Imposto sobre exportações de petróleo tira competitividade e pode virar tributo permanente
Avaliação foi feita por entidades e analistas do setor; alíquota será de 9,2% e Congresso precisa aprovar
A criação de um imposto temporário sobre exportações de petróleo bruto, para ajudar a recompor o caixa do governo Lula, pode reduzir a competitividade da cadeia produtiva de óleo e gás do Brasil, afetar a credibilidade do país em relação à estabilidade das regras nos negócios, além de provocar uma reação 'feroz' das empresas produtoras no Congresso para que o tributo não seja aprovado.
Essas são as principais conclusões de analistas, entidades do setor e empresas após o anúncio feito ontem pelos ministérios da Fazenda e das Minas e Energia. A expectativa do chefe da equipe econômica do governo petista, Fernando Haddad, é que o novo imposto — que será cobrado por quatro meses com uma alíquota inicial de 9,2% — possa arrecadar R$ 6,6 bilhões este ano, ajudando a compensar a reoneração parcial dos combustíveis com a volta do PIS/Cofins e Cide.
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Frederico Nobre, líder da área de análise de ações na Warren, diz que o novo imposto preocupa e aumenta a percepção de risco do setor porque 'não existe nada menos provisório do que aumento de imposto, especialmente no Brasil'.
Muito desse risco já foi precificado nas ações de empresas do setor ontem. Os papéis da PetroRio caíram mais de 9%, da 3R Petroleum recuaram quase 7% e os da PetroReconcavo perderam 6%.
Rodrigo Pizarro, CFO da 3R Petroleum, disse em evento do setor nesta manhã, que a proposta de imposto sobre exportação tem impacto generalizado sobre o setor, mas em ordem de grandeza diferente para cada empresa.
- Provisório ou duradouro, o imposto tem impacto na capacidade de investimento, reduz a atratividade do setor e gera insegurança jurídica - afirmou, lembrado que a exportação de petróleo não é a única fonte de receita da empresa.
Procuradas, as demais empresas não se manifestaram sobre o novo imposto.
Para Nobre, da Warren, como se se trata de um setor importante para a economia brasileira, essas empresas certamente vão tentar ser ativas no Congresso para tentar que o imposto seja provisório. No médio e longo prazo, todo mundo sai perdendo se o imposto se perpetuar.
— Esse é um setor muito importante para o Brasil e deve ser o argumento mais usado pelas empresas no Congresso — diz Nobre.
Segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), primeira entidade a se manifestar contra a medida, a cadeia de óleo e gás representa cerca de 15% do PIB industrial e tem uma estimativa de geração de mais de 445 mil postos de trabalho diretos ou indiretos ao ano na próxima década.
No mesmo período, estão estimados investimentos de cerca de US$ 180 bilhões. As exportações de petróleo são o terceiro item mais importante da balança comercial brasileira, sendo responsável por um superávit de US$ 65 bilhões nos últimos quatro anos.
Impacto sobre investimentos
Em comunicado, o IBP avaliou que, mesmo de forma temporária, o imposto poderá impactar a competitividade do país a médio e longo prazos, além de afetar a credibilidade nacional em relação à estabilidade das regras no ambiente de negócios.
"A criação desse novo imposto também afeta as perspectivas de aumento da produção de petróleo, uma vez que o produto será onerado e sofrerá uma maior concorrência de países que não tributam a commodity", escreveu o IBP no comunicado.
O instituto avalia que a novidade pode atrasar ou mesmo cancelar decisões de investimento em exploração e produção de petróleo, com efeito negativo na arrecadação de tributos federais e estaduais e na geração de empregos.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) afirmou que a taxação sobre a exportação de óleo cru "vai contra o nosso esforço de atrair investimentos e criar oportunidades de aproveitamento dos nossos ativos".
"Vemos com preocupação uma ação, ainda que temporária, com o objetivo de recuperação de receita. Além de estressar o mercado criando um ambiente de tensão e imprevisibilidade, impacta o planejamento da indústria no médio e no longo prazo. Uma alternativa de aumento de receita de forma estrutural, e que temos defendido, é a redução da reinjeção de gás natural", diz a entidade, em nota.
Para a Federação, enquanto se cria mais uma taxa, o Brasil continua "rejeitando riqueza ao escolher não desenvolver plenamente o mercado de gás no país".
