Falta de profissionais de Tecnologia da Informação é desafio para desenvolvimento
No mercado de Tecnologia da Informação, sobram vagas, mas faltam profissionais qualificados para os cargos. A escassez de talentos virou entrave no setor privado e afeta o crescimento do País
O mercado de Tecnologia da Informação (TI) enfrenta o desafio da escassez de talentos e mão de obra qualificada. Sobram vagas, mas faltam profissionais qualificados para ocupar as funções.
Um estudo, produzido pelo Google For Startups em parceria com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), revela que o País terá um déficit de 530 mil profissionais da área até 2025. Segundo o relatório, anualmente, 53 mil profissionais irão se formar entre 2021 e 2025, mas a demanda por novos talentos nesse período será de 800 mil, segundo a Associação das Empresas de Tecnologia (Brasscom).
O entrave afeta o crescimento do setor e atrapalha o desenvolvimento do País. Relatório produzido pela multinacional de tecnologia Accenture revela que o Brasil figura na terceira posição entre os países do G20 que mais desperdiçam a oportunidades de elevar o Produto Interno Bruto (PIB) por falta de habilidades digitais. No levantamento, o Brasil aparece atrás apenas da Índia, África do Sul e México, ficando empatado com a China.
Brasil
O estudo, realizado pelo Google For Startups, programa voltado para acelerar novas empresas em desenvolvimento, mapeia o tamanho do déficit de profissionais que o Brasil enfrenta. A pesquisa denominada “Panorama de Talentos em Tecnologia” ouviu lideranças de startups e especialistas de todo o País para entender os principais desafios atuais do mercado brasileiro.
O levantamento, divulgado em 2023, foi realizado no formato online e recebeu 253 respostas, e é um dos mais atualizados sobre o assunto, já que o último estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 2017.
Áreas
No mundo, as áreas que registram o maior gap de profissionais, diferença entre a demanda por especialistas de tecnologia e a oferta de profissionais qualificados, são cibersegurança aprendizado de máquina de Inteligência Artificial, arquitetura de nuvem/planejamento, organização de T.I. automação, projeção de dados, administrador de rede, desenvolvedor de aplicativos mobile, administração de armazenamento, arquitetura de T.I./Planejamento, analista de dados/Cientista de dados, aplicação de desenvolvimento/DevOps, administrador de base de dados, monitoramento de compliance e gerenciamento de mobilidade empresarial.
No contexto do mercado brasileiro, as demandas por profissionais apresentam alterações. Na visão das startups entrevistadas pela pesquisa do Google, as áreas de tecnologia com maior escassez estão diretamente ligadas “a soluções estruturais ou de aperfeiçoamento dos processos de trabalho”.
São elas: engenharia e desenvolvimento (presente em 60% das respostas); ciência, engenharia e análise de dados (49%); desenvolvimento de produto digital (43%); inteligência artificial e aprendizado de máquina (41%); cibersegurança e segurança Digital (30%); gestão de projetos (16%); cloud (11%); marketing digital (8%), conteúdo digital (2%); vendas e desenvolvimento de negócios (17%), e experiência de usuário - UX (11%), entre outras.
Causas
Os principais motivos que geram escassez de profissionais, segundo o levantamento, são: o ensino de pensamento lógico defasado nas escolas brasileiras; barreiras para pessoas negras e mulheres no mercado de tecnologia; a falta de desenvolvimento de profissionais seniores (mais qualificados); a dificuldade de conseguir o primeiro emprego em tecnologia que provoca a migração de jovens para outras áreas; limitações para pessoas de regiões distantes dos grandes centros do País, e as condições mais atrativas oferecidas pelo mercado fora do Brasil, o que acaba esvaziando o mercado nacional.
“Entre os maiores problemas ou desafios identificados pelo estudo está a enorme lacuna de profissionais qualificados. Para a gente ter uma ideia, apenas 7% das startups consideram que tenham todas as capacidades e competências profissionais nos seus times. Delas, 92% acreditam que faltam profissionais de tecnologia para que possam contratar”, disse o diretor do Google for Startups para a América Latina, André Barrence, em audiência pública promovida pelo Senado sobre o tema, na semana passada.
De acordo com 65% dos entrevistados na pesquisa do Google for Startups, os profissionais seniores são os mais difíceis de atrair.
