ENTREVISTA

Ministro da Agricultura afirma que Petrobras retomará construção de três fábricas de fertilizantes

Carlos Fávaro afirmou que governo quer criar programa com financiamento subsidiado para converter pastos em lavoura: "Ampliar área plantada em 5% ao ano sem desmatar"

Carlos Henrique FávaroCarlos Henrique Fávaro - Foto: divulgação

Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, afirmou ao Globo que, ainda neste semestre, o governo vai lançar um programa para converter pastagens em lavouras. Ele defende juros subsidiados para isso e afirma que, assim, o país pode aumentar a área plantada em 5% ao ano “sem derrubar uma árvore sequer”.

Fávaro também disse que a Petrobras vai retomar a construção de três fábricas de nitrogenados, fertilizantes fundamentais para o agronegócio brasileiro. Ele disse ainda que Lula certou ao dizer que uma parte do setor agro financiou os atos golpistas de 8 de janeiro e assegurou que ele serão punidos.

Ele afirmou que quer entrar para a história como o ministro que ajudou na transição da agricultura brasileira para um setor sustentável.

— Quem insistir no modelo de passa boiada das facilidades e não ficar atento à lei, aí sofrerá os rigores da lei, para que outros possam prosperar dentro da lei — disse o ministro.

Abaixo, alguns trechos da entrevista:

O Brasil é um grande produtor mundial de alimentos e no entanto há milhões de pessoas que não têm o que comer. Como aumentar a produção e acabar com a fome?
O presidente Lula tem dois grandes objetivos. O principal deles é que ao fim do mandato dele todo cidadão brasileiro tenha três refeições por dia. Nós não deveríamos estar, em 2023, discutindo a fome. Passa a ser um contrasenso: de que serve termos essa fartura na produção de alimentos e ter gente passando fome? Alguma coisa está errada.
 

O Ministério da Agricultura tem que cumprir um papel com políticas de que essa oferta abundante de alimentos possa ser um veículo de outros ministérios, para que eles possam implementar políticas públicas no combate à fome, mas o melhor programa social que existe é o emprego.

E aí o agro, que já tem abundância de alimentos e isso pode ser revertido em políticas públicas, com estoques públicos para subsidiar as políticas de combate à fome, mas o mais importante daí é o crescimento sustentável.

Imagine só se nós pudéssemos, e vamos colocar em prática, um programa de crescimento da ordem de 5% de crescimento de área plantada, recuperando pastagens degradadas. Isso tem um efeito, primeiro, no meio ambiente, pois tira pressão sobre novos desmatamentos, o que é fundamental neste momento, e segundo, geração de emprego, renda e oportunidades.

Não só no campo, onde precisamos de pessoas qualificadas para produzir esse incremento de área, mas também na cidade, nas indústrias. Vão ser demandados mais tratores, mais sementes, mais fertilizantes, mais insumos, e tudo isso gera empregos e oportunidades.

Onde essas áreas degradas estão mais concentradas no país?
Isso é espalhado em todo o país, não só no Sul e Sudeste. Não há um estado do Centro-Oeste que não tenha pastagens de baixa produção. Meu estado, Mato Grosso, toda a região da Baixada Cuiabana, a região do médio norte, a região Sudoeste, na divisa com a Bolívia, tem áreas com pastagens de baixa produtividade, que estão lá há 30, 40, 50, talvez há 200 anos sendo exploradas com pecuária.

E ninguém faz nada, porque não tem uma linha de crédito específica para fomentar esse investimento e a recuperação dessas pastagens, que requer dez toneladas de calcário por hectare, no mínimo uma tonelada de superfostato simples por hectare, que requer no mínimo meia tonelada de cloreto de potássio, que requer gradagens, preparo de solo, fazer matéria orgânica, plantar leguminosas e gramíneas que possam trazer de volta a captura de carbono e fazer palhadas, como era no estado natural, quando era feito pelas árvores e as florestas.

Tem que fazer isso com tecnologia, para que possa haver camada de matéria orgânica e com isso recuperar a força desse território. Isso está esparramado pelos quatro cantos do Brasil.

Qual o total de pastagens degradadas no país?
O Brasil tem 150 milhões a 160 milhões de hectares de pastagens e desses, em torno de 40 milhões de hectares são propícios à agricultura. São terras vocacionadas, planas, em regiões com boa logística. Se fizermos um crescimento sustentável de 5% ao ano significa que em 20 anos vamos dobrar a área plantada brasileira sem derrubar uma árvore sequer.

