Desafio dos estaleiros no Brasil inclui superar modelo de empreitada
Na 3ª reportagem desta série, conheça os principais gaps dos estaleiros no Brasil
O otimismo de algumas lideranças dos estaleiros no Brasil em torno das novas encomendas da Petrobras e Transpetro não é compartilhado por um dos maiores especialistas da indústria de embarcações no Brasil.
Mestre em Engenharia Naval pela Escola Politécnica da USP e doutor em Naval Architecture and Ocean Engineering pela Universidade de Tóquio, o professor Marcos Pereira é pesquisador do Instituto Nacional em União e Revestimento de Materiais (INTM) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e tem a experiência de quem trabalhou na indústria naval no Brasil, na Europa e no Japão.
Para ele, os desafios dos estaleiros no Brasil vão muito além dos dois frequentemente apontados por estudiosos e empresários. Da parte dos analistas, a baixa produtividade, e portanto competitividade, em relação aos fabricantes da China, Coreia do Sul e Japão é um dos fatores sempre citados como desfavoráveis ao renascimento da indústria naval brasileira.
Já os empresários reclamam da intermitência na demanda, sujeita aos humores do governo de plantão.
“Essas fragilidades existem, mas o problema vai muito além disso. Tanto no ciclo dos anos 1960 e 1970, quanto no mais recente, a cultura de negócio que prevaleceu na indústria naval brasileira não teve foco na competitividade e longevidade do setor, visou meramente aproveitar as oportunidades momentâneas do período. A presença de grandes construtoras como investidoras nos estaleiros instalados nos anos 2000 trouxe, em contrapartida, uma cultura de empreitada para um setor que demanda um comportamento de indústria na gestão do negócio, da produção e dos recursos disponíveis”, afirma Marcos Pereira.
Para ele, “é preciso que se invista numa cultura de produção fabril em série, com ganhos de escala, como a dos estaleiros asiáticos, que seguem uma lógica semelhante à da indústria automobilística, com a fabricação em longas séries e especialização da linha de produção”.
Especialista vê esforço insuficiente diante da demanda de mão-de-obra dos estaleiros no Brasil
Professor de Engenharia Mecânica da UFPE, Armando Shinohara, analisa os gaps dos estaleiros no Brasil principalmente a partir de um fator determinante: a disponibilidade de profissionais. Ele considera insuficientes os esforços para formação de mão-de-obra qualificada, principalmente em funções mais especializadas, empreendido na tentativa mais recente de estimular o setor.
“Oferta de profissionais preparados é fator crítico de sucesso para qualquer negócio e se torna ainda mais importante numa indústria altamente concentrada, competitiva, complexa e tecnológica, como a naval”, argumenta.
Armando Shinohara defende que a universidade vem tentando remar contra a maré para ajudar os fabricantes nacionais a superarem esse desafio. “Em 2011, criamos, no Departamento de Engenharia Mecânica, o curso de graduação em Engenharia Naval, que tem convênio com as universidades de Tóquio e Yokohama. Hoje, temos profissionais formados em Pernambuco que fazem doutorado na Universidade de Tóquio, a mais importante do Japão”, destaca.
O professor enumera outras iniciativas da UFPE, como a criação, no passado, de programas de formação de engenheiros navais em parceria com a Petrobras e os estaleiros instalados em Pernambuco.
“Isso é uma gota no oceano diante do trabalho que precisa ser feito e que vai exigir um empenho, coordenação e articulação muito maior. É preciso sair das ações pontuais, de uma ou outra instituição de ensino, como a nossa, ou das entidades do setor isoladamente, para algo sistêmico, com investimentos pesados e continuados da Petrobras, estaleiros, governo e demais atores envolvidos. A visão tem que ser de longo prazo”, analisa.
Acompanhe amanhã a 4ª e última reportagem dessa série do Movimento Econômico: Know how está entre os principais gaps dos estaleiros no Brasil.