Mudança climática aumenta incidência solar no Brasil e favorece energia fotovoltaica
Calor crescente decorrente do aquecimento global tem ao menos um efeito colateral positivo em regiões do país: maior potencial de geração de eletricidade de uma fonte renovável
As projeções de mudança do clima para as próximas décadas no Brasil são sombrias, mas para um setor o prognóstico é, literalmente, ensolarado. Um estudo publicado hoje no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, indica que a incidência de energia do sol crescerá em todo o país, à exceção da Região Sul. Para a geração solar, o futuro é azul, mostra a pesquisa.
A previsão é de mais calor e menos chuva na maior parte do país. Mas, quando se trata de oportunidade para expansão de energia fotovoltaica, o estudo transforma limão azedo em limonada e indica que o aumento da incidência de dias ensolarados pode reduzir a vulnerabilidade do sistema elétrico do Brasil, causada pela redução de volume de reservatórios e vazões das hidrelétricas.
O estudo projeta um aumento da incidência solar (isto é, a radiação do sol recebida na superfície) entre 2% e 8% na maior parte do Brasil até o fim do século. Porém, até 2040 haverá aumento de pelo menos 2%, sendo que em algumas áreas deve ser maior, caso do Pantanal e do Centro-Oeste.
Leia também
• Câmara aprova projeto que inclui municípios na fiscalização de serviços de energia
• Neoenergia entrega mais uma usina solar em Fernando de Noronha
E, principalmente, do Norte de Minas Gerais, que pode superar 4% em qualquer cenário até 2040. Segundo análise do Cemaden publicada este ano pelo GLOBO, esta foi a região do Brasil que mais esquentou no ano passado, o mais quente da História.
— O objetivo principal foi investigar como as mudanças no clima afetarão a produção de energia elétrica e se valeria a pena investir em solar. Nosso estudo mostra que sim e busca orientar políticas públicas. O potencial do país é enorme, especialmente do Brasil Central. Nosso potencial mínimo é maior que o máximo de países como a Alemanha — afirma o coordenador do estudo, Fernando Ramos Martins, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos.
Além da Unifesp, participaram da pesquisa cientistas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Os cientistas utilizaram uma combinação de dados de satélites e reanálises meteorológicas para avaliar a radiação solar incidente no território brasileiro. A partir de 40 modelos climáticos globais, eles observaram tendências futuras para diferentes cenários de aquecimento global, conhecidos como SSP2-4.5 (cenário moderado) e SSP5-8.5 (cenário mais extremo).
Os percentuais revelados parecem pequenos, mas o impacto é significativo. Até mesmo em coisas triviais, como um banho quente. Um chuveiro elétrico consome cerca de 1 kWh para um banho de 10 a 12 minutos em temperatura média. Para grande parte do território brasileiro, um aumento de 3% na disponibilidade de energia solar representaria a possibilidade de atender 52 banhos adicionais por ano em cada residência.
Também ajudaria a aliviar a demanda por refrigeração. Segundo Martins, o adicional de energia solar poderia atender o consumo de aproximadamente 60 horas do ar condicionado por residência.
— No Sudeste, principalmente no Norte de Minas Gerais, onde o aumento pode chegar a 8%, teremos 130 horas a mais de ar condicionado atendidas pela energia solar ou 120 banhos. É um aumento significativo, que pode contribuir para a resiliência do sistema elétrico nacional e reduzir a necessidade de uso de combustíveis fósseis para atender a demanda crescente por energia — diz Martins.
De quase nada em 2017, a geração de energia elétrica deu um salto e hoje representa 20,2% da matriz elétrica brasileira, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica e da Aneel. As hidros ainda respondem pela maior parte, 46%.
A expansão foi alavancada pela mudança na legislação, que facilitou a implantação, e à queda nos preços dessa tecnologia. O uso de painéis fotovoltaicos tem revolucionado o acesso à energia elétrica em regiões remotas do Pantanal e da Amazônia, por exemplo.
Martins reconhece que existem desafios tecnológicos e operacionais, mas assegura que não há nada que não possa ser superado. O grande desafio hoje é o armazenamento. Com a baixa capacidade das baterias de hoje, a energia se vai quando o sol se põe.
— Precisamos de baterias com maior capacidade e eficiência. Porém, existem pesquisas promissoras. Inclusive aqui no Brasil. A demanda por energia só tende a aumentar e muito mais difícil do que resolver problemas tecnológicos, como o armazenamento, será garantir a sobrevivência das pessoas em lugares cada vez mais quentes —salienta ele.
Extremos previstos para as próximas décadas já acontecem. É o caso da persistência das temperaturas elevadas e na baixa no regime de chuvas. A seca iniciada em 2023 é a mais extensa já registrada no país. Ela afetou áreas até agora sem problemas de escassez e acentuou a de outras onde o problema já existia. Com isso, acendeu o sinal de alerta do setor.
Algumas regiões ficaram mais de cinco meses sem chuva e a baixa dos reservatórios e da vazão de hidroelétricas levou o governo federal a cogitar retomar o horário de verão.
Possibilidade que não está afastada para 2025, caso a estação chuvosa, que está começando agora, seja deficitária.
Martins diz que a energia solar poderia ser usada em combinação com as hidroelétricas. Nesse sistema híbrido, a energia fotovoltaica ajudaria a conservar a água nos reservatórios no período de seca.
— É uma questão de mudança do planejamento. Investir em solar passa por criação de políticas públicas e pelo planejamento do sistema elétrico — observa o cientista.
O estudo indicou que há também regiões que receberão incidência de energia solar menor que os valores atuais, principalmente no cenário de maiores emissões. Poderá haver reduções na média anual de até 4% no Rio Grande do Sul.
— A Região Sul é a única que pode ter um decréscimo na energia, na ordem de 3%. Ainda assim, durante o verão, justamente quando é mais necessária, ela deverá ser alta no Rio Grande do Sul. Na verdade, nessa estação poderá ser a maior do Brasil — explica Martins.
Os pesquisadores integram o grupo de Segurança Energética do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-Mudanças Climáticas), que elabora uma série sobre a vulnerabilidade climática das fontes de energia no país. O próximo estudo abordará as eólicas.
— A transição energética não diz respeito somente à redução das emissões de gases do efeito estufa. É uma questão de adaptação aos extremos do clima — destaca Martins.