França e Alemanha acirram rivalidade nas negociações sobre acordo UE-Mercosul; entenda
Ministro alemão afirma que parceria é importante para os europeus. Franceses buscam aliados para formar "minoria de bloqueio"
Alemanha e França movimentaram suas peças nesta quinta-feira no início de uma reunião de ministros do Comércio da União Europeia (UE), reafirmando posições claramente divergentes sobre a eventual assinatura do tratado de livre comércio entre o bloco europeu e o Mercosul.
A reunião ocorre no quarto dia de protestos de agricultores, que são contra a assinatura do acordo e buscam melhor seus rendimentos. Eles bloquearam nesta quinta-feira o porto de Bordeaux, no sudoeste da França.
O ministro alemão de Comércio, Robert Habeck, declarou, ao chegar à reunião dos ministros, que a assinatura do acordo seria de enorme importância estratégica para a UE, diante da possibilidade de tensões tarifárias com os Estados Unidos e a China.
Por outro lado, a ministra francesa de Comércio Exterior, Sophie Primas, reafirmou a oposição da França à parceria, destacando que a reunião do dia seria uma oportunidade para "um diálogo de persuasão" com seus colegas europeus.
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— Vocês já conhecem a posição da França, que se opõe a assinar o acordo com o Mercosul da forma como está. Esperamos que o Acordo de Paris seja uma cláusula essencial do tratado entre europeus e sul-americanos — afirmou Sophie ao chegar à reunião.
A França busca aliados dentro da UE para formar a chamada "minoria de bloqueio" contra a assinatura do acordo. Até o momento, conseguiu o apoio da Itália e agora concentra esforços em conquistar a adesão da Polônia.
Durante o encontro de líderes do G20 no Rio de Janeiro, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que o país "não está isolado" em sua oposição ao estado atual do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, cuja negociação começou em 1999. Empresários europeus temem a concorrência com produtos agrícolas do Brasil e da Argentina, principalmente. Macron é apontado como o principal obstáculo para o avanço do acordo.
O secretário de Estado de Desenvolvimento da Polônia, Ignacy Niemczycki, declarou:
— Nossos agricultores indicaram ao governo polonês que temem as importações. Por isso, estamos abertos a buscar soluções.
Habeck, por sua vez, destacou que a importância de concluir o acordo vai além da proteção dos interesses dos agricultores:
— Finalizar este acordo agora seria a resposta correta à tendência de fechamento, tarifas e barreiras comerciais.
Em uma mensagem sutil à França, ele acrescentou: "A Europa deve perceber que precisa agir de forma unida e coerente. É do interesse de todos os Estados-membros evitar divisões".
Enquanto isso, o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, comentou brevemente ao chegar à reunião: "As negociações com o Mercosul continuam em andamento. Estamos progredindo, mas não mencionarei prazos por enquanto".
O ministro sueco de Comércio Exterior, Benjamin Dousa, afirmou que seu país "será a voz mais clara a favor do livre comércio durante esta reunião (...). Já estamos falando há bastante tempo sobre Mercosul e México. É hora da cerimônia de assinatura".
Por sua vez, a ministra de Relações Exteriores da Letônia, Baiba Braze, apontou:
— Continuamos negociando com o Mercosul e espero que os países que ainda hesitam intensifiquem sua participação de forma positiva nesse tema.
Protesto de agricultores chega ao 4º dia
No quarto dia de protestos pelo país, os agricultores do sindicato Coordenação Rural voltaram a bloquear o acesso ao sexto maior porto francês em volume de mercadorias e a um depósito de petróleo, utilizando pneus, cabos e tratores, o que causou uma longa fila de caminhões aguardando.
Os manifestantes exigem do governo soluções "estruturais" para a categoria, declarou à AFP Aurélie Armand, representante do sindicato.
— Queremos reformas para viver, para ter um salário digno —acrescentou.
Também no sudoeste, agricultores com gorros amarelos desse sindicato continuam ocupando um centro de compras da rede de supermercados Leclerc. As autoridades deram até sexta-feira para que eles deixem o local.
Em Estrasburgo, no nordeste da França, manifestantes tomaram o centro da cidade com cerca de dez tratores e distribuíram 600 quilos de maçãs aos pedestres.
Na quarta-feira, em meio aos protestos dos agricultores contra um possível acordo entre UE e Mercosul, Alexandre Bompard, CEO do Carrefour, maior rede varejista do país europeu, afirmou em suas redes sociais que não comprará mais carne dos países do bloco formado por diversas nações da América do Sul, como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Em uma carta direcionada para Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores da França (FNSEA), o executivo declarou que, “em solidariedade ao mundo agrícola, o Carrefour se compromete a não comercializar nenhuma carne do Mercosul”.
A publicação gerou reações no Brasil. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) disse em nota lamentar “a infeliz e infundada declaração do CEO do Carrefour”.
O Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (Mapa) t ambém divulgou nota, na qual "rechaça" as declarações do CEO do Carrefour.
"O Mapa não aceitará tentativas vãs de manchar ou desmerecer a reconhecida qualidade e segurança dos produtos e dos compromissos ambientais brasileiros", afirma o texto do governo brasileiro.
Promessas não cumpridas
Menos de um ano após uma mobilização histórica, os sindicatos agrícolas denunciam que o governo não cumpriu todas as promessas feitas na época e temem, além disso, a assinatura de um acordo comercial entre a UE e o Mercosul.
— Nos próximos dias, farei anúncios sobre simplificação burocrática para o setor — afirmou nesta quinta-feira a ministra da Agricultura, Annie Genevard, durante uma visita ao norte da França, sua primeira desde o início da nova mobilização.
Os protestos também se inserem no contexto das eleições sindicais profissionais previstas para janeiro. A Coordenação Rural busca romper a hegemonia do sindicato majoritário FNSEA, que iniciou os protestos na segunda-feira junto com seus aliados do Jovens Agricultores.
Esses sindicatos pretendem retomar as manifestações na próxima semana — "terça, quarta e quinta-feira" — para "denunciar os obstáculos à agricultura" e planejam manter o movimento até meados de dezembro.