BRASIL

Mulheres negras são 54% dos trainees, mas só ocupam 3% das cadeiras dos conselhos

Posições de tomada de decisão ainda são majoritariamente masculinas e brancas, aponta pesquisa do Instituto Ethos

Mulheres negras são maioria entre trainees, mas ocupam menos de 5% dos cargos de direção Mulheres negras são maioria entre trainees, mas ocupam menos de 5% dos cargos de direção  - Foto: pch.vector/Freepik

Você pode até ver mulheres negras em grandes companhias do país, mas quase sempre será em posições menos privilegiadas, como estagiárias ou trainees. É isso que mostram os dados da pesquisa "Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas 2023-2024", divulgada nesta quarta pelo Instituto Ethos.

Apesar de serem observados avanços nos últimos anos, esse grupo ainda é o mais marginalizado no mercado de trabalho empresarial. Enquanto o número de mulheres negras trainees chega a 53,7%, superando o de homens brancos (9%), posições que estão no topo da hierarquia, como cargos executivos, onde geralmente se encontram os CEOs, contam com apenas 3,4% de mulheres negras.

 

O mesmo se observa nos conselhos de administração, responsáveis por tomar as decisões estratégicas das empresas, onde só se encontram 1,8% de negras, contra 77% de homens brancos. No quadro funcional, que contempla profissionais de posições que não são de liderança, como analistas, especialistas, assistentes, auxiliares, os números são equilibrados. Já nos estagiários, por outro lado, as negras são 26,5% e superam o número de homens brancos (23%).

Para Ana Lúcia Melo, diretora-adjunta do Instituto Ethos, isso se dá por um movimento que chamam de "afunilamento hierárquico", ou seja, por mais que hajam políticas que garantam uma maior inclusão dessas pessoas, não há medidas que permitam que elas ascendam na estrutura das empresas. E a interseccionalidade entre gênero e raça interfere nessa conjuntura, de forma que mulheres negras são mais afetadas.

— Tem um caminho sendo buscado pelas empresas de ampliar a diversidade dos seus quadros e apostar nessas posições de entrada para fazer a inclusão. Então tem programas de estágio e de trainee com esse caráter mais afirmativo, principalmente os de trainee, que trazem mais oportunidade para esse profissional se desenvolver dentro da empresa. O desafio é garantir que os esforços pela inclusão não se restrinjam ao movimento de entrada, permitindo que haja políticas que garantam a ascenção desses profissionais — explica Ana Lúcia.

Medidas para garantir representatividade
O levantamento também mostra que as companhias têm mais preocupação em fomentar políticas de inclusão de gênero do que racial em posições de tomada de decisão, já que 51,6% delas têm ações e metas para garantir a representatividade de mulheres em cargos de direção (executivo/diretoria), enquanto 21,1% possuem medidas do tipo para pessoas negras, e apenas 7,4% pensam especificamente em mulheres negras.

— A inclusão das mulheres no mercado de trabalho vem se dando há mais tempo. E o pleito de uma maior participação e ascensão das mulheres conseguiu mais espaço. Quando a gente verifica a priorização das empresas, em geral, a questão de gênero aparece de forma mais destacada. Mas a questão da interseccionalidade não aparece aí. Estamos falando de uma classificação de mulheres que não são negras, com deficiência, e que não necessariamente são LGBT+.

Isso se reflete nos dados que indicam que a participação de mulheres em cargos de tomada de decisão cresceu mais que a de negros, em comparação com o levantamento realizado pelo Ethos em 2015. Na evolução dentro dos conselhos de administração, por exemplo, o número de mulheres saiu de 11% em 2015 para 18,6% em 2023 (7,6 p.p.), enquanto o de pessoas negras foi de 4,9% para 5,9% (1 p.p.).

— Temos alguns marcos, no Brasil a gente tem, por volta de 2014 e 2015, a institucionalização do movimento Mulher 360. E naquele momento a gente via essa discussão de gênero começar a ganhar um pouco mais de tração. Muito em função do papel que algumas agências multilaterais, órgãos como a própria ONU Mulheres, que de alguma forma ficam mais visíveis os estudos que estão relacionados à perda para a economia, perda para o desenvolvimento do que a ausência das mulheres no mercado de trabalho traz — diz a diretora-adjunta do Instituto.

Já para pessoas negras, ela explica que as ações de inclusão são mais recentes, ganhando força principalmente em 2020, quando o movimento "Vidas Negras Importam" partiu dos Estados Unidos e chegou no Brasil trazendo pautas voltadas à questões raciais.

— A questão racial é um dos principais desafios que a gente tem no Brasil com relação à agenda de diversidade, igualdade e inclusão. O Brasil tem uma população majoritariamente negra, de pretos e pardos. Essa realidade não está refletida nas maiores empresas que o Perfil diagnostica. E a gente precisa de ação com intencionalidade para que isso de fato possa mudar — conclui Ana Lúcia.

A pesquisa contou com as respostas de 131 empresas presentes na lista das 1100 maiores companhias e instituições financeiras do país, publicada pelo Valor Econômico. Foram observadas empresas com faturamento a partir de 300 milhões, sendo mais de 80% delas com faturamento acima de um bilhão, e cerca de 77% com mais de 3 mil funcionários.

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