Mas como incentivar o produtor a fazer tudo isso?
Isso não é feito, porque não há uma linha de crédito para o financiamento. São necessários dez mil reais por hectare e a gente incorporar 5% de 40 milhões são dois milhões de hectares. Dois milhões de hectares equivalem a R$ 20 bilhões de reais por ano. O governo não precisa captar esse dinheiro, pois não é agente financiador. Ele precisa equalizar os juros, para que haja uma taxa de juro atrativa para o setor, porque se for pagar Selic, não se viabiliza, é impagável.

A agricultura, precisamos lembrar, vive de commodities, vive de produtos de baixo valor agregado, soja milho, leite, não tem como pagar a Selic. Por isso, no mundo inteiro a agricultura tem equalizações de custos. Uma pequena equalização, talvez de 1,5 bilhão e 2 bilhões de por ano, do Tesouro, para equalizar as taxas de juros, fazer um programa junto ao BNDES, com os bancos privados, os bancos cooperativos, que financiem isso.

A ideia é estabelecer três anos de carência e 12 anos para amortizar, pagando suavemente, com juros compatíveis, aí tem viabilidade.

Por que três anos de carência?
Porque nos primeiros anos ainda não tem o efeito desejado. A terra precisa de um tempo para processar todos esses nutrientes e ficar disponível para novas plantas. Mas na sequência disso, dois ou três anos depois, estará entre as terras mais produtivas do Brasil. E aí vem um ciclo virtuoso de produzir bem e fica fácil para o produtor pagar esse financiamento.

Os juros têm de ser mais baixos do que os usados no financiamento da safra normal?
Essa questão vai depender dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, para que a gente possa equacionar quanto pode ser essa equalização de taxa de juro. Mas já existe uma linha de crédito no plano safra de 7,5% para regularização de áreas de preservação permanente e aquisição ou recomposição de reserva legal.

Defendo que a taxa de juro para a recuperação de pastagens seja a mesma. Tem um viés ambiental, uma pegada ambiental muito forte, porque você estará recuperando solos degradados e tirando pressão sobre novos desmatamentos.

Quando isso vai sair do papel e quem é o grande aliado do senhor nesse debate?
A ideia é que seja anunciado no Plano Safra 2023-2024, ainda no primeiro semestre de 2023. Nós precisamos desenhar o programa e validar. É algo muito caro para o nosso governo, porque o presidente Lula já vem dizendo isso desde a campanha eleitoral, está lá no programa de governo dele.

E, portanto, já foi validado pelo Mercadante (Aloizio Mercadante), que é o presidente do BNDES; validado por Haddad (Fernando Haddad, ministro da Fazenda), validado pelo Geraldo Alckmin (vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) e, principalmente, pelo presidente Lula. Temos agora que pôr no papel, estruturar esse projeto e apresentar, se Deus quiser, no Plano Safra em 2023.

Tem ideia do aumento de produção estimado?
O aumento de produção se dá por duas vertentes. Não dá para ser uma operação aritmética, aumenta 5% a área plantada, aumenta 5% a produção. Não. Porque nós estamos vendo por outro lado a vertente da ciência e tecnologia. Nós conseguimos, ainda na transição, trazer mais recursos para dar continuidade ao nosso programa de governo, dobrar o orçamento da Embrapa, para que a Embrapa possa voltar a cumprir a sua finalidade de ciência, tecnologia, pesquisa e inovação.

E, com isso, vamos ter um incremento de área –que aumenta a produção – e maior incremento de tecnologia – que aumenta a produção. Não é uma operação aritmética e sim uma operação de multiplicar, que é progressiva, porque multiplica.

O senhor fala que tem a missão de reconstruir pontes. O Brasil passa por um momento conturbado, principalmente depois dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Há um ruído forte de que parte do agronegócio ajudou a financiar esses ataques, Lula disse isso…
E é fato, as investigações mostram isso. Por exemplo, no pós-eleição, quando houve bloqueio de rodovias, foram pegas pessoas, infelizmente, de uma entidade que eu já presidi, da Aprosoja, incendiando veículos, caminhões, praças de pedágio. Membros efetivos da entidade! E as investigações já mostram claramente que houve parcialidade.

Mas são poucos, quero deixar muito claro isso. A imensa maioria dos homens e mulheres que produzem neste país são gente do bem, que cumprem a sua função. Mas esses poucos, que promoveram esses atos, são muito barulhentos e utilizam uma estrutura, uma máquina privada muito forte, com recursos, o que tem que ser combatido com austeridade. O presidente Lula está certo nesse sentido.

