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Economia

Movimento que cobra empresas por anúncios em sites de fake news chega ao Brasil

A meta do movimento é alertar empresas para o conteúdo dos veículos e pressionar a retirarem publicidade de páginas na internet que propagam desinformação ou ofensas

Fake NewsFake News - Foto: Agência Brasil/Marcello Casal Jr

Lançado há apenas quatro dias, o perfil no Twitter do Sleeping Giants Brasil, movimento que tenta desidratar economicamente sites que publicam conteúdos apontados como preconceituosos ou fake news, tem sido ativo.

Até as 20h desta quinta-feira (21), a conta havia chamado a atenção de mais de 30 empresas com publicidade veiculada no Jornal Cidade Online, um portal que divulga uma série de artigos de opinião em defesa da política do uso da cloroquina para o tratamento contra a Covid-19. A meta do movimento é alertar empresas para o conteúdo dos veículos e pressionar a retirarem publicidade de páginas na internet que propagam desinformação ou ofensas. "Muitas empresas não sabem que isso acontece, é hora de informá-las", diz o perfil.

Nos últimos dias, a conta expôs marcas como Dell, Claro, Tim, Samsung, Americanas, Submarino, Mercado Livre, Philips, Magazine Luiza e Banco do Brasil. O Sleeping Giants também mencionou anúncios de veículos de comunicação e audiovisuais como Folha de S.Paulo, Telecine e Canal History Brasil. Em resposta, algumas delas utilizaram seus perfis no Twitter para informar que não apoiam desinformação. Outras confirmaram a retirada dos anúncios no site após sofrerem apelo do público. José Tolentino, editor-chefe do Jornal Cidade Online, disse à reportagem que seu veículo sofre ataques sórdidos de um perfil anônimo e afirma que o portal é independente.

O Sleeping Giants foi criado nos Estados Unidos em 2016 com o intuito de chamar a atenção de empresas para o financiamento de sites de extrema direita. "Nossa maior conquista é que os anunciantes passaram a entender que os recursos deles é que sustentam esses sites racistas, extremistas, e que essa publicidade tem enorme impacto", disse à reportagem o americano Matt Rivitz, que fundou o movimento. Ele celebra o feito de convencer 4.300 anunciantes a suspender publicidade do Breitbart, site conservador que já foi liderado por Steve Bannon, ex-estrategista da Casa Branca e ideólogo de direita.

Com um número crescente de seguidores que chega a quase 150 mil, o Sleeping Giants ganhou mais notoriedade no Brasil ao ser elogiado pelo youtuber Felipe Neto e pelo apresentador Luciano Huck, que escreveu: "Belíssima iniciativa. Necessária. Vamos seguir. Vamos apoiar".

Os criadores da conta brasileira pedem para se manter anônimos e conversaram com a reportagem por mensagens diretas no Twitter. "Em pouco mais de dois dias, conseguimos retorno diretamente das empresas Telecine, Dell, Banco do Brasil, Zoom, Picpay. O movimento cresceu tanto que os seguidores, sozinhos, também acabaram conseguindo as respostas da History Channel, Domestika, Submarino e Loft", disse o criador da filial brasileira. "Reiteramos que não estamos atacando ninguém e queremos apenas informar as empresas que elas estão, involuntariamente, financiando os tipos de sites que tanto prejudicam o seu trabalho."

Eles resolveram criar o perfil após lerem sobre o Sleeping Giants em uma reportagem do El País, publicada em português esta semana. Os brasileiros entraram em contato com Rivitz para obter autorização para usar o nome. O movimento tem como prática capturar a tela do anúncio da empresa e marcá-la no Twitter cobrando uma explicação. "Oii @TIMBrasil, tudo bem? Realmente a internet é muito importante em tempos de pandemia, mas não acho legal encontrar seu banner em um site reconhecido por propagar Fake News e atacar constantemente a democracia. Pls considere bloquear!", é um exemplo de citação.

A Dell, por exemplo, ganhou popularidade ao ser mencionada na terça-feira (19) e logo ter respondido que garantiu a exclusão da publicidade. "Assim que recebemos essa informação, solicitamos a retirada dos anúncios automáticos. Repudiamos qualquer disseminação de notícias falsas", afirmou em sua conta no Twitter.

Depois disso, a empresa virou um dos assuntos mais comentados no microblog, com uma campanha polarizada de #NãoCompreDell e #CompreDell. Em nota à reportagem, a companhia reforçou que não tem qualquer orientação ideológica e/ou partidária e que preza pela pluralidade de ideias, pela diversidade e pela liberdade de imprensa.

