BRASIL

Na mira do governo, fundos para "super ricos" têm alta de 40% no valor investido em 5 anos

Levantamento mostra que total aplicado chegou a R$ 567 bilhões este ano. Governo quer tributação similar a de fundos

DinheiroDinheiro - Foto: José Cruz/Agência Brasil

Na mira do Ministério da Fazenda, o patrimônio dos fundos exclusivos para "super ricos" cresceu 40% nos últimos cinco anos e chegou a R$ 567 bilhões este ano, mostra um levantamento feito pela Quantum Finance a pedido do Globo.

O governo quer mudar a tributação desses fundos para compensar a perda de arrecadação com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, que entrou em vigor este ano.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) define esse tipo de fundo como aqueles que são constituídos para receber aplicações exclusivamente de um único cotista. Na prática, dado os custos operacionais, a entrada para investimento nessa classe costuma ser alta: começa em, pelo menos, R$ 5 milhões, segundo um gestor desse tipo de fundo consultado pelo Globo.

O número de fundos exclusivos registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quase dobrou no período: subiu de 1,2 mil, em 2018, para 2,3 mil até abril deste ano.

— A lei não estipula um valor mínimo para constituir um fundo exclusivo. Mas os custos envolvidos para manter a estrutura são altos. É preciso um montante mínimo que pague essa estrutura do fundo e ainda gere lucros — explica o advogado tributarista Rogério Fedele, do escritório Abe Advogados.
 

Hoje, os fundos dos "super ricos" têm a vantagem de serem tributados apenas no resgate ou quando são encerrados. Como uma das medidas para aumentar a arrecadação e cumprir a meta de déficit zero das contas públicas no próximo ano, o governo quer incluir o chamado "come-cotas", que é a cobrança semestral ou anual dos rendimentos dos demais fundos, também para os exclusivos.

— É um benefício grande para o investidor essa diferença do imposto, com a tributação somente no resgate— diz Igor Cavaca, líder de gestão de investimentos na Warren. — Isso, de certa forma, faz com que o cotista consiga se diferenciar de uma grande base de investidores que tem o come-cotas.

Meta de arrecadar R$ 10 bilhões
Na terça-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) informou que a tributação será proposta a partir de uma Medida Provisória a ser enviada ao Congresso pelo governo. A expectativa da equipe econômica é arrecadar R$ 10 bilhões, no longo prazo, como destacou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em entrevista ao Globo.

A medida faz parte de uma série de iniciativas da Fazenda para aumentar a arrecadação e atingir as metas determinadas pelo arcabouço fiscal, aprovado na noite de terça-feira pela Câmara dos Deputados, e enviado para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre elas, estão também a regulação das apostas esportivas e a tributação de offshores, que será proposto via projeto de lei.

Gustavo Fossati, professor da FGV Direito Rio e pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE), avalia que as medidas, juntas, têm potencial arrecadatório relevante, mas não devem ser a única forma do governo atingir o equilíbrio das contas:

— No caso dos fundos exclusivos, a medida está dentro da estratégia do governo de tributar os super ricos, que proporcionalmente pagam menos impostos no Brasil. A medida vai atingir um grupo de pessoas que é bastante restrito no país, que são aquelas com capacidade de investir milhões nesse tipo de fundo.

Fundos de previdência exclusivos
Apesar da associação com os super ricos, os fundos exclusivos não são constituídos apenas por famílias endinheiradas que buscam vatangens tributárias. Empresas previdenciárias, como Petros e Brasilprev, também costumam constituir esse tipo de fundo. Isso significa que eles são formados por um único cotista, mas com patrimônio que atende a milhares de pessoas.

Justamente para mirar o universo dos super ricos, o levantamento da Quantum exclui da amostra os fundos previdenciários. O estudo leva em consideração fundos com funcionamento normal e com somente um cotista em suas respectivas datas de referência, que são os fechamentos de abril entre 2018 e 2023.

Em julho deste ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que a tributação desses investimentos envolvia um patrimônio de R$ 800 bilhões e que o Brasil havia criado uma "conta paradisíaca para essas 2 mil famílias". Naquele mesmo mês, um levantamento feito pela TradeMap contabilizou 2,5 mil fundos exclusivos no país, com patrimônio de R$ 756 bilhões, número próximo do sugerido por Haddad.

Tanto a projeção do ministro, quanto a da TradeMap, no entanto, não excluíram da conta os fundos previdenciários, que também têm um único cotista. A plataforma, depois, refez o cálculo com foco nos super ricos e chegou a um montante bem menor, de R$ 245 bilhões, como explica Einar Rivero, responsável pela pesquisa.

O Globo entrou em contato com o Ministério da Fazenda para entender se as previsões de arrecadação com a medida levando em consideração um patrimônio de R$ 800 bilhões, incluiria o come cotas para fundos exclusivos previdenciários. A pasta decidiu não comentar.

Risco de judicialização
Para tributaristas ouvidos pelo Globo, a inclusão do come-cotas nos fundos exclusivos que já estão em operação pode levar à judicialização por parte dos cotistas. Para Lygia Canedo, sócia do ALLAW Advogados, a tributação dos fundos exclusivos já constituídos anteriormente à criação do come cotas poderia ferir o princípio da anterioridade.

— O correto seria que o que está em vigência hoje não seja tributado. O que eu entendo como legal, nesse caso, é que a tributação valha para os novos investimentos em razão do princípio da anterioridade — diz a advogada.

O professor da FGV Direito Rio, Gustavo Fossati, concorda com a avaliação. Ele diz que os super ricos tomaram a decisão de constituir os fundos com a expectativa de não terem o come-cotas e só pagarem na saída ou fim do fundo. Ao instituir a tributação ao longo do rendimento do investimento, o governo tributará "decisões tomadas no passado", o que abre brecha para judicialização pelos cotistas.

Rogério Fedele, do escritório Abe Advogados, avalia que o ideal seria que o projeto pudesse segregar os ganhos que foram obtidos antes e depois da aprovação da regra.

— Muitas vezes, a estratégia do investidor envolve a aplicação em ativos que vão gerar liquidez, fluxo de caixa, dali a cinco, dez anos. Se a lei cobrar lucros do passado, muitos fundos não terão disponibilidade financeira. Faria sentido, a meu ver, fazer uma régua temporal para lucros posteriores a legislação.

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