Lula x BC: veja por que previsões do mercado financeiro empurram queda dos juros para o fim do ano
Com o quadro pós-Copom, a expectativa de um corte na Selic ainda no primeiro semestre perdeu força
Um dia depois de o Banco Central (BC) manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano e adotar um tom mais duro do que o esperado em seu comunicado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu e escalou o tom de críticas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. O ruído político e o cenário traçado pelo BC tiveram impacto no mercado.
A Bolsa encerrou o pregão em baixa de 2,29%, aos 97.926 pontos. É o menor patamar de fechamento em oito meses, desde 18 de julho. O dólar subiu 1%, a R$ 5,28. Com o quadro pós-Copom, a expectativa de um corte na Selic ainda no primeiro semestre perdeu força, e boa parte do mercado prevê redução apenas mais perto do fim do ano.
Em visita ao Complexo Naval de Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio, Lula afirmou que “nenhum ser humano da Terra” consegue explicar a taxa de 13,75% ao ano.
— Quem tem que cuidar do Campos Neto é o Senado que o indicou. Ele não foi eleito pelo povo, não foi indicado pelo presidente da República. Eles paguem o preço pelo que estão fazendo. A História julgará cada um de nós — afirmou Lula.
O presidente já vinha fazendo críticas à atuação do BC e nessa quinta-feira (23) afirmou que Campos Neto não cumpre a lei de autonomia do BC. Nos últimos dias, integrantes do governo fizeram uma verdadeira ofensiva em defesa da queda dos juros.
Embora houvesse consenso em torno da manutenção da taxa na reunião de quarta-feira, havia a expectativa no governo e em parte do mercado de que o Comitê de Política Monetária (Copom) deixaria a porta aberta para reduções na taxa adiante. Isso não ocorreu.
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Ruído político atrapalha
Na avaliação de analistas, as declarações de Lula e de outros integrantes do governo aumentam o ruído e afastam a possibilidade de corte de juros.
— Deixam o cenário mais difícil. Parece que o governo quer deixar ancorado ao Banco Central o desempenho ruim da atividade econômica ao longo do ano — afirmou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
O comunicado, porém, destacou a importância de voltar a ter controle sobre as expectativas de inflação. Para este ano, elas estão em 5,95%, acima do teto da meta. Para 2024, estão em 4,11%, ainda dentro da margem de tolerância, mas acima do centro da meta. O comunicado deixa claro que se o BC julgar necessário, não hesitará em elevar os juros para conter a inflação.
O quadro traçado levou o mercado a um correção de rota. Antes da reunião, os juros futuros vinham sendo revistos para baixo com a perspectiva de um corte na Selic em meados do ano. Ontem, as taxas foram ajustadas. O contrato do Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2024 subiu de 13,02% para 13,17%. O contrato para janeiro de 2025 passou de 12,05% para 12,11%.
— O mercado de DI futuro reagiu ao comunicado do Copom, visto como mais hawkish (abordagem mais agressiva, que indica postura de combate à inflação pelo aumento de juros) pela ampla maioria dos analistas, esfriando as apostas de um corte da Selic no curto prazo. Além disso, as diversas críticas de membros do governo ao BC geram um mal-estar — ressaltou o estrategista-chefe da Warren Rena e ex-diretor do departamento de Mercado Aberto do Banco Central (BC), Sérgio Goldenstein.
Na avaliação dos analistas, a piora nas projeções de inflação e as incertezas em relação ao cenário fiscal devem se sobrepor aos riscos de desaceleração da atividade, com um mercado de crédito mais restrito e aperto das condições financeiras. Soma-se a estes fatores também a preocupação com a situação bancária no exterior.
A Warren manteve sua projeção em 11% para os juros no fim do ano, mas Goldstein afirma que aumentou a probabilidade de que a Taxa Selic fique estável ao longo do ano ou só comece a cair nas últimas reuniões.
Antes da reunião, o governo esperava queda dos juros em maio, quando já deve ter sido apresentada a proposta do novo arcabouço fiscal, que vai substituir o teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior).
O projeto teve sua divulgação adiada para depois que Lula voltar da viagem à China. Ao comentar a reunião do Copom na noite de quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou o teor como “muito preocupante” e disse que, a depender das decisões futuras do BC, existe risco de comprometer o ajuste fiscal, citando preocupações com as vendas de empresas e o recolhimento de impostos.
A sócia e economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, diz que o comunicado deu ênfase aos riscos e foi contido ao fazer os reconhecimentos em relação à atuação do governo, como no caso da reoneração dos combustíveis. Para ela, a manutenção do trecho que destaca a possibilidade de nova alta dos juros caso seja necessário foi uma surpresa:
— O comunicado dá ênfase às expectativas. E elas andaram bastante nas últimas semanas, divergindo do centro da meta, que é de 3% em 2024 — disse. — No momento em que tiver o arcabouço que gere confiança no fiscal de médio prazo, e que a meta seja estabelecida e o governo diga que vai cumprir, podemos ter alguma estabilização das expectativas.
Efeito na economia
O Santander projeta cortes graduais de juros só a partir de novembro, com a Selic indo para 13% ao fim de 2023 e 11% ao término de 2024.
“A ata do Copom pode trazer mais luz sobre a análise de cenário, riscos e estratégia do BC. A julgar pelo comunicado, o Copom parece manter o plano de voo de juros estáveis por um período prolongado, como uma resposta às incertezas fiscais e a desancoragem das expectativas de inflação, que segue como grande preocupação do Comitê”, destaca em relatório, o superintendente de Pesquisa Macroeconômica do Santander, Maurício Oreng.
O Itaú estima Selic a 12,50% no fim de 2023. O UBS BB tem como estimativa um primeiro corte de 0,50 ponto percentual apenas em setembro.
Especialistas avaliam que a estabilidade prolongada da taxa em um patamar alto resultará em um cenário de atividade econômica mais fraca, com desaceleração do mercado de trabalho e de crédito, ainda afetado pela crise da Americanas, e com turbulência no setor bancário no exterior.
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Cruz, da RB, afirma que o Brasil está à frente no processo aperto monetário na comparação com outros países, o que abriria portas para um corte de juros por aqui. Mas a persistência da inflação de serviços segue como obstáculo:
— Os demais bancos centrais estão atrasados, mas já ressaltam que a questão bancária ajuda a esfriar a economia, funcionado como uma alta de juros adicional. O nosso BC está vendo isso localmente. A inflação recuou, com a pressão de alimentos e oferta diminuindo. Mas tivemos forte crescimento em 2022 por meio de serviços, o que pressionou a inflação desse setor.