PUBLICIDADE PROGRAMÁTICA
Todas as empresas anunciaram no site por meio da chamada publicidade programática, via Google. Nessa modalidade, a companhia não compra espaço digital em um site específico que tenha escolhido. É uma ferramenta de publicidade do Google que direciona os anúncios a partir de filtros pré-definidos pelas empresas.

As marcas, no entanto, têm a possibilidade de acompanhar o direcionamento, revisar e excluir os anúncios. Por essa distribuição, o Google ganha uma porcentagem do valor direcionado ao site. A divisão não é fixa e depende da negociação em cada caso.

A reportagem conversou com seis grandes empresas que receberam as notificações seguidas de enxurradas de mensagens de consumidores nos últimos dias. Elas retiraram os anúncios do site Jornal Cidade Online e afirmaram que, apesar do controle posterior que os times de marketing têm sobre a publicidade programática, nem sempre conseguem avaliar todas as impressões.

O Google tem um filtro que barra automaticamente sites que divulgam conteúdo relacionado a violência, incitação ao ódio, drogas e temas adultos de cunho sexual. Já os conteúdos políticos entram na lista de temas mais sensíveis para as empresas de tecnologia que trabalham com publicidade. A regra é não atuar como regulador.
O fundador do Sleeping Giants é crítico à empresa. "O Google faz o mínimo possível para punir e evitar que anúncios financiem sites com visões extremistas, eles não querem nunca assumir o papel de moderar conteúdo", diz Rivitz.

Em nota, a companhia afirma que oferecer aos usuários informações confiáveis é parte de sua missão. "Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas", disse o Google.

A companhia ressalta que suas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos. As empresas que foram citadas publicamente pelo Sleeping Giants no Brasil afirmaram à reportagem que precisaram tomar decisões rápidas sob o risco de manchar a reputação de suas marcas. Também destacaram que tiveram dificuldade para avaliar se o site em questão é ou não um disseminador de notícias falsas ou apenas apoia um determinado espectro político mais à direita.

Duas empresas relataram que, ao retirar o conteúdo do Jornal Cidade Online, receberam mensagens ofensivas por email com acusações de que estavam apoiando a censura. Os autores dessas mensagens chamaram o Sleeping Giants de "organização criminosa". A conta está funcionando como um autenticador de que a empresa tem protocolos de boas práticas ao não investir no site.

Nesta quinta, o perfil elegeu a FastShop como a primeira empresa do dia a apoiar o movimento. "A @fastshop respondeu diretamente nossos seguidores e se comprometeu a retirar a propaganda do site". Após ser notificada, a empresa disse que não possui vínculo com nenhum portal jornalístico e que iria rever a distribuição de seus anúncios. "Estamos analisando os anúncios com nosso nome e removendo das plataformas que anunciam de forma automática através de sites de busca. Repudiamos qualquer disseminação de notícias falsas. Agradecemos por nos avisar."

O Mercado Livre tomou decisão parecida. Em nota, afirmou que mantém, junto a empresas de mídia parceiras, filtros para bloqueio automático de sites que propagam conteúdo impróprio. "No que se refere à veiculação de notícias falsas, às quais repudiamos veementemente, os bloqueios podem também ocorrer de maneira reativa a partir de denúncias, analisadas caso a caso. A partir de hoje, excluímos o site em questão que está sendo acusado publicamente de propagar inverdades", disse.

A Folha de S.Paulo retirou o anúncio. "Por um erro de procedimento, anúncios da Coleção Folha foram direcionados ao site de fake News Jornal da Cidade Online", informou, pelo Twitter. "Após alerta, nossa equipe de marketing suspendeu a veiculação de campanhas em site de terceiros e está revisando os domínios bloqueados. Obrigado", escreveu.

'MÁFIA COMUNISTA'
O Jornal Cidade Online veiculou artigos de opinião sobre o caso e uma nota chamando o movimento de "pura canalhice" e de estar promovendo a censura. Diz que as empresas que cederam ao pedido de retirada de anúncio "compactuaram com os pedidos da máfia comunista".

Nesta quinta-feira, Fabio Wanjgarten, secretário de Comunicação da Presidência, saiu em defesa do jornal e criticou o Sleeping Giants. "Os jornais independentes são muito importantes e devem ser valorizados no exercício da liberdade de expressão. O @slpng_giants_pt precisa urgentemente deixar o viés ideológico de lado na hora de fazer suas supostas denúncias. Dormiram no ponto e acabaram mostrando a quem servem", escreveu o secretário em seu Twitter.

