Mercado de influenciadores negros: luta por mais espaço e igualdade financeira
Os criadores de conteúdo negros ainda enfrentam barreiras e são menos monetizados que os brancos
O cabelo crespo e a moda para mulheres negras são as principais comunicações nas redes sociais da criadora de conteúdo Joicy Eleiny. Pernambucana nascida em Belo Jardim, no Agreste, Joicy começou seus conteúdos em um blog, em 2014, para compartilhar sua transição capilar. “Não surgiu como um job, mas apenas para contar e poder ser ajudada nos cuidados com meu cabelo crespo”. A creator (termo usado para criadores de conteúdo), hoje, acumula mais de 35 mil seguidores na sua conta do Instagram (@soutipo4). De forma autêntica, ela se comunica com mulheres pretas sobre estilo e cabelo crespo.
Joicy é uma das creators que fazem parte do universo das redes sociais. Relatório da Grand View Research apontou que o tamanho do mercado global de plataforma de marketing de influenciadores foi avaliado em US$ 10,39 bilhões em 2021. O mercado se desenvolve de forma acelerada e tem projeção de crescer, em média, 33% ao ano. Até 2030, a previsão de receita global para o mercado de creators é de US$ 143,10 bilhões.
Dona de uma presença marcante, tanto nas redes sociais (@luaxavier), como na apresentação do programa Saia Justa, no canal GNT, Luana Xavier é referência pela tradução que ela consegue fazer do seu conteúdo. “A gente precisa entender com quem a gente quer comunicar e sobre o que a gente quer comunicar, porque senão no final das contas ficam palavras vazias, palavras ao vento. A questão racial, falar sobre religiões de matriz africanas, falar sobre a questão do corpo, foram os caminhos que eu encontrei, sobre o que eu queria comunicar e sobre o que era importante para mim”, contou Luana.
Empresa que conecta criadores de conteúdo com marcas, a Creators.llc confirma o desenvolvimento do mercado. “Há uma migração da mídia tradicional para creators, que conseguem falar para um público definido e com recortes para consumidores mais específicos. É como diz o ditado ‘acertamos a flecha no alvo’”, analisou Nohoa Arcanjo, co-founder e chief growth officer da Creators.llc.
Ainda de acordo com o relatório da Grand View Research, o segmento de moda e estilo de vida representou uma participação de receita de mais de 29% em todo o mercado de plataformas de marketing de influenciadores em 2021. Isso pode ser atribuído à crescente adoção do marketing de influenciadores para atender à crescente necessidade de marcas de moda e estilo de vida sofisticados serem mais acessíveis às pessoas.
Leia também
• Anitta e Larissa Manoela no top 10 mundial de artistas que mais faturam com Instagram
• Instagram libera stories de 60 segundos sem cortes
“Blogueiro raiz”, como ele mesmo se chama, Fabiano Gomes, do Rio de Janeiro, é um dos influenciadores de moda. Em 2012, ele criou o blog ‘O Cara Fashion’ para falar sobre a moda como empoderamento através do seu estilo e do seu cabelo black. “Na época, eu só encontrava blogs de fofoca ou uma visão eurocêntrica da moda masculina. Eu raspava o cabelo porque não achava bonito. Depois quando vi meu cabelo crescer, eu me entendi como homem negro e comecei a trazer esse conteúdo”, descreveu Fabiano, que é bibliotecário e educador. Hoje, ‘O Cara Fashion' também tem sua página no Instagram (@ocarafashion).
Desnivelamento na receita
Apesar de constatado o crescimento do mercado de creators, a Creators.llc tem ciência de que há um desnivelamento econômico entre influenciadores, gerando menos ganhos para os negros nas redes sociais. Estudo da MSL US, em parceria com a The Influencer League, mostrou que os influenciadores negros ganham 35% menos em comparação com os criadores de conteúdo brancos.
Além disso, de acordo com o estudo, a diferença salarial racial entre os influenciadores do BIPOC (Negros, Indígenas e Pessoas de Cor) e seus colegas brancos é de 29%. “Posso dizer que o mercado de criadores de conteúdo começou a se tornar financeiramente importante, relevante para mim há uns dois anos. Na verdade, quando começou a pandemia. Mas eu tenho total noção de que se eu fosse uma mulher branca, com certeza os meus cachês ainda seriam maiores. Então a gente precisa lidar muito ainda com a questão racial dentro desse universo também”, compartilhou Luana Xavier.
“Há um desnível sobre a monetização entre creators negros e brancos, inclusive também no número de seguidores. Mas nós, negros, conseguimos engajar mais, falamos com nosso público um conteúdo que os interessa. E para mudar esse cenário é preciso movimentar a comunidade e os clientes a cobrarem ações afirmativas das empresas e das marcas, dizendo que não estão sendo representados”, analisou Nohoa.
Fabiano Gomes complementa na defesa de ações pelas próprias empresas. “Para driblar esse desnivelamento entre negros e brancos seria com ações afirmativas, vindas de forma genuína e verdadeira do topo da pirâmide das empresas. Os creators aprimoram o trabalho nas redes para mudar isso e é preciso as marcas buscarem essa representatividade”, defendeu o influenciador.
Um programa do Google, em parceria com a Creators.llc, foi lançado ineditamente no Brasil para capacitar criadores de conteúdos negros que estão em início de carreira. Chamado de Black Creator Program, a iniciativa é uma das ações afirmativas defendidas pelos influenciadores.
"Queremos incentivar a produção de conteúdo mais representativo e de qualidade em toda a web e, consequentemente, para a Busca. Garantir representatividade de vozes diversas, incluindo a da comunidade negra, é algo crucial para a internet”, declarou Alex Bunning, Gerente de Parcerias do Google. A primeira edição do programa está fechada, mas o Google vai analisar o impacto da iniciativa, antes de pensar em uma nova edição.
O conteúdo nas redes
Para fortalecer os conteúdos no ambiente virtual, Nohoa Arcanjo indica a escolha de um assunto estruturador. “O ideal é escolher bem uma vertical para o creator ser reconhecido por ela. Você vai ser referência no assunto. Mas não precisa ser o único assunto, pode relacionar outros conteúdos que geram engajamento”, indicou Nohoa.
Joicy, que hoje já possui uma estrutura de trabalho na área, com espaço próprio, equipe e câmera, acredita também na autenticidade do influenciador. “Não vejo uma concorrência entre os creators, mesmo que a vertical do conteúdo seja a mesma. Isso porque cada um tem seu recorte, suas vivências, seu jeito de falar particular”, registrou Joicy.
“Acredito que tudo precisa ser genuíno como segredo do engajamento. Se o creator quiser fazer posicionamentos sobre qualquer temática, é importante ele respeitar suas próprias vontades. Se ele quiser se posicionar, ele deve propagar sua mensagem. Isso é muito particular”, acrescentou Nohoa.