Nestlé e Garoto: após fim da disputa, marcas têm 30% do mercado
Desde o início do processo no Cade, mercado de chocolate no país mudou. Entenda
Nas últimas duas décadas, o mercado de chocolates mudou por completo. Em 2002, Nestlé e Garoto tinham cerca de 57% das vendas do setor. Hoje, as duas marcas têm pouco mais de 30% das receitas do segmento.
Nesse período, entraram em cena companhias regionais com apelo "artesanal" e estratégia própria no varejo baseada na abertura de lojas, criando canal exclusivo de conversa com o consumidor.
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Especialistas citam empresas como Kopenhagen, Dengo, Lugano, Nugali e Cacau Show, entre outras. A estratégia passou a ser a venda de experiências, com espaços que vendem os chocolates com café, chá e harmonizados com outros pratos. Há quem compare o mercado com o que ocorreu no segmento cervejeiro mais recentemente com o forte crescimento de rótulos artesanais.
De acordo com a consultoria Euromonitor, o consumo de chocolates no Brasil atingiu R$ 22 bilhões em 2022, alta de 18% sobre o ano anterior (valores nominais), com a venda de 336 mil toneladas (crescimento de 7%).
- O mercado de chocolates mudou muito. O consumidor quer experiência. Hoje, o consumidor que consome chocolate regularmente quer ainda produtos mais saudáveis, com menos açúcar. E quando olha para as multinacionais, ele não vê essa característica. Por isso, marcas de cidades menores do Brasil vêm crescendo com força ano após ano - diz o consultor Ricardo Nogueira.
Apesar da queda de participação no mercado, as duas criaram algumas das marcas mais famosas do setor. Garoto é dona de rótulos como Baton, Serenata de Amor, Caribe e Crocante. A Nestlé comanda nomes como Alpino, Charge, Chokito, Crunch, Galak, KitKat e Prestígio.
-A Nestlé e a Garoto, assim como a Lacta, são empresas que têm suas vendas concentradas em supermercados. Por isso, são mais dependentes de datas como Páscoa e Natal. Hoje, o consumidor precisa ser estimulado a novas ocasiões de consumo e essas marcas ainda não têm essa estratégia. Mas, por outro lado, construíram rótulos fortes no passado e hoje conseguem se manter vivos na cabeça dos consumidores - afirmou a consultora Maria Custódio, da MC Consulting.
A Nestlé tem hoje 15 fábricas localizadas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pernambuco e Rio de Janeiro, além de uma em construção em Santa Catarina. São 20 mil funcionários. A Garoto conta com uma fábrica, localizada em Vila Velha, no Espírito Santo, e mais de 2 mil colaboradores.
A complexa relação entre as duas empresas se arrasta há duas décadas e atrapalhou os planos de expansão da marca Garoto no Brasil. Segundo uma fonte, a companhia, que chegou a ser um símbolo de exportação do país, foi perdendo sua capacidade de inovação e ficou nesses últimos 20 anos sem grandes lançamentos.
Recentemente, a Nestlé anunciou que a Garoto fará um investimento de R$ 430 milhões em suas operações em 2023 e 2024, com foco na modernização e na ampliação da unidade de Vila Velha, além da instalação de linhas de produção para lançamentos em novas categorias.
As companhias vêm enfrentando cada vez mais a concorrência regional. A Lugano, com fábrica localizada em Gramado, no Rio Grande do Sul, e faturamento anual de R$ 100 milhões, tem como meta abrir 250 espaços até o final do ano. Hoje, são 150 pontos de vendas abertos espalhados pelo Brasil.
-O mercado de chocolate está muito maduro hoje. O consumidor quer qualidade e produtos com menos açúcar. Além disso, quer cada vez mais itens exclusivos e com cara artesanal.Além disso, é importante criar novos hábitos de consumo para o chocolate com canal próprio de vendas - diz Jonas Esteves, diretor de marketing da Lugano.
Ivan Blumenschein, diretor de produção da Nugali Chocolates, com fábrica e lojas em Pomerode, em Santa Catarina, lembra que marca fatura R$ 30 milhões, produz 10 toneladas por mês e pretende crescer 20% neste ano:
- O consumidor quer produtos específicos, por conta das restrições alimentares, ou com ingredientes de diferentes origens.
Relação complexa
Semana passada, em evento no Rio, o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, explicou que a demora em uma solução para o caso ocorreu porque em 2002, o modelo de notificação de aquisições era "a posteriore". Ou seja, as empresas poderiam consumir a operação e tinham 15 dias para notificar o Cade.
-E o Cade levava dois anos para julgar. Em 2004, quando as empresas já operavam em conjunto há dois anos, o Cade reprovou a operação e mandou separar. Eles foram para o judiciário e obtiveram uma liminar e ficaram operando esses 21 anos - explicou Cordeiro.
O especialista em direito empresarial Marcelo Godke, professor do Insper e sócio do escritório Godke Advogados, lembra que a demora no caso da Garoto e Nestlé forçou a uma mudança na legislação. Em 2012, com a Lei 2529, nenhuma empresa com faturamento acima de R$ 750 milhões de um lado e R$ 75 milhões do outro pode consumar a operação sem autorização do Cade.
- Assim, o regime atual não permite um contrato vinculante antes de o Cade aprovar a operação. Assim, as estruturas empresariais não podem ser integradas antes da aprovação do Cade.
Se o Cade não aprovar, a empresa pode entrar até via judicial, mas não pode integrar a operação. O problema é que a Garoto hoje está integrada à Nestlé - afirmou Godke.