Maior siderúrgica do Chile sucumbe ao aço chinês barato
Cidade 500 km ao sul de Santiago, onde está o coração da empresa, sofrerá com o fechamento de um de seus principais empregadores
Esmagada pela concorrência chinesa, a Huachipato, maior siderúrgica do Chile, desligará seu forno na segunda-feira (16) após 74 anos, e uma cidade inteira perderá seu motor econômico, um golpe "terrível" para milhares de trabalhadores que ficarão sem emprego.
Ao mesmo tempo, o país deixará de produzir aço não reciclado. A medida atinge 2,7 mil trabalhadores diretos e terceirizados vinculados à siderúrgica.
"Trabalhei em Huachipato; meu pai trabalhava em Huachipato, minha esposa também era operária de Huachipato e tínhamos um bom padrão de vida", diz Fernando Orellana, de 62 anos, que começou a trabalhar na limpeza da empresa aos 25 e foi promovido a chefe do setor.
Leia também
• Alemanha insiste que não entregará armas de longo alcance à Ucrânia
• Presidente de Comores levemente ferido em ataque com arma branca
• EUA impõe tarifas de 100% aos carros elétricos chineses
Para Orellana, que dirige o Sindicato 2 da siderúrgica, Huachipato era uma garantia de aposentadoria. "Era uma empresa que dava segurança para o futuro", lamenta.
Com cerca de 160 mil habitantes, Talcahuano, cidade 500 km ao sul de Santiago onde está o coração da empresa, também sofrerá com o fechamento de um de seus principais empregadores.
São cerca de 20 mil pessoas ligadas de alguma forma a Huachipato que também serão afetadas pelo fechamento de uma empresa que deu origem ao clube de futebol "Huachipato" - atual campeão do torneio chileno -, além de diversas associações sociais e culturais, e que construiu milhares de casas para trabalhadores.
"Fizemos tudo"
Huachipato produzia 800 mil toneladas de aço por ano e abastecia principalmente a mineração, motor da economia chilena.
Criada em 1950, a empresa decidiu fechar, esmagada pela concorrência do aço chinês que inunda os mercados globais e que chega ao Chile 40% mais barato.
Tentou sobreviver, exigindo sobretaxas às importações chinesas, que foram aprovadas em abril por uma Comissão Anti-Distorção que comprovou a "concorrência desleal" do gigante asiático.
Mas a medida não foi suficiente para enfrentar as perdas de 700 milhões de dólares (3,8 bilhões de reais na cotação atual) acumuladas desde 2019.
"Esta decisão nos magoa profundamente. Mas estamos convencidos de que fizemos tudo ao nosso alcance", disse o gerente de Huachipato, Julio Bertrand, em agosto, ao anunciar o fim das operações.
A China aumentou a sua participação no mercado siderúrgico mundial nas últimas duas décadas, de 15% para 54%, segundo a Associação Latino-Americana do Aço.
Na América Latina, as importações cresceram um recorde de 44% em 2023, ultrapassando 10 milhões de toneladas.
Difícil reinserção no mercado
À beira do fechamento, que começa na segunda-feira com a paralisação do Alto-Forno 2, os trabalhadores da fábrica selaram um plano de saída benéfico, que de qualquer forma não alivia o mal-estar.
"Estou na empresa há 47 anos e nunca me passou pela cabeça que seria um dos que ajudaria a fechá-la", diz Héctor Medina, presidente do Sindicato 1. "Tem sido uma fonte de trabalho tão regular, tão intensa e tão justa", acrescenta.
O acordo com os empregados inclui pagamento adicional de cerca de 30% sobre verbas rescisórias obrigatórias, além de outros benefícios. Mas não inclui os trabalhadores terceirizados, que ficarão desprotegidos.
"É terrível ficar sem trabalho da noite para o dia", lamenta Roberto Hernández, um trabalhador terceirizado. "Onde vou encontrar trabalho nesta idade?", pergunta este trabalhador de montagem, de 54 anos.
As estimativas dos sindicatos estimam que mais da metade dos trabalhadores demitidos têm mais de 50 anos.
Um estudo da Universidade Católica de Santísima Concepción estimou que o fechamento de Huachipato afetará 1.090 pequenas e médias empresas.
Outro estudo do Observatório do Trabalho Biobío projeta que o desemprego aumentará 2,5 pontos percentuais, chegando a 11% na região.
"São pessoas que passaram a vida inteira aqui, trabalhando. Não sabem fazer mais nada. E quando saírem para o mundo, para a realidade, não vão saber fazer mais nada", lamenta o mecânico Hugo Mendoza, de 58 anos.
Na segunda-feira, o governo anunciará um plano para fortalecer a indústria e aumentar o emprego na região.
A empresa, entretanto, afirmou que manterá operações "não siderúrgicas", como a extração e comercialização de calcário, um dos materiais com que é feito o aço, e que estuda desenvolver outras iniciativas de produção no futuro.