Logo Folha de Pernambuco

EUA

Meta eleva risco de radicalização nas redes e gera retrocesso, dizem especialistas

Para pesquisadores, anúncio de flexibilizar política de conteúdo é ponto de inflexão que jogará pressão ao Supremo e Congresso

O grupo Meta O grupo Meta  - Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

Ao afrouxar as regras de conteúdo de plataformas acessadas por mais de 3 bilhões de pessoas, a Meta promove um retrocesso em medidas de combate à desinformação. A avaliação de especialistas ouvidos pelo Globo é que as medidas devem elevar a disseminação de conteúdo falso e radicalizado.

Um dia depois de Trump ser diplomado para voltar à Casa Branca, Mark Zuckerberg citou a “priorização da liberdade de expressão” para anunciar que iria encerrar os programas de checagem independente de fatos (fact-checking) para confiar aos usuários a tarefa de identificar conteúdos enganosos.

O modelo é similar ao aplicado no X, de Elon Musk.

Dona do Instagram, Facebook, Threads e WhatsApp, a empresa vai começar a implementar as medidas primeiro nos Estados Unidos para então expandi-las para outros países. Não há uma data para que as alterações cheguem ao Brasil.

Em um vídeo de pouco mais de cinco minutos, o fundador e presidente-executivo da big tech afirma que a eleição do republicano nos EUA marcou um “ponto de inflexão cultural”. Ele diz ainda que a empresa cometeu erros que levaram à “censura” e que o momento atual será de “restaurar a livre expressão".

O professor da Universidade da Virgínia, David Nemer avalia que a decisão da Meta é “extremamente preocupante” e um “retrocesso” em relação a ações que a empresa vinha tomando contra disseminação de desinformação e discurso de ódio nas redes. Para ele, Mark Zuckerberg encontrou uma maneira de “se isentar de medidas e esforços que são caros e custosos":

— Essas plataformas não funcionam como um mercado livre de ideias onde a informação prevalece. Elas priorizam conteúdos que geram comoção negativa para engajar os usuários, o que poderá prevalecer agora — afirma o pesquisador. — Um perigo é que haja radicalização do usuário comum.

Letícia Capone, pesquisadora no grupo de análise em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio e diretora do Instituto Democracia em Xeque, entende que a substituição das parcerias com agências de checagem de fatos por notas elaboradas pelos próprios usuários torna o ambiente virtual menos seguro e mais sujeito a vieses.

— As notas da comunidade dependem do que o usuário vai categorizar como um tipo de conteúdo que tenha desinformação, que seja falso, danoso ou criminoso. Quando se tem um controle pela própria instituição e por esses parceiros, as agências de checagem, a segurança é muito maior — afirma a especialista.

De acordo com ela, existe uma "estrutura muito polarizada" no Brasil no que diz respeito à participação das pessoas nas redes sociais e isso "certamente impacta a forma como as pessoas vão avaliar determinados tipos de conteúdo".

As agências que trabalham em parceria com a Meta seguem uma cartinha estrita de procedimentos para tentar eliminar ao máximo o risco de viés nas checagens. No Brasil, os quatro veículos parceiros — Aos Fatos, Lupa, Estadão Verifica e AFP — aderem ao código de princípios da Rede Internacional de Fact-Checking (IFCN).

No caso das notas colaborativas, o critério adotado para algo aparecer ou não nas postagens do X depende de algoritmos próprios e da iniciativa dos "birdwatchers", como são chamados os perfis aprovados para analisarem os posts na plataforma. A atuação é inteiramente anônima.

O fim das parcerias também representa um problema financeiro para as agências, ainda que elas funcionem de maneira independente. Outro aspecto relevante envolve o alcance das checagens, que hoje permitem o disparo de notificações a todos que engajaram em publicações enganosas e rotulam esses mesmos conteúdos.

Retrocessos e alinhamento com Trump
Além de substituir os checadores pelo mecanismo de "Notas da Comunidade", a Meta também vai retirar as restrições para alcance de conteúdo político; vai flexibilizar as regras de violação em temas considerados sensíveis; e o uso mais restrito de filtros para remover postagem, que serão aplicados automaticamente apenas em violações graves.

O diretor executivo e co-fundador do InternetLab, Francisco Brito Cruz, ressalta que a Meta vinha em um processo, desde o escândalo do Cambridge Analytica e da primeira eleição de Trump, de sinalizar mais compromisso para atender cobranças públicas de combate à radicalização online e desinformação. O anúncio de hoje marca uma virada de chave dessas medidas:

— Faz oito anos que a Meta vinha nesse processo de responder à pressão intensa externa, mas Zuckerberg vinha dando sinais de uma certa fadiga — afirma o pesquisador, que lembra que o executivo, em setembro passado, chegou a dizer que estava “cansado” de ter de pedir desculpas.

