Greve em lojas da Apple na Austrália acende alerta para os Estados Unidos
Sindicalização, antes rara entre varejistas e big techs nos EUA, avança também na Europa
Dezenas de trabalhadores da Apple na Austrália paralisaram suas atividades nesta terça-feira (17) depois que as negociações sobre salários e condições de trabalho foram interrompidas, a mais recente revés para a gigante da tecnologia, que enfrenta um crescente movimento de sindicalização nos Estados Unidos e na Europa.
A ação em si é pequena. Cerca de 150 trabalhadores do varejo, dos quase 4 mil funcionários australianos da empresa, votaram por cruzar os braços por uma hora. Então, a partir de quarta-feira (19), eles se recusarão a fazer vários trabalhos, incluindo instalar protetores de tela, reparar AirPods e lidar com entregas.
Mas a greve é simbolicamente significativa. Após anos de harmonia entre empregados e empresa, os trabalhadores do varejo da Apple nos Estados Unidos superaram a resistência da gigante da tecnologia em se mobilizar em uma onda de agitação de funcionários em tempos de pandemia, parte de um movimento mais amplo de sindicalização em varejistas, restaurantes e empresas de tecnologia.
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Em junho, uma loja em Towson, Maryland, tornou-se o primeiro ponto de venda da Apple nos EUA a se sindicalizar, com funcionários dizendo que queriam uma maior voz sobre remuneração, escala de trabalho e progressão na carreira.
Nesse mesmo mês, uma loja da Apple na Grã-Bretanha foi sindicalizada pela primeira vez. Uma segunda loja dos EUA, em Oklahoma City, votou pela sindicalização na sexta-feira (14), e líderes sindicais dizem que trabalhadores de mais de duas dúzias de outras lojas no país manifestaram interesse em se sindicalizar.
Do lado de fora de uma loja da Apple no estado australiano de Nova Gales do Sul, nesta terça-feira, cerca de duas dúzias de trabalhadores seguravam cartazes dizendo “dê-nos nossos fins de semana” e “dê aos trabalhadores uma mordida na maçã”.
Líderes sindicais na Austrália, onde as greves no setor de varejo são raras, disseram que foram incentivados pela atividade trabalhista americana.
Anthony Forsyth, professor de direito do trabalho da Universidade RMIT em Melbourne, afimra que a greve é “um exemplo importante de sindicatos que estabelecem uma presença em uma indústria ou ambiente de trabalho como um gigante da tecnologia, onde isso simplesmente não aconteceu antes, aqui ou nos EUA”.
Na Austrália, a Apple ofereceu aos trabalhadores um salário mínimo 17% acima do mínimo da indústria, equivalente a um pagamento por hora de pelo menos US$ 17,35 (27,64 dólares australianos). Os três sindicatos envolvidos nas negociações se opuseram ao acordo e acusaram a Apple de tentar apressar a votação.
O acordo equivaleria a um “corte salarial real” por causa da inflação, de acordo com um dos sindicatos, a Shop, Distributive and Allied Employees Association. Também acusou a Apple de obstruir os líderes sindicais quando eles buscavam entrevistar os trabalhadores em preparação para as negociações, uma tática comum nos Estados Unidos, mas nem tanto na Austrália.
Embora os três sindicatos estejam negociando com a Apple, apenas o Sindicato dos Trabalhadores de Varejo e Fast Food decidiu entrar em greve, depois que seus membros votaram a favor da ação na semana passada.
O sindicato está exigindo um salário mínimo por hora de 31 dólares australianos, de acordo com o que os funcionários dos EUA recebem. Também busca garantias de que os trabalhadores terão dois dias consecutivos de folga por semana, bem como o direito dos trabalhadores de meio período de ter dias e horários de trabalho definidos.
Os funcionários têm pouco a dizer sobre quando estão programados para trabalhar, o que torna difícil ter uma vida fora do trabalho, disse Josh Cullinan, secretário nacional do sindicato.
Em um comunicado enviado por e-mail, um porta-voz da empresa disse que a Apple estava “orgulhosa de recompensar nossos valiosos membros de equipe na Austrália com uma forte compensação e benefícios excepcionais. A Apple está entre os empregadores mais bem pagos da Austrália e fizemos muitas melhorias significativas em nossos benefícios líderes do setor, incluindo novos programas educacionais e de saúde e bem-estar.”
Nos Estados Unidos, a Apple tentou conter a revolta em suas lojas aumentando os salários e dizendo aos trabalhadores que a sindicalização resultaria em menos promoções e horários inflexíveis. Líderes trabalhistas contaram que os esforços da Apple contribuíram para a recente suspensão de uma votação sindical planejada em Atlanta.
O Conselho Nacional de Relações Trabalhistas também emitiu uma queixa dizendo que a Apple interrogou trabalhadores do varejo e os impediu de postar materiais sindicais na sala de descanso, como tinham o direito de fazer.
A ação dos EUA tem sido um fator significativo na forma como as negociações se desenrolaram na Austrália, disse Cullinan, o secretário do sindicato, acrescentando que “influenciou, encorajou e empolgou” os trabalhadores australianos.
A ação terá ressonância simbólica, acrescentou, porque é “a maior do gênero na história da Apple na Austrália”.
Os membros do sindicato também votaram a favor de uma greve por 24 horas se a Apple tentar levar o acordo à votação sem a aprovação do sindicato.