Haddad anuncia pacote de R$ 243 bi, com Refis tributário e reoneração de impostos
Ministro da Fazenda afirma, porém, que impacto pode ser menor. Medidas incluem volta de voto de desempate pró-Fisco no Carf
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lançou nesta quinta-feira (12) uma série de medidas econômica para melhorar as contas públicas. As ações preveem aumentar a arrecadação do governo federal em R$ 192,7 bilhões, além de um corte de gastos de R$ 50 bilhões.
São medidas que incluem reoneração de impostos e uma espécie de Refis de dívidas tributárias. No total, as medidas somam R$ 242,7 bilhões, entre receitas e cortes de gastos.
As iniciativas seriam suficientes para reverter o déficit e recolocar o país no azul em 2023. Mas o próprio ministro admitiu que o efeito pode ficar abaixo do esperado. Além disso, o governo não apresentou nenhuma ação efetiva de corte de gastos, apenas disse que irá reduzir as despesas.
Haddad tem como um dos principais objetivos no curto prazo reduzir a projeção de déficit nas contas públicas previsto para este ano. Foi fixado no Orçamento de 2023 um rombo de R$ 231 bilhões (equivalente a 2,1% do PIB), considerado exagerado pelo ministro. Com as medidas anunciadas nesta quinta, o déficit se transforma em um superávit de R$ 11 bilhões (0,1% do PIB).
— A meta de cada ação zera o déficit, mas nós sabemos que isso não vai ser atingido. Mesmo que a gente tome medidas para repor a frustração, tem um atraso que vai acontecer. E há despesas que podem surgir, porque a gente não recebeu o governo com transparência. Mas nós entendemos que essas medidas, aprovadas pelo Congresso, se tiver uma resposta da autoridade monetária, nós podemos pensar 2023 com déficit inferior a 1% do PIB. Vamos perseguir essa meta — disse Haddad, embora a apresentação do ministério fale em superávit.
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Para Haddad, o déficit primário deste ano deverá ser entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões, considerando essa estimativa de ser próximo a 1% do PIB. Em 2022, os números ainda não foram fechados, mas deve haver um superávit de mais de R$ 30 bilhões.
Além de Haddad, as ministras Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão e da Inovação) participaram do anúncio. Os secretários da Receita, Robinson Barreirinhas, e do Tesouro, Rogério Ceron, também participaram da entrevista à imprensa.
— Nós estamos atuando no campo da receita e da despesas para tentar reproduzir o cenário de 2022. Não se trata de aumentar o diminuir, se trata de repor — disse Haddad, citando também a "PEC da Transição", que ampliou os gastos em R$ 169 bilhões neste ano.
No total, são as medidas são:
R$ 36,4 bilhões de reestimativa de receita
R$ 83,2 bilhões de receitas permanentes
R$ 73 bilhões de receitas extraordinárias (apenas em 2023)
R$ 50 bilhões de redução de despesas
Refis
Uma das medidas anunciadas pelo ministro é o programa chamado de "Litígio Zero", uma espécie de Refis de dívidas tributárias.
Para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, o programa prevê 40% a 50% de desconto sobre o valor total do débito (tributo, juros e multa). As dívidas tributárias poderão ser parceladas em até 12 vezes. Essas regras valerão para quem recebe até 60 salários mínimos.
Para empresas e valores acima de 60 salários mínimos, o desconto de até 100% sobre o valor de juros e multas (créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação). Haverá a possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa para quitar entre 52% a 70% do débito. Também serão 12 meses para pagar.
O programa ainda prevê desconto de 100% das multas (ofício e moratória) em caso de regularização e apresentação de valores à tributação.
— Isso não é um Refis — negou Haddad, salientando que há um contexto de pós-pandemia e de queda na atividade. — Nós estamos com estoque de meio PIB para administrar. O Litígio Zero é ousado e ajudará situação fiscal de empresas e famílias.
A adesão ao programacomeça em 1º de fevereiro e se encerra em 31 de março, sendo "improrrogável", informou o subsecretário de Arrecadação, Cadastros e Atendimento, Márcio Gonçalves. Toda operacionalização será feita de forma eletrônica, explicou.
Voto de qualidade do Carf
Outra medida anunciada por Haddad é o fim do desempate a favor dos contribuintes nos julgamentos administrativos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Esse modelo substituiu, em 2020, o voto de qualidade — que é o desempate pelo voto duplo de um representante da Receita Federal. O Carf é o tribunal administrativo do Fisco.
Os empates nos julgamentos do Carf costumam ocorrer nos assuntos mais disputados tanto pelas teses jurídicas quanto pelos valores envolvidos. Há hoje cerca de R$ 1 trilhão em discussão no Carf. São processos que contestam a incidência de tributos e multas aplicadas pelos auditores fiscais. Para a equipe de Haddad, a volta do voto de qualidade pode aumentar a arrecadação.
Haddad afirma que há uma perda R$ 60 bilhões por ano por conta do fim do voto de qualidade do Carf. Para técnicos do Ministério da Fazenda, parte dos recursos em discussão no Carf poderiam ser mais rapidamente recolhido aos cofres públicos com a volta do voto de qualidade.
— Isso não é um Refis — negou Haddad, salientando que há um contexto de pós-pandemia e de queda na atividade. — Nós estamos com estoque de meio PIB para administrar.
A Fazenda estima que irá arrecadar neste ano R$ 50 bilhões com "redução de litigiosidade do Carf" por conta das mudanças que estão sendo propostas. Também há a previsão de uma arrecadação de R$ 20 bilhões com denúncia espontânea, que é como foi classificado o Refis.
