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Banco Central

O que diz a lei de autonomia do Banco Central? Governo pode afastar Campos Neto?

Lula diz que o Banco Central não cumpre a lei, mas o combate à inflação é o "objetivo fundamental" da autarquia

Roberto Campos Melo, presidente do Banco CentralRoberto Campos Melo, presidente do Banco Central - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Pela quinta vez consecutiva o Banco Central decidiu manter a taxa básica de juros (Selic) em 13,75%, gerando reações negativas do governo e de dirigentes petistas, além de resposta direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta quinta-feira (23), em evento no Rio, Lula disse que Campos Neto "só tem que cumprir a lei", o que seria, pela sua interpretação, cuidar da inflação, mas também do emprego.

- Ele só tem que cumprir a lei que estabeleceu a autonomia do Banco Central. Ele precisa cuidar da política monetária, mas também do emprego, da inflação e da renda do povo. É isso que está na lei, basta ler a lei - disse Lula.

O que o artigo 1º da Lei complementar 179/21, que definiu a autonomia do banco, diz, na verdade, é que a estabilidade de preços é o "objetivo fundamental" do mandato do BC. Por isso, os juros sobem ou descem de acordo a inflação corrente, mas também com as expectativas de inflação.

Lula se apega, no entanto, ao que diz o parágrafo único que regula o artigo 1º, que estabelece:

"Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego."

O entendimento do Banco Central é que não há como fomentar o pleno emprego se a inflação estiver elevada. Ou seja, o que parecem objetivos excludentes, na verdade, são complementares. O BC combate a inflação no primeiro momento, para depois buscar o pleno emprego, que só virá com os índices de preços dentro da meta. Esse é o modelo seguido pelos principais bancos centrais do mundo. Por outro lado, se a inflação estiver elevada e houver estímulo à criação vagas, os preços vão subir ainda mais e desestruturar a economia. O próprio mercado de trabalho será atingido.

— De forma alguma há ilegalidade. A missão número um é garantir a estabilidade do poder de compra da moeda. Há todas as ferramentas de política monetária e todo o perfil técnico para analisar todas as variáveis e tomar uma decisão crível para que essa missão seja atendida. Quando o presidente Lula fala algo desse tipo, é o [discurso] político sobrepondo o técnico — argumenta o economista Diego Hernandez, CEO da Ativo Investimentos.

O artigo IV da lei estabelece que a destituição pode ocorrer quando houver "comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil". Mas seria preciso aprovação por maioria simples no Senado. Nos últimos dois anos, de fato, a inflação estourou o teto da meta. Mas houve eventos extraordinários no período. Primeiro, a pandemia de covid-19, em 2021, e depois a guerra na Ucrânia, em 2022.

No Palácio do Planalto e até mesmo entre líderes do governo no Congresso, a avaliação é de que os ataques do presidente a Campos Neto vão continuar, mas que não