Repercussão no Brasil
Para Brito Cruz, as decisões da companhia refletem também um movimento de alinhamento do Vale do Silício (sede das grandes empresas de tecnologia) com o governo republicano e sua pauta para desregulação das redes sociais, para além de Elon Musk. Trata-se de “colamento” que, para ele, é estratégico e ideológico.

Os pesquisadores avaliam que, em seu anúncio, Zuckerberg deixou claro que irá ir de encontro a países que têm avançado na regulação das redes sociais. O executivo afirmou que trabalhará com Trump para “enfrentar governos” que pressionam por “mais censura”, citando Europa, China e “tribunais secretos”na América Latina.

— A postura da Meta no Brasil não era a de desafiar o judiciário brasileiro como fez Elon Musk. Agora esse vídeo é um desafio claro à Justiça brasileira. Esse modelo “Musk” de agir pode ser uma escalada na tensão entre judiciário e redes sociais— diz Brito Cruz, do InterLab, que avalia que o anúncio deve influenciar os debates no Supremo Tribunal Federal sobre responsabilização das plataformas.

Letícia Capone entende que a falta de uma regulamentação das redes no Brasil torna o anúncio da Meta ainda mais crítico:

— Esse anúncio, em um momento em que a gente ainda não tem uma consolidação forte, uma regulamentação que seja capaz de combater os impactos negativos da circulação da desinformação, é um retrocesso e um risco enorme — avalia.

O retorno de Trump à Casa Branca, nesse sentido, veio acompanhado de teorias da conspiração e afirmações enganosas sobre vacinas e aquecimento global que acabam se reproduzindo no ambiente digital brasileiro.

— A gente volta a ter determinadas ameaças, e agora com um acompanhamento das plataformas de redes sociais cada vez menos robusto. Já não temos com o X, do Elon Musk, e agora na Meta. Não é somente um retrocesso, como um risco. Começamos 2025 um pouco alarmados — acrescenta.

Para David Nemer, as ações da Meta deveriam pressionar o Congresso para avançar no projeto de regulação das redes sociais, que ficou interditado no parlamento depois de anos de debates:

— A gente não poderia se dar por vencido. Deveria haver uma ação legislativa. Infelizmente, não vejo esse avanço acontecendo.

Veja o que irá mudar
Verificadores de fatos: os checadores independentes (fact-checkers) que trabalham para identificar desinformação serão eliminados. A empresa vai adotar o modelo de Notas da Comunidade, semelhante ao que é utilizado no X, em que usuários dizem se uma postagem é enganosa ou danosa.

Afrouxamento em regras de conteúdo: A empresa afirma que a política de conteúdo será flexibilizada. Sem dar detalhes, a companhia citou que irá reverter o entendimento de violações aplicadas em temas como “imigração” e “identidade de gênero”

Mudança nos filtros: Filtros para derrubar postagens que violam regras de conteúdo serão flexibilizados. O foco será em publicações ilegais e de alta gravidade. Para violações que considerar de baixa gravidade, a Meta irá agir apenas apenas após denúncias de usuários

Reintrodução de conteúdo político: Depois de anos em que vinha reduzindo o alcance de posts políticos, a Meta informou que eles voltarão ao Facebook, Instagram e Threads. Segundo a empresa, a mudança será “personalizada” para os usuários que querem receber esse tipo de postagem, que inclui temas sobre eleições

Transferência de equipes para o Texas: As equipes de confiança e segurança da Meta serão realocadas para o Texas e deixarão a Califórnia, que tem leis estaduais mais rígidas para redes sociais.

Postura fora dos EUA : Mark Zuckerberg disse que trabalhará com o governo de Donald Trump para “enfrentar governos” que pressionam por “mais censura”, citando Europa, China e “tribunais secretos” na América Latina.

Veja também

Vendas de motos no Brasil têm alta de 18,6% em 2024, mostra Fenabrave
automóveis

Vendas de motos no Brasil têm alta de 18,6% em 2024, mostra Fenabrave

Sergipe: Banese divulga edital de concurso com 855 vagas e salários de R$ 5,7 mil; confira detalhes
Concursos e Empregos

Sergipe: Banese divulga edital de concurso com 855 vagas e salários de R$ 5,7 mil; confira detalhes

Newsletter