Revisão de estimativas
Haddad anunciou também que o governo irá subir em R$ 36,4 bilhões a previsão das receitas federais neste ano, que estão consideradas subestimadas. Isso se refere a uma previsão mais otimista da arrecadação federal na comparação ao projeto orçamentário aprovado pelo Congresso.
Na revisão das receitas também está uma novidade: a restrição do aproveitamento do ICMS nos créditos de impostos federais, com potencial de elevar as receitas em R$ 30 bilhões. Na prática, fica excluído o ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins. Isso é decorrente da decisão do STF que tirou o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins cobrado.
Na lista de ações também está a sua previsão a volta da cobrança dos impostos federais (PIS/Cofins) sobre combustíveis, com impacto de R$ 28 bilhões. O próprio ministro, porém, afirmou que o governo federal ainda não tomou uma decisão sobre o assunto e que isso só será feito após o senador Jean Paul Prates (PT-RN) assumir o comando da Petrobras.
— Essa decisão só será tomada quando nós tivermos à frente da Petrobras e no momento adequado. Ela está na planilha porque é o que a lei hoje está prevendo. Isso não impede o presidente de reavaliar esses prazos, a depender da avaliação política que ele fizer, o que impõe continuar num rumo de pacificar esse país — disse.
Entre as medidas apresentadas também está a reoneração de impostos que foram reduzidos no ano passado, como o PIS/Cofins sobre receita financeira de grandes empresas. Esse tributo foi reduzido no fim do ano passado como um dos últimos atos da gestão Jair Bolsonaro terá um impacto de R$ 4,4 bilhões.
O Ministério da Fazenda prevê ainda injetar R$ 23 bilhões de receitas do PIS/Pasep que estão paradas em contas há décadas. Isso já foi autorizado pela "PEC da Transição", que permitiu transformar em receita do governo recursos do PIS/Pasep que não tenham sido sacados e estejam parados há mais de 20 anos.
Corte de despesas
Entre as medidas apresentadas, também estão ações do lado da despesa. O governo espera cortar R$ 25 bilhões com a revisão de contratos e programas.
O rombo previsto no orçamento para este ano incorporou os efeitos da "PEC da Transição", que abriu espaço de R$ 169 bilhões no orçamento para essas despesas por meio da alteração da regra do teto de gastos (que limita a maior parte dos gastos à inflação do ano anterior).
A ministra Simone Tebet disse que assinou com Haddad e com a ministra da Gestão três decretos e uma portaria ministerial relacionadas à gestão orçamentária. Um dos decretos, ela informou, será sobre a reavaliação de Restos a Pagar (RAPs), com exceção à área da saúde, bem como uma reavaliação permanente de programas de governo. O RAP é uma despesa que fica de um ano para o outro.
— Decreto diz que ministérios terão que avaliar restos a pagar não processados; há R$ 100 bilhões de restos a pagar não processados, mas não estou dizendo que vamos cortar R$ 90 bilhões, R$ 80 bilhões, R$ 70 bilhões — ponderou a ministra, ao explicar a medida.
Outro decreto, segundo informou Tebet em sua fala, estabelece que ministros da área econômica e Casa Civil vão participar da programação financeira orçamentária, por meio da Junta de Execução Orçamentária. A portaria, disse a ministra, diz que todos os ministérios poderão analisar contratos assinados na gestão passada.
— Não significa que vão anular e cancelar, vão analisar caso a caso — explicou. — Todos os ministérios deverão avaliar a necessidade de manutenção dos contratos realizados na gestão passada.
A tarefa, porém, caberá a cada uma das pastas, sob acompanhamento da equipe econômica.
Também está na lista uma autorização para execução inferior em R$ 25 bilhões ao autorizado no Orçamento deste ano. Entre os técnicos, há uma percepção recorrente de que o Orçamento não é executado como o previsto — mas esse tipo de percepção não costuma ser qualificada como medida fiscal, como faz Haddad agora.
Mais medidas do Carf
Com relação ao Carf, outra medida é a extinção dos recursos de ofício para dívidas abaixo de R$ 15 milhões, encerrando o litígio. Hoje a Fazenda recorre automaticamente de uma derrota sofrida na disputa por uma cobrança desse valor. Com as novas medidas, se o contribuinte vencer na primeira instância, o litígio acaba definitivamente. Isso levaria à extinção de cerca de R$ 6 bilhões em cobranças, discutidas em quase mil processos hoje no Carf.
O governo também vai dar mais poder às delegacias regionais para julgar conflitos de maior valor, hoje acumulados no tribunal e que se arrastam durante anos.
Haddad também aproveitou a entrevista para criticar mais uma vez o governo Bolsonaro. Ele disse que medidas de desoneração fiscal tomadas na gestão anterior foram corroendo a base do Orçamento de 2023 e, portanto, é necessário fazer um ajuste do lado das receitas já no início deste ano.
—Ano passado foi complicado do ponto de vista da gestão fiscal do país — iniciou dizendo o ministro em seu discurso. — Houve uma série de desonerações, com uma série de medidas, inclusive no dia 30 de dezembro, sem nenhum compromisso com o governo eleito", criticou o ministro em entrevista coletiva.
O ministro ressaltou que, na peça orçamentária deste ano, há 1,5% do PIB a menos de receita em relação a 2022, caindo de 18,7% do PIB para 17,2% do PIB.