“Um sênior consegue acelerar e dar robustez na criação e construção da inovação, porque é um profissional experiente como os de qualquer outra área. Como aconteceu o descompasso? Naquele momento (de pandemia da Covid-19) todo mundo queria um time sênior para poder acelerar demandas necessárias naquele momento” explicou Laís Xavier, presidente da Assespro PE/PB.
Devido à alta demanda, é comum no mercado que os estagiários desenvolvidos pelas empresas prestes a serem qualificados como júnior deixem seus trabalhos após serem atraídos por grupos empresariais maiores. O nível de exigência alto do setor também é outro fator que leva ao gap profissional.
“O problema maior é que é uma área muito exigente, a tal ponto que, na exigência que se coloca, não tem o profissional porque você tem uma necessidade muito grande de profissionais sêniores para formar as equipes e menos de júnior. A questão toda é que a gente precisa de um tempo, estamos formando muita gente agora e vamos precisar de tempo para que tenha mais gente sênior e pleno disponível para trabalhar”, afirmou Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, hub de tecnologia e inovação sediado no Recife, que hoje é o maior parque de tecnologia do País.
Média salarial
Um dos atrativos da área são os salários oferecidos, que são superiores à média nacional.
“O salário, quando a gente olha pro macrossetor de Tecnologia da Informação, é de R$ 4.300, ou seja, 2,1 vezes o salário médio nacional. Quando a gente olha especificamente para as empresas de software, os profissionais que trabalham com software de alto valor agregado, o salário médio nacional chega a R$ 5.200, o que é 2,5 vezes o salário médio nacional. Há uma oportunidade gigantesca para a gente conseguir ter mais talentos e melhorar a qualidade de vida das pessoas do País”, explicou Mariana Rolim, diretora executiva da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), durante audiência no Senado.
Apesar da atratividade salarial, a concorrência com mercados internacionais dificulta a retenção de talentos no País, por oferecer condições mais vantajosas. As facilidades promovidas pelo trabalho remoto, que pode ser realizado em qualquer parte do mundo, tornam a disputa por ainda mais acirrada e desvantajosa para empresas nacionais.
“Se nós fizermos um paralelo sobre moeda, um profissional ganha US$ 5 mil em empresas estrangeira, e hoje não precisa mais sair daqui do País, está ganhando aí por volta de R$ 26 mil, R$ 27 mil, contra R$ 5 mil pagos aqui no Brasil”, destacou a presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), Ingrid Guimarães Barth, ainda durante a audiência no Senado.
Diversidade
Outro desafio do mercado é a inclusão. Atualmente, o cenário é de domínio dos homens com 83,3% do mercado sendo composto por eles e apenas 12,3% por mulheres, de acordo com a pesquisa do Google.
Laís Xavier defende que uma maior diversidade no setor permite uma ampliação da competitividade e aumento na capacidade de inovação.
“Quando você olha para o recorte de gênero, você vê o mito que foi criado no inconsciente coletivo de que matemática e a área de ciências não eram coisas de mulheres. Nosso espaço era o do cuidado, mas, para a ciência, é como se a gente não fosse suficiente para estar lá, obviamente, fica uma área muito menos atrativa, os ambientes ficam majoritariamente masculinos, mais hostis à mulher”, disse.
No mesmo sentido, Ingrid relatou que o setor ainda é predominantemente masculino e branco.
“Iniciativas que promovam a entrada de mulheres e minorias no setor de tecnologia são super importantes para construir um ambiente mais justo e inovador. Muitas vezes muitos grupos minorizados não entram no setor de tecnologia porque parece muito difícil, complexo e caro, e não seria para eles porque é, predominantemente, masculino e branco. Quando você se abre, de fato, essa diversidade, fica mais convidativo para esses grupos se interessarem.”
Legislativo
Autor da proposta da audiência no Legislativo, o senador Fernando Dueire (MDB-PE) afirmou que o debate sobre a escassez de profissionais será ampliado com o intuito de levar uma proposta de programa para o Governo Federal.
“Vamos aprofundar essa discussão para propor caminhos que possam viabilizar essa formação. Essa escassez de profissionais qualificados impacta diretamente nos processos de inovação e crescimento do País.”