‘Reação feroz’
Os analistas de óleo e gás da XP, André Vidal, Guilherme Nippes e Helena Kelm avaliam que as empresas do setor terão "uma reação feroz", nos próximos quatro meses, contra a proposta nos debates do Congresso, enquanto o governo vai trabalhar para mudar a política de paridade de preços internacional da Petrobras (PPI), uma tarefa nada fácil e nem rápida.
Os analistas da XP afirmam que pela reação do mercado ontem, pelo menos 40% dos investidores precificaram que o novo tributo pode se tornar permanente.
"A Petrobras não é uma grande exportadora de petróleo bruto porque a maior parte é consumida internamente em suas refinarias. Assim, outras empresas brasileiras e internacionais de óleo e gás pagarão, proporcionalmente, uma fatia maior dessa conta do que a Petrobras", escreveram os analistas da XP.
Os especialistas da XP avaliam que o imposto pode desencadear uma corrida por armazenagem, com as empresas tentando adiar ao máximo as exportações. Entre as companhias, os analistas da XP avaliam que as ações da PetroRio sofrerão mais, seguidas pelos papéis da Petrobras e com impactos moderados para 3R Petroleum e Petroreconcavo.
Os analistas do banco Goldman Sachs estimam que apenas a PetroRio tem uma exposição significativa à exportação de petróleo bruto em sua produção. No caso da empresa, se o imposto for aprovado, o Goldman Sachs estima uma queda de 9% na receita e uma redução de 3% a 4% no lucro líquido. Para a Petrobras, o imposto teria um impacto na receita de aproximadamente 1% do EBITDA (lucro antes de juros, impostos amortizações), cerca de R$ 3 bilhões.
Efeito de caixa duvidoso
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, diz que o imposto “alternativo” não deverá gerar o efeito de arrecadação pretendido, já que um tributo temporário "traz uma postergação de negócios, ainda mais em commodities globalizadas".
— Em outras palavras, o petróleo tem mais valor em estoque do que sendo exportado, tendo em vista a perspectiva de receita futura após a remoção do imposto em quatro meses — afirmou o economista.
Nesta quarta, em entrevista ao portal UOL, Haddad justificou a medida:
— (O Imposto de Exportação) É uma solução de transição. As empresas estão com lucros extraordinários por causa do aumento dos preços do petróleo. São lucros exorbitantes. E pagam poucos impostos, na minha opinião. Então é uma solução provisória para a gente “fasear” a reoneração e o Congresso é que vai dar a palavra final. Tudo dá ruído, mas acho que acomoda, a gente vai explicando e as coisas vão ficando mais transparentes — afirmou.
Países taxam petróleo quando precisam de mais recursos
Os motivos podem ser diferentes, mas taxar as exportações de petróleo não é uma novidade quando os governos de diferentes países buscam novas fontes de receita.
— Impostos extraordinários sobre lucros considerados muito elevados são verificados com frequência em diversas jurisdições e indústrias, notadamente na indústria do petróleo. No caso brasileiro, a crise fiscal é a única razão para a iniciativa do governo de federal de tributar as petroleiras - diz Leonardo Miranda, sócio na área de Petróleo e Gás no TozziniFreire Advogados.
A Argentina, por exemplo, em 2002, durante a presidência de Eduardo Alberto Duhalde, criou uma taxa de 20% sobre as exportações de petróleo do país para reforçar o orçamento do país.
O objetivo era atender parte das exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a implantação de um programa de recuperação econômica eficiente.
Nos Estados Unidos, sobre cada barril de óleo cru exportado, incide uma taxa de US$ 0,09 centavos de dólar que vão para um fundo que cobre custos em casos de desastres naturais com petróleo, além de pesquisas para reduzir a poluição provocada pelo óleo.
Os principais exportadores de petróleo, liderados pelo Equador, já propuseram à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a criação de um imposto de 3% a 5% cobrado sobre cada barril de petróleo exportado para os países ricos.
O objetivo seria a criação de um fundo para financiamento de nações em desenvolvimento para adaptação às mudanças climáticas. A estimativa de arrecadação anual seria de US$ 40 bilhões a US$ 60 bilhões por ano para esse fundo verde.