Líderes do governo discutem flexibilizar teto de gastos em 2021 em pacotaço de Guedes
A flexibilização está prevista no trecho que trata da extinção de fundos públicos
Lideranças do Congresso passaram a discutir uma versão da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial que retira um conjunto de despesas do cálculo do teto de gastos em 2021, no caso de elas serem pagas com recursos hoje destinados a fundos públicos que serão extintos.
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A proposta que circulou nesta segunda-feira (7) entre líderes do Senado é um substitutivo à PEC Emergencial enviada pelo governo e que prevê trechos relacionados às outras duas PECs do Plano Mais Brasil, elaborado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e que está há mais de um ano no Congresso. O que era um total de três textos com 59 páginas ao todo virou uma proposta de apenas oito páginas.
A proposta circulou entre líderes após meses de conversa entre a equipe econômica e relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC). O relatório deixou de fora a criação do Renda Cidadã ou outro programa social e inseriu a flexibilização no teto de gastos (norma constitucional que impede o crescimento das despesas acima da inflação).
A flexibilização está prevista no trecho que trata da extinção de fundos públicos. O texto original do governo, apresentado em novembro, sugeria a destinação do dinheiro parado neles para a administração da dívida pública. E as receitas direcionadas a eles poderiam ser, em parte, destinadas a programas contra a pobreza ou a obras de reconstrução nacional.
O texto apresentado vai um passo além e determina que as receitas destinadas a esses fundos passem a ir para um conjunto de ações que ficariam fora do teto.
Entre as ações que entrariam na flexibilização, de acordo com o texto, estão não somente projetos e programas para erradicação da pobreza como também programas de responsabilidade dos ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
Além de obras de infraestrutura para a reconstrução nacional, o texto cita projetos específicos (como rodovias, ferrovias e investimentos em gás natural), além da revitalização do Rio São Francisco e projetos de pesquisa e desenvolvimento científico.
"As despesas financiadas com as receitas públicas oriundas das desvinculações [dos fundos], em decorrência do disposto neste artigo, serão excepcionalizadas dos limites estabelecidos do art. 107 do Ato da Disposições Constitucionais Transitórias [norma do teto], por um exercício financeiro, após a promulgação desta Emenda Constitucional", afirma o texto.
Após o relatório começar a circular, a Bolsa inverteu sua trajetória de alta e passou a cair. Especialistas em contas públicas consideram que a proposta representa uma mudança no teto que serviria apenas para evitar, contabilmente, o descumprimento. Foi comentado ainda que a ideia lembra a contabilidade criativa adotada em governos anteriores.
Após as reações, governo e Bittar negaram a proposta no fim da tarde. O senador foi procurado para comentar, mas disse que seu relatório não traz a flexibilização. "Simplesmente não existe. É uma fofoca inventada não sei por quem. No relatório, a possibilidade de flexibilização do teto é inexistente", afirmou Bittar.
Aliados do parlamentar dizem que houve uma confusão entre os textos das PECs e que o texto que circulou não representa uma versão oficial. A equipe econômica afirma que não tinha conhecimento do texto de Bittar e que é contrária à flexibilização da norma que limita gastos. "O Ministério da Economia esclarece que é contra qualquer proposta que trate da flexibilização do teto de gastos, mesmo que temporária", afirmou a pasta, em nota.
Os trabalhos são relatados por Bittar após um esforço do governo para concentrar as PECs em suas mãos.
Inicialmente, o pacotaço de Guedes era distribuído em três: a Emergencial, que era relatada pelo senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR), a dos fundos, com o senador Otto Alencar (PSD-BA) e a do Pacto Federativo, que já estava nas mãos de Bittar.
No relatório que circulou no Congresso, há previsão de acionar os gatilhos hoje previstos na norma do teto de gastos (como impedimento de concursos públicos e reajustes a servidores, por exemplo). Eles podem ser usados quando a proporção da despesa obrigatória primária em relação à despesa primária total for superior a 95%.
O texto determina ainda que o governo encaminhará ao Congresso, em até 90 dias após a promulgação da PEC, um plano de redução de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, financeira e creditícia, acompanhado das correspondentes propostas e previsões de impacto.
Ficaram de fora mecanismos como a permissão para reduzir em 25% a jornada dos funcionários públicos com redução proporcional dos vencimentos. O texto que circulou também não incluiu trechos defendidos inicialmente por Bittar. Assim que recebeu o texto, em novembro do ano passado, o senador disse à Folha de S.Paulo que queria flexibilizar o piso de recursos existente hoje para saúde e educação.
Além disso, ele planejava autorizar que parte dos recursos para as duas áreas fosse redirecionado à segurança pública. Também ficou de fora a proposta de extinção de pequenos municípios. O texto distribuído nesta segunda aos líderes partidários também frustrou aqueles que esperavam a criação do Renda Cidadã, programa que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pretendia criar em substituição ao Bolsa Família, que tem as digitais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Inicialmente, o programa seria criado pelo Executivo, mas, sem encontrar uma fonte de recursos, Bolsonaro interditou o debate no governo e transferiu para o senador a função de criar o programa.
Em setembro, Bittar e o governo apresentaram a ideia de financiar o programa com limitação dos gastos de precatórios e recursos do Fundeb (fundo para educação básica).
Investidores, especialistas e integrantes do Legislativo e do TCU (Tribunal de Contas da União) criticaram a ideia alegando que o Executivo tentava driblar o teto de gastos por meio de uma "contabilidade criativa", mesma estratégia usada para melhorar o resultado fiscal do país no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que saiu após processo de impeachment.
Sem consenso, a apresentação de uma solução definitiva foi prometida para depois das eleições municipais, o que agora, mais uma vez, não aconteceu.