Como reconstruir pontes?
Internamente, vamos mostrar que quem quiser produzir com sustentabilidade, com crescimento ordenado, com respeito ao meio ambiente, com respeito às leis sociais de inclusão, terá todas as oportunidades. Com diálogo com a Frente Parlamentar de Agricultura e com as entidades de classe. Agora, quem insistir no modelo de passa boiada das facilidades e não ficar atento à lei, aí sofrerá os rigores da lei, para que outros possam prosperar dentro da lei. Então, esse trabalho já começa a ser feito.

E externamente?
Minha ida à Alemanha, para a Semana da Agricultura Verde na Alemanha, nesse próximo fim de semana, é para levar a seguinte mensagem: o Brasil está com uma nova política de crescimento agrícola e ambiental, que respeita o nosso Código Florestal, que respeita os anseios dos compradores internacionais.

E não porque eles querem, é porque nós desejamos. Porque de nada vale ter terras propícias, gente vocacionada, máquinas de última geração, sementes de última geração, se nós vivermos num deserto.

Só somos esse grande produtor de alimentos porque nós temos o maior de todos os ativos, que é clima, graças à floresta que temos preservada aqui, por força de nossa lei. São 67% do nosso território que estão completamente cobertos por preservação pelas matas nativas, e assim deve continuar.

Essa é a nossa galinha dos ovos de ouro. Eu gostaria, ao fim do período em que estiver como ministro da Agricultura, de ser reconhecido como um ministro contemporâneo, que conseguiu dar essa outra visão à agricultura brasileira.

Há um ano, começava a guerra na Ucrânia e o agro ficou assustado com o risco de ficar sem insumos. O Brasil é o maior produtor do agronegócio e também o maior importador de insumos...
Nós vivemos em um mundo globalizado e com a pandemia e depois a guerra da Ucrânia, nós vimos as fragilidades desse mundo globalizado. Isso aconteceu nos combustíveis, o preço do petróleo disparou, nós vimos as fragilidades. Vimos a insegurança nacional de não ter fertilizantes. Fertilizantes têm que ser tratados, descobrimos isso, quase como segurança alimentar, segurança nacional, porque não tem alimento se não tiver fertilizantes.

Como resolver isso?
Tem um plano nacional de fertilizantes, que nós vamos dar continuidade. O presidente Lula já determinou ao meu colega ministro de Minas e Energia (Alexandre Silveira) para que um dos programas que a Petrobras tem que participar é na continuidade de plantas de produção de nitrogenados, que já estavam começadas e foram paralisadas, as três que voltam.

Quais são?
Tem três iniciadas. A proposta é estruturar, ver o que precisa para terminar e elas voltem a ficar prontas para fornecer nitrogenados. Nós queremos investir em tecnologia, na busca por fosfatados, que têm um pouco no Brasil, e também de cloreto de potássio. Nós temos em Autazes (AM), por exemplo, uma jazida fora de reserva indígena – claro, dentro da área de influência, a 10 ou 15 quilômetros – tão grande quanto as jazidas canadenses de produção de cloreto de potássio.

E uma logística muito boa, porque tem barcaças ali passando, tem os portos do arco Norte. Agora, o desafio é como licenciar isso. Já existe lá fora a mesma tecnologia: respeitar o meio ambiente mas poder ter esse produto à disposição da agropecuária brasileira. Esse é um desafio que precisa ser encarado com muita responsabilidade, mas para que nós possamos pensar também sobre a soberania nacional.

O senhor já conversou com a ministra Marina sobre essa jazida específica?
Não, não, especificamente sobre ela, não.

O senhor já tem recebido investidores ou empresas que querem investir no Brasil?
A Indonésia acaba de habilitar 11 plantas frigoríficas brasileiras para vender para seu mercado interno. Isso não é fruto de uma estratégia de buscar abrir mercados em 17 dias, afinal de contas estamos há 17 dias no novo governo. É fruto da dedicação dos nossos servidores mas, principalmente, é fruto da credibilidade que o presidente Lula representa para o mundo.

Nós temos sinais muito claros do governo chinês, inclusive me relatado pelo ex-ministro Marcos Montes, que depois de quatro anos sem nenhuma planta habilitada para a China, no finalzinho de dezembro do ano passado, portanto já na transição para mudar de governo, eles pediram uma lista de novas plantas para serem habilitadas para a China. Claro que é sinal de credibilidade.

Na campanha se explorou muito a questão de amedrontar com invasão de terras pelo MST ou taxação de exportações. Como o senhor rebateria isso para produtores que até apoiaram Bolsonaro?
Essa é uma retórica tão antiga que se tinha, talvez num governo Lula dos anos 80 é que vendiam essa imagem. 'Se Lula for presidente, vai acabar o direito à propriedade, as invasões de terra serão constantes, ele vai socializar a terra, ele vai taxar as exportações, ele vai trazer insegurança ao campo".

