem esclarecimentos para auxiliar nas investigações.
Acusação de desvio de R$ 20 milhões
Em petição apresentada na Justiça no início desta semana, a Travessia acusa Pope ainda de fraude, manipulação de documentos contábeis e ocultação de transações financeiras. Segundo os advogados da securitizadora, o CEO da SouthRock teria contraído R$ 20 milhões em dívidas da própria gestora e que não foram incluídas na relação de valores a receber pela empresa no pedido de recuperação judicial.
O montante aparece em declarações de Imposto de Renda do executivo, que foram acessadas pela securitizadora e apresentadas à Justiça. Nos documentos, o CEO declara para a Receita Federal duas tomadas de crédito junto à SouthRock em 2022 - no valor de R$ 2,8 milhões e de R$ 4,3 milhões. Ao fim de 2023 Pope declara uma dívida total de R$ 19,5 milhões.
A Travessia argumenta que, ao ocultar o valor, o CEO e o diretor financeiro da SouthRock induziram credores e Justiça ao erro e encobriram o montante milionário a ser recebido pela empresa.
Segundo os advogados da Travessia, Pope teria subtraído o valor da empresa "para vantagem pessoal em detrimento da coletividade de credores". Eles acrescentam que a fraude só poderia ter acontecido com a anuência do diretor financeiro Fabio Rohr, que "sempre assinou as demonstrações financeiras e demais documentos contábeis das empresas do grupo".
Em nota, a SouthRock rebate as acusações e informa que "os valores mencionados constam no balanço da empresa e no Imposto de Renda do sócio". A empresa também esclarece que todas as movimentações foram realizadas "anos antes ao processo de Recuperação Judicial" e que foram "devidamente documentadas".