O criador do perfil brasileiro rebate as críticas. "O site que ele está defendendo apenas propaga o discurso de ódio e fake news. Aquilo ali não é jornalismo independente", diz. Wajngarten, por sua vez, já publicou em suas redes sociais pedidos para que empresas deixem de publicar em jornais como a Folha de S.Paulo.
Um texto publicado pelo Jornal Cidade Online na tarde desta quinta-feira (20) diz que a ação foi criada por "um bando de militantes esquerdistas" que querem difamar o portal e boicotar os patrocínios "através de acusações falsas e criminosas".

"A conta intitulada 'Sleeping Giants Brasil' fez publicações caluniosas, pedindo para empresas como Dell, Telecine, History Channel, Banco do Brasil, Submarino, DomestikaPT, entre outras, interromperem a veiculação de suas marcas nas propagandas do Jornal da Cidade Online. Pura canalhice!", afirma a publicação.
Após reclamação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, porém, o Banco do Brasil decidiu voltar atrás e restabelecer a publicidade no portal.

No ano passado, o site Aos Fatos mostrou em reportagem que o Jornal Cidade Online publicava textos com assinaturas de repórteres que utilizavam identidades falsas. Após a acusação, dois jornalistas tiveram as imagens de perfis deletadas. A foto de uma colunista era de Thalita Rebouças, escritora de livros infantil que nunca foi vinculada ao jornal. Nos últimos anos, o jornal já foi alvo de ações de parlamentares, do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e do Sindicato de Professores do Rio Grande do Sul.

No início deste mês, a 44ª Vara Cível do Rio de Janeiro determinou em primeira instância que o site e seu responsável, José Tolentino, a indenizar Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em R$ 150 mil pela publicação de reportagens consideradas ofensivas.

Na ocasião, a juíza classificou a conduta do site é como "irresponsável". Sem provas, Santa Cruz foi acusado de fraudes na administração da OAB e chamado de escroque. "Esse site é uma temeridade, só propaga fake news. Ele é processado e condenado em muitas outras ações por conta de mentiras que vêm propagando. A do Felipe Santa Cruz é tão grave que o Judiciário determinou a retirada da matéria do ar e que a sentença seja publicada na íntegra e nas redes sociais", diz Ricardo Brajterman, advogado da ação, do escritório Cândido de Oliveira.

O portal é filho de um semanário homônimo de Campo Grande, que, de acordo com o site, não existe mais na versão impressa. A sede da empresa que detém os direitos do site fica em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

OUTRO LADO
José Tolentino, editor-chefe do Jornal Cidade Online, disse à reportagem que seu veículo sofre "ataques sórdidos" de um perfil anônimo. Segundo ele, seu portal não é de direita. "Somos apenas um jornal que fala a verdade. Estão nos rotulando como site de direita e bolsonarista. Somos totalmente independentes. Não recebemos nenhum centavo de governo e órgão público. Recebemos um único dinheiro de três dias de uma publicidade institucional que vinha do TCU de MS [Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul]", afirmou.

Sobre a pessoa que escreveu a coluna utilizando a foto de outra, Tolentino disse que o jornal responde por isso e que, diante das dezenas de colunistas, não conseguiu averiguar que se tratava de uma foto falsa. "Não conheço praticamente nenhum dos colunistas pessoalmente. Eles entram em contato e querem escrever."

Tolentino reforça que não conhece membros do governo e que nunca foi a Brasília desde a posse de Bolsonaro. Segundo ele, o site tem cerca de 1 milhão de visitantes por dia. Depois da ofensiva no Twitter, ele diz que apoiadores da publicação estão enviando dinheiro para contornar a debandada de anunciantes.

A reportagem ligou para Fabio Wanjgarten, secretário de Comunicação da Presidência, para que comentasse a defesa que fez do Jornal Cidade Online. Ele pediu que fosse acionada a assessoria de comunicação da pasta. Procurada, a Secretaria de Comunicação do governo não se manifestou.

Segundo a Folha de S.Paulo, o Banco do Brasil informou que restabeleceu a verba na quarta (20) após a área técnica considerar excessivo o veto ao site por produção de conteúdo falso. O presidente do banco, Rubem Novaes, defendeu o desbloqueio.

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