Isso se tornou retórica de novo nessas eleições, mas fruto de fake news. Nós temos diversas falas do presidente Lula dizendo que não faria nada disso. Terra produtiva não é passível de reforma agrária. Agora, o direito à terra daqueles que são vocacionados à reforma agrária, é sim uma vocação. Eu sou fruto dessa reforma agrária. Eu sei o quanto é importante o estado dar oportunidade para homens e mulheres que são vocacionados para produzir.

Mas tem o local próprio: terras públicas, terras privadas até, desde que haja um acordo e o proprietário seja indenizado, não tem problema. Agora, invasão, expropriação, essa não é a palavra.Ao contrário. Foi sob a sua gestão que o agro deu um grande salto de produtividade.

O senhor chegou a perder amigos pelo apoio a Lula?
Amigo, quando é amigo de verdade, ele não enxerga defeito, ele é amigo em qualquer situação. Ele respeita a posição do amigo. Talvez alguns colegas. Infelizmente, as pessoas talvez passaram a não respeitar a divergência, quem pensa diferente. Esse é o pior mal que se pode fazer à democracia. Mas posso garantir que vivo o melhor momento da minha vida pública e tenho certeza que fiz a escolha certa pelo Brasil, pela democracia. Tenho certeza que com o tempo a população brasileira vai saber reconhecer isso.

Como será a agência com informações do setor que o senhor pretende criar?
Estamos nas tratativas, até pelo ajuste natural e pela perda de competitividade, vamos chamar assim, de funções da Conab, até porque não é desmando. Como passamos alguns anos com os preços das commodities bastante elevados, a política de apoio à comercialização não se fez necessária.

Parece que a Conab não precisava mais ter essa função e se fez uma estratégia de passar a Conab para o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) para ela atender aos pequenos e médios produtores e projetos sociais, como o PAA. Mas não podemos tratar isso de forma generalizada.

É fundamental para a secretaria de política agrícola a manutenção da Conab nesse ministério. Pode ser compartilhada, e deve até ser, já que tem dois ministérios da Agricultura, um da familiar e outro em escala, que tenhamos a Conab atendendo aos dois ministérios. Ao montarmos essa estrutura para os dois ministérios, vamos estar com a política pública bem orientada para poder dar o crescimento necessário.

A agência seria uma nova Conab, com nova atribuição?
A Conab já tem o papel da informação. Ao estar dentro do Ministério da Agricultura, vamos incrementar com tecnologia, algoritmos, cruzamento de informações e aperfeiçoar os relatórios da Conab. Essa é a ideia. O Brasil tem hoje 10 mil estações meteorológicas, públicas e privadas, que podem ter seus dados compilados em um grande algoritmo e melhorar as informações em relatório mensais de clima.

Não só estoque, perspectiva de produção, mas de clima, indicando se vai haver grandes quantidades de chuva em alguma região. Direciona tanto a agricultura, a iniciativa privada e a agroindústria como também as políticas públicas. A informação é muito relevante. Os Estados Unidos fazem isso muito bem, o USDA faz isso muito bem.

Nós temos a informação, precisamos aperfeiçoar o sistema, compilar isso em uma estratégia e cada vez mais termos relatórios importantes tanto para o privado quando para o público.

Como está a relação com os outros ministros?
Total, muito bem, vamos todos morar no mesmo prédio. No fundo, o governo tem que ser transversal e trabalhar alinhado em todas as suas áreas para que o resultado aconteça.

A ministra Marina Silva disse ontem sobre triplicar a produção de alimento. Como?
Eu disse isso no começo. Se podemos em 20 anos dobrar a produção só com o aumento de 5% ao ano de área plantada. O triplicar vem do aumento de tecnologia. Se investirmos em ciência ,pesquisa e tecnologia, facilmente vamos triplicar. Imagine: o Brasil saindo de 300 milhões de toneladas (produzidas por ano). Com o incremento de área vai para 600 milhões de toneladas.

Se triplicar, vai para quase 1 bilhão de toneladas de grãos nos próximos 20 anos. Certamente vai fazer muito bem para o mundo, para o combate à fome em todo o mundo, e o Brasil tem que estar ciente da sua responsabilidade: produzir com sustentabilidade. Não dá para chegar nesse número se nós perdermos o nosso maior ativo que é clima, chuva e água para produzir tudo isso de alimentos. E é possível.

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