Nova fase do Desenrola Brasil vai ajudar a destravar consumo no país. Entenda
Segunda etapa permitirá que consumidores com renda de até dois salários mínimos ou que estejam inscritos no Cadastro Único renegociem contas básicas, como luz e água, e débitos com varejistas
A segunda fase do Desenrola Brasil, programa de renegociação de dívidas, previsto para começar na última semana do mês, deve ajudar a destravar o consumo no país no último trimestre do ano.
Economistas avaliam que as renegociações devem trazer fôlego financeiro às famílias e facilitar a compra de bens duráveis (eletrodomésticos como geladeira, máquina de lavar, entre outros), mais sensíveis ao crédito. O movimento pode ganhar fôlego com o ciclo de queda da taxa básica de juros, a Selic.
Segundo o Ministério da Fazenda, a segunda fase do programa atraiu mais de 900 empresas credoras que representam 86% das dívidas de até R$ 5 mil. Esta segunda etapa permitirá que consumidores com renda de até dois salários mínimos ou que estejam inscritos no Cadastro Único renegociem contas básicas, como luz e água, e débitos com varejistas. O programa vai até dezembro.
— Tem um impacto positivo para o consumo de bens, principalmente duráveis, que até então tinham um cenário mais fraco e muito afetado pelo mercado de crédito. E tem uma expectativa de que os juros bancários caiam não só pela redução da Selic, mas também pelo menor risco de crédito. Isso acaba favorecendo o consumo no último trimestre — afirma Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria.
A MB Associados previu, em relatório recente sobre o PIB, que o Desenrola vai aumentar o potencial de consumo das famílias no fim do ano, facilitando o crédito. A consultoria prevê alta de 1,5% do consumo das famílias no quarto trimestre em relação a igual período do ano passado. Nos cálculos da XP, o consumo das famílias deve crescer 2,7% no ano fechado de 2023.
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Segundo Daniel Arruda, economista da LCA Consultores, a primeira fase do Desenrola — voltada para dívidas bancárias de devedores com renda de até R$ 20 mil — já levou a uma melhora do nível de inadimplência entre pessoas físicas. Para a segunda fase, a previsão é de um impacto ainda mais amplo já que leva em conta também as dívidas não bancárias.
— O impacto sobre o consumo tende a ocorrer nos próximos meses. Considerando que o programa vale até o fim do ano, esse efeito deve ter uma certa perenidade. Vai ter contribuição positiva, a despeito dos juros ainda altos (atualmente em 13,25% ao ano), que atrapalham o consumo de bens.
A consultoria passou a projetar alta de 2,5% do varejo ampliado (que inclui automóveis) este ano, após o programa do governo, já encerrado, de incentivo ao carro popular. A previsão anterior era de alta de 1,3%. Agora aguarda o resultado do comércio de julho para estimar os impactos que o Desenrola vai deixar.
A primeira fase do programa de renegociação já trouxe uma melhora nos indicadores de inadimplência. Em sete semanas, os bancos renegociaram R$ 11,8 bilhões em dívidas e desnegativaram 6 milhões de registros de clientes que tinham pendência de até R$ 100.
Em julho, o número de inadimplentes teve a segunda queda consecutiva, algo que não ocorria desde junho de 2021. Cerca de 34 mil pessoas deixaram de fazer parte da estatística no mês levando o total de consumidores com contas em atraso recuar para 71,41 milhões, um patamar ainda elevado para o padrão brasileiro.
As dívidas dos brasileiros com bancos e cartões de crédito caíram de 31,1% do total em junho para 29,5% em julho. Foi o maior recuo nesse segmento desde janeiro de 2019.
O avanço da fase dois do Desenrola é uma das apostas do governo para estimular a economia no fim do ano. Isso porque saem de cena outras injeções de ânimo dadas ao longo do ano, como a desoneração de impostos sobre combustíveis e os descontos para compra de automóveis.
A Febraban avaliou que a tendência é que haja “maior estímulo por parte dos credores para concessão de crédito” a partir da renegociação das dívidas “junto a outras variáveis importantes”.
Capacidade de pagar
Já Guilherme Dietze, assessor econômico da FecomercioSP, pondera que o consumo tende a ficar mais aquecido nos próximos meses, puxado mais pela redução do custo do crédito com a queda da Selic, do que pelo programa, já que o endividamento das famílias continua elevado:
— Como há tendência de redução do custo do crédito, o consumo tende a ficar mais aquecido. Hoje, uma pessoa paga muitos juros para o banco ao financiar uma compra. Com os juros mais baixos, o consumidor vai pagar um produto mais barato na ponta e sobrará mais dinheiro no bolso.
Carlos Lopes, economista do BV, projeta que o Desenrola terá mais o efeito de um respiro à situação financeira delicada das famílias do que um forte impulso ao consumo:
— Deve trazer um impacto marginal sobre o consumo, mas não significará uma grande mudança na trajetória de crescimento em função de um ciclo já muito esticado de crédito que a gente vive, com inadimplência, endividamento e comprometimento de renda elevados.
Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), avalia que um eventual aumento nas concessões de crédito vai depender do êxito do programa nas renegociações:
— Se as pessoas conseguirem manter o pagamento da dívida renegociada, muito provavelmente vamos ter uma continuidade nas concessões de crédito. Mas se muitas famílias não conseguirem honrar com a dívida renegociada, daí pode ser que a gente veja algum tipo de restrição — afirma, lembrando que produtos que dependem mais de compras a prazo podem ter cenário mais favorável.