Governo recuperou 0,8% dos repasses irregulares de auxílio emergencial
Os dados do Ministério da Cidadania são referentes à quarta-feira (2)
O sistema disponibilizado pelo governo para devolução voluntária de recursos recebidos indevidamente de auxílio emergencial recuperou, até o momento, R$ 340,8 milhões.
O valor corresponde a 0,8% do montante de R$ 42 bilhões estimado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) de pagamentos indevidos. Os dados do Ministério da Cidadania são referentes à quarta-feira (2).
O auxílio emergencial foi criado para dar assistência financeira a trabalhadores informais durante a pandemia do novo coronavírus, já que a política de isolamento social e o fechamento do comércio nas cidades limitou a atuação desses profissionais.
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A participação no programa depende do cumprimento de uma série de exigências que, segundo relatório do TCU, não foram cumpridas em milhões de casos. O órgão se baseou em dados levantados pelo IBGE na Pnad-Covid (Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar Covid-19).
Para esses casos, o governo disponibilizou um site para que as pessoas devolvam de maneira voluntária os recursos recebidos em desacordo com a lei.
De acordo com o Ministério da Cidadania, até o momento, 202 mil pessoas emitiram guias de recolhimento para restituir os valores aos cofres públicos. No total, R$ 340,8 milhões foram recuperados pelo governo.
Desde a criação do auxílio emergencial, o TCU vem produzindo relatórios de acompanhamento dos pagamentos. Documento assinado na última semana pelo ministro Bruno Dantas, relator do caso, levanta as situações nas quais requerentes foram contemplados pelo governo apesar de não terem direito ao benefício.
Segundo o órgão, a assistência tem sido paga a pessoas com renda mensal superior ao permitido pelo programa (R$ 522,50 por indivíduo ou R$ 3.135 por família). Projeção feita a partir do cruzamento com dados do IBGE indica que 8 milhões de lares receberam a assistência sem o devido enquadramento no critério de renda.
Há ainda cerca de 6 milhões de mulheres que estariam recebendo o benefício em dobro por se declararem chefes de família, mas que não se encaixam no critério.
O IBGE calcula que existam hoje 3,2 milhões de mulheres responsáveis pelo domicílio e 1,2 milhão de mães solteiras. No entanto, o governo processou e liberou o pagamento em dobro para 10,5 milhões de mulheres que declararam fazer parte desse perfil.
Também foram identificadas famílias com mais de dois membros contemplados, o que não é permitido.
Na totalização de beneficiários desenquadrados e mães que não poderiam receber em dobro, o TCU estima que R$ 42,1 bilhões foram liberados indevidamente.
O valor corresponde a 16,5% dos R$ 254 bilhões referentes às cinco primeiras parcelas de R$ 600 do auxílio. O total pode subir porque agora o governo autorizou o pagamento de mais quatro parcelas de R$ 300.
"Isso vem ocorrendo devido às limitações cadastrais nos bancos de dados governamentais e ao alto índice de informalidade nas relações de emprego e conjugais, tendo em vista que algumas regras de elegibilidade do auxílio emergencial são de difícil verificação", afirma o relator no documento.
Ao criar o benefício, membros do governo argumentavam que, diante da situação de emergência, era preciso liberar rapidamente os recursos para atender à população. Com isso, seria necessário lidar com eventuais incorreções ou fraudes em um segundo momento.
O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, avalia que uma maior integração nos sistemas poderia ter evitado pagamentos irregulares. Para ele, a pandemia vai gerar grandes prejuízos ao governo com fraudes e corrupção.
"Há desvios no recebimento do auxílio emergencial, mas também nas compras de álcool em gel, máscaras e equipamentos médicos. É uma corrupção que não é apenas de uma empresa, não são tês partidos ou um governador. É uma corrupção horizontal", afirmou.
Nos bastidores, ministros do TCU ouvidos pela reportagem afirmam que a maior parte desses recursos não deve voltar aos cofres públicos, considerando a dificuldade de identificar as pessoas que pediram o benefício de forma fraudulenta.
Membros do órgão avaliam que há uma resistência do Executivo em adotar medidas para reaver as verbas.
Segundo interlocutores do governo, o presidente Jair Bolsonaro quer que o auxílio emergencial seja uma das vitrines de sua gestão, abrindo caminho para eventual reeleição.
Pesquisa Datafolha mostrou que a aprovação do presidente registrou alta após a liberação do auxílio emergencial, especialmente no Nordeste.
Para membros do TCU, o cancelamento ou pedido de devolução forçada de recursos poderia gerar desgaste para a popularidade do governo.
Em outro episódio de pagamentos irregulares, o benefício foi liberado a mais de 50 mil militares, categoria que não tem direito ao auxílio. O governo tentou negociar a forma de devolução dos recursos pelos militares, mas o TCU determinou desconto integral dos valores diretamente na folha de pagamentos.
Também foram registrados repasses indevidos a 680 mil servidores. Nesse caso, a recuperação dos recursos pode ser mais difícil porque a maior parte dos pagamentos é referente a servidores de estados e municípios, esferas nas quais o TCU não tem poder de atuação.
O Ministério da Cidadania informou que a taxa de fraudes identificadas até o momento é baixa e ressaltou que atua em conjunto com a Polícia Federal e o Ministério Público para processar na esfera penal os crimes que envolvem o auxílio.
A pasta ressaltou que, além das implicações penais, pessoas que declararam informações falsas para receber o auxílio são obrigadas a ressarcir os cofres públicos. Informou ainda que a Controladoria-Geral da União tem canal aberto para receber denúncias de fraude.