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Governo propõe driblar orçamento para aumentar auxílio-gás, que atingirá pico em ano eleitoral

Ideia é ampliar o benefício para 20 milhões de famílias

Gás de cozinhaGás de cozinha - Foto: Guito MOreto/Agência Brasil

A proposta do governo Luiz Inácio Lula da Silva para aumentar e reformular o repasse do auxílio-gás para a população de baixa renda inclui um mecanismo para driblar as regras fiscais.

Conforme o projeto, assinado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda), o Tesouro Nacional vai abrir mão de receitas referentes ao pré-sal. Esse dinheiro será repassado diretamente à Caixa Econômica Federal, que se tornaria operadora do programa, sem passar pelo orçamento federal.

A reformulação do programa foi anunciada pelo governo na última segunda-feira. Atualmente, os beneficiários recebem o auxílio bimestralmente como um adicional do Bolsa Família.

O projeto inverte a lógica e vai conceder descontos no botijão diretamente no ato da compra nas revendedoras de gás, que serão recompensadas pela União.

O texto precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para entrar em vigor.

O governo quer ainda ampliar o acesso ao Auxílio Gás para mais de 20 milhões de famílias até o fim de 2025.

Dessa forma, o programa atingirá seu pico em 2026, ano de eleições presidenciais. Atualmente, 5,6 milhões de famílias têm o benefício. Assim, o custo do programa deve aumentar para R$ 5 bilhões em 2025 e R$ 13,6 bilhões em 2026. No ano passado, o programa custou R$ 3,7 bilhões.

A elevação do custo, porém, não deve enfrentar as restrições orçamentárias impostas por regras como o arcabouço fiscal. O arcabouço trava o crescimento das despesas do governo, que só podem crescer até 2,5% acima da inflação.

O projeto de lei faz uma triangulação. Diz que a receita da venda de de óleo e gás que cabe à União nos contratos do pré-sal pode ser repassada diretamente à Caixa.

E à Caixa caberá operacionalizar o programa. Dessa forma, é um dinheiro que deixa de entrar no Tesouro Nacional. Além disso, como a despesa não será paga pelo Tesouro, não conta para regras fiscais.

Nessa quarta-feira, a equipe econômica detalhou o pente-fino em programas do governo que promete poupar R$ 25,9 bilhões no ano que vem.

A revisão foi implementada diante do aumento ininterrupto de despesas obrigatórias, que já estão batendo no limite de gastos do arcabouço fiscal.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, garantiu que o aumento do auxílio-gás não vai comprometer essa economia e afirmou que a proposta passou no crivo da pasta na compatibilidade com o arcabouço fiscal.

— A avaliação da equipe econômica não é sobre o mérito da proposta, é sobre a compatibilidade com o arcabouço fiscal e o orçamento, e não vai de nenhuma forma comer essa economia — disse Dario Durigan.

Além do uso de dotações orçamentárias do MME, o projeto prevê que entidades públicas poderão pagar diretamente à Caixa valores devidos à União. O projeto estabelece que poderão ser repassados recursos provenientes da comercialização do óleo excedente do pré-sal e que deveriam ser destinados ao Fundo Social do Pré-Sal. O fundo é dedicado a programas nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento.

— O projeto tem a possibilidade de entidades públicas poderem pagar direto dentro do programa, que pode ser operado pela Caixa, com dedução do que essas entidades pagariam à União. Do ponto de vista fiscal, tem equilíbrio de despesas e receitas — afirmou Durigan.

Já o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Guimarães, disse que o impacto do programa será compensado dentro das regras fiscais.

— Se for pela via orçamentária, vamos ter que enquadrar ou reduzir discricionárias ou fazer mais revisões em outras políticas obrigatórias. Se for por subsídio, temos que lembrar que o regime fiscal sustentável tem uma conexão direta entre receitas e despesas. Se está abrindo mão de receitas, indiretamente vamos reduzir o espaço futuro de despesas. Vai ter que ter ajustes naturais que vão acontecer dentro do conjunto de regras fiscais que temos hoje.

Especialistas em contas públicas avaliam que a opção de repasse dos recursos do pré-sal diretamente à Caixa contraria princípios orçamentários e pode ser questionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

— É uma política parafiscal, com requintes de crueldade. O Pé de Meia (programa para incentivar a permanência no ensino médio) foi retirado explicitamente dos limites de gastos. Agora, foi algo obscuro, escondido — avaliou Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista da ASA Investments.

Os economistas Felipe Salto, Josué Pellegrini e Gabriel Garrote, da Warren Rena, destacam, em relatório, que o processo natural para um programa desse tipo seria a União recolher as receitas que lhe cabem para financiar o Fundo Social, na sequência incluindo as despesas com subsídios no Orçamento. Mas decidiu-se pela renúncia de arrecadação, o que contorna o limite de gastos.

"Como o teto de dispêndios se encontra pressionado no Orçamento, realiza-se subsídio sem que o ônus incorrido pela União seja contabilizado como gasto", afirmam.

Os economistas ainda dizem que é uma iniciativa que fragiliza a credibilidade do ajuste fiscal promovido pela equipe econômica. Outras ações já foram contestadas por especialistas, como a proposta de adiantamento da edição de um crédito extra para aumentar o teto de gastos este ano.

"É preciso deixar claro: o desejo de membros do governo de contornar a regra de evolução das despesas primárias, criada ainda nesse mandato, fragiliza a credibilidade do ajuste fiscal defendido pelo Ministério da Fazenda."

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