Luiza Trajano: "Quem manda no país é o Congresso. É preciso que tenha consciência"
Empresária diz que brasileiros estão cansados da dicotomia no país e defende 50% de mulheres no parlamento. Ela afirma que assédio só pode ser combatido com exemplo do líder
“O rito hoje foi tão lindo!”. É assim que Luiza Helena Trajano inicia entrevista por videoconferência. Ela se refere à reunião que faz todas as manhãs de segunda-feira com os funcionários. Na semana passada, o tema foi LGBTQI+. A empresária conta que uma faxineira do Magazine Luiza foi aplaudida de pé e recebeu flores de funcionários trans após contar como acolheu seu filho homossexual. “Eles ficam explicando, agora tenho que falar que sou cisgênero”.
Diversidade e respeito no ambiente de trabalho fazem parte dos “inegociáveis” do Magalu. Perguntada sobre o recente escândalo de assédio sexual, é taxativa: o exemplo precisa vir de cima. O papel do líder, resume, é “primeiro, não fazer. Segundo, não aceitar”.
A empresária evita criticar a PEC Eleitoral e afirma que cabe ao Congresso evitar a aprovação de medidas com viés eleitoreiro. Seu foco é ampliar a presença feminina no parlamento para 50%, pois sabe que lá são decididas as principais questões do país. Em setembro, vai lançar um movimento Unidos pelo Brasil: “Tem muita gente cansada dessa dicotomia”.
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A senhora mencionou que o rito hoje tratou da questão dos trans. A diversidade e o respeito entraram na pauta de várias empresas. Mas semana passada veio à tona os casos de assédio sexual e moral na Caixa. Falta levar a sério também o assédio?
Temos cinco inegociáveis há muitos anos. Não temos código de conduta. Temos inegociáveis. Se você fizer isso, vai ser mandado embora por justa causa. Esses dias mandamos um gerente de 19 anos embora por justa causa (por assédio). O que estamos fazendo agora, e já faz uns dois, três anos é tentar mudar a cabeça dos homens. Agora, não é questão de a empresa querer ou não. Ou ela faz, ou ela vai... vai ter desfile aqui na frente.
Tenho a maior pesquisa sobre assédio sexual em companhias no mundo. Os gerentes eram obrigados a sentar com sua equipe e responder três perguntas: O que é assédio sexual para você? O que é assédio moral? E o que você não gosta que façam aqui dentro? Mais de 16 mil participaram. O que as pessoas menos gostavam era de brincadeira: passa a mão, faz qualquer coisa e fala ‘tô brincando’. É resposta desde os próprios CDs (centros de distribuição) até os diretores. Porque, para nós, é inegociável. Fez assédio, vai embora. E a gente já mandou (embora), inclusive, por violência também.
O que aconteceu?
Um gerente nosso, que dava resultado, bateu na mulher, e a vizinha ficou sabendo. Ele entrou de férias, ela (a mulher) foi para praia com ele, ficou tirando foto, só que eu recebi denúncia. ‘Dona Luiza, a senhora não sabe, mas seu gerente ficou sete dias preso e depois foi com ela e a sogra para as férias’.
Mesmo que ela (a funcionária) tenha perdoado, não podia abrir mão. Para mostrar que realmente é muito grave, o assédio sexual e moral inclusive. É até perigoso eles fazerem com clientes. Porque para o homem isso era normal, não o que o homem fez lá (o ex-presidente da Caixa), mas estou falando assim, de fazer cantada. Eles ficavam num parque botando o papo à noite ‘peguei essa’, ‘fiz essa’. Isso era masculinidade.
O que temos que fazer eles entenderem, depois das redes sociais e da evolução, hoje é uma porta fechada. E aí o presidente (da Caixa) foi mandado embora. E foi uma vitória, né? Os outros falam assim: ‘Nossa, mas ainda acontece até hoje?’ Eu falo: ‘Gente, vamos ver o copo cheio’. Que bom que em 24 horas ele saiu. Eu não esperava. Que, cá para nós, vivia parzinho do presidente, em lives e tal, Caixa Econômica, Caixa Econômica (Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa, é próximo do presidente Jair Bolsonaro e participava com frequência de suas lives). Então, eu falava: ‘Isso vai ganhar tempo, ele vai falar que vai provar, que não é verdade e vai passar’. E o que que ajudou? O povo em frente lá, né? As funcionárias em frente.
Mas qual é o papel do líder em uma situação como essa? O presidente Bolsonaro não chegou a condenar publicamente o assédio. No caso de uma empresa, qual é o papel do líder?
É não aceitar isso. Primeiro é não fazer. Segundo, não aceitar. Vamos falar um pouco de empresa privada, tá? Porque ele está lá de passagem, se Deus quiser, né? Vamos falar de empresa privada, cá para nós. Se o presidente não assumir (o combate ao assédio), não vai, gente.
O Mulheres do Brasil tem algum projeto nesse sentido?
Temos muitas coisas, de todas as áreas. O que a gente tem que lutar é por políticas públicas, gente. Nossa luta é o Pula para 50. É botar 50% de mulheres (em cargos eleitos). Não é de hoje que estamos trabalhando mulheres na política. Não fico buscando causa toda hora, porque não quero me desgastar.
Quando a gente entra, eles têm respeito. Não entro com manifesto. Eu detesto manifesto, nunca vi dar certo. Se você me mostrar algum, vou seguir. Igual homem: adora um manifesto. Eu falo “está bom”. Quais que vocês já conseguiram? Tem que trabalhar os bastidores, ir lá e montar política pública.
A senhora já afirmou que o Mulheres do Brasil vai atuar também em relação à desinformação nas eleições? Como será isso?
O que vamos agora tentar fazer é esclarecer o processo eleitoral do Brasil. Vamos mostrar o que é a urna, não é ligada à internet, se você põe uma ferramenta na urna, ela para. O sistema é tão bonito, gente, eu conheci lá em Brasília agora como um todo, a tecnologia e tudo. É tão bonito e tão seguro que agora que eles resolveram, você ver que agora estão na TV (a campanha do Tribunal Superior Eleitoral sobre segurança nas urnas).
Ainda acho que não falam a língua do povo, porque tem que ser mais direta, né? A urna não vai dar problema. Porque nós temos uma campanha contra a urna eletrônica, tá certo? Se tiver segundo turno, você se prepara que vai ser pior. Vai ser uma campanha muito pesada.
Falta engajamento do empresariado nas grandes questões nacionais?
De uns dois anos para cá, e a pandemia acelerou isso, os empresários, as famílias se envolveram tanto com a fome, e não só com a fome, foram mais de R$ 7 bilhões dados de ajuda. A pandemia acelerou o processo de maior participação. O que está acontecendo é que cada vez mais tem que se pensar no Brasil, e não só no seu segmento. Acho que está tendo agora a grande transformação do empresário.
Tem várias correntes participando da vida política, buscando uma terceira via. Sinto que a pandemia trouxe um maior protagonismo do brasileiro de modo geral. De repente, a pandemia trouxe à tona a desigualdade, a responsabilidade. E o ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança).
Em 2011, quando a gente entrou na Bolsa, eu ia fazer roadshow. Falava de melhores empresas, de propósito, de diversidade. Falava para o nosso CFO (diretor financeiro) e ele falou: “Não vai dar um dólar, um real a mais”. “Pode não dar, mas vou continuar falando”. Agora, é a Bolsa que nos exige isso. A mudança é muito grande. Essa consciência é que vocês têm que ter, sabe? A força de um mercado financeiro.
A aprovação da PEC Eleitoral, que aumenta o auxílio para R$ 600, vai ajudar nas vendas do varejo? E como a senhora avalia a maneira como a PEC foi aprovada, a toque de caixa, em ano eleitoral?
Eu acho que alguma ia ser feita, né. A gente está num ano eleitoral. Eu ainda não sei quantas pessoas vai atingir, tá certo? O que posso te garantir é que as primeiras medidas que o governo, a área de economia, tomou logo que veio a pandemia foram muito corretas e rápidas. Agora, eu acho que teve um buraco entre tirar e colocar. Não poderia ter tirado os R$ 600 naquela época.
Não que eu estou dizendo que o governo seja paternalista, é pelo momento de pandemia. Então, eu quero deixar bem claro que as primeiras medidas foram muito rápidas, muito boas. Você vê que a gente passou melhor a crise. E agora estão tentando retomar e o Brasil está com problema de caixa, então não sei como que vão lidar com isso.
A senhora não teme que crie um precedente? Depois qualquer governante, em último ano disputando a reeleição, vai poder distribuir recursos...
Aí depende muito do Congresso. Por isso, a gente está querendo pular para 50 (a participação das mulheres na política) e também ajudar a ter um Congresso mais consciente de longo prazo. É isso que estamos lutando porque quem manda realmente é o Congresso.
Você tem que ter um Congresso que tenha consciência que o Brasil não pode ser vai e volta, vai e volta. Você precisa de ver o tanto que os homens são receptivos com o Pula pra 50 (projeto do Mulheres do Brasil para aumentar a participação feminina na política), porque como eles querem mudar, uma forma é colocar mais mulheres lá. Nós temos 12% de mulheres. Pode até não dar certo, mas é uma mudança, concorda?
A despeito de posições políticas, mas sob o viés econômico, qual a sua visão para o varejo se Lula ou Bolsonaro ganharem neste ano?
Qualquer um que ganhar e tiver bastante juízo tem que valorizar o varejo porque o varejo é o emprego de muita gente. É o que mais gera emprego. E tem que valorizar uma área também que sou apaixonada que é o turismo. Eu trabalhei muita na pandemia com o pessoal de turismo. Infraestrutura, varejo e turismo geram emprego para quem não teve oportunidade de estudar como até para o PhD dele. Desde o que entra de entregador ou no hotel servindo as pessoas, arrumando, o garçom como entra o dono do avião.
Eu acho que a grande libertação do país é a geração de emprego. Qualquer um que entrar tem que olhar o varejo, o micro, pequeno e o grande como o segundo maior empregador desse país. Tem que olhar os que geram emprego imediato, não estou falando só do varejo, estou falando do turismo, da construção civil. Não tem como não fazer isso.
A senhora já tem candidato escolhido?
Não vou te falar isso. Eu sou de um grupo que não posso me expor nisso, sabe? Eu sou muito de me expor, mas eu não posso. Eu já não saí candidata por causa disso. Eu acredito na sociedade civil. Por exemplo, o 5G eu apoiei. Levei paulada, mas apoiei, como apoio o Bolsa Família, como sou totalmente contra qualquer tipo de fascismo, de discriminação.
Eu sou a favor da democracia, e aí cada hora eu sou uma coisa, né? A hora que eu apoio o Bolsa Família, apoio fome, eu sou esquerda. Quando eu apoio o 5G, que foi uma coisa boa para o Brasil, eu sou com Bolsonaro e sou de direita porque eu quero subir minhas ações. Então, assim, eu apanho dos dois lados.
Então nesse momento como eu quero fazer um grande movimento em setembro para unir o Brasil inteiro. A gente tem que resgatar o que esse país tem de bom. Chega. Eu estou fazendo campanha até fora do Brasil pra isso.
Se esse Brasil gerasse emprego ia ter pra gente de 50, 60. É uma potência maravilhosa. Quando eu começo a falar, o povo não dá muito valor. Não é que não dá. Eu não sou muito de entender. Igual eu fiz com a vacina. Você vai ver. Em setembro eu quero parar o Brasil junto com todo mundo para a gente fazer um grande Unidos pelo Brasil. Sair dessa dicotomia. Tem muita gente cansada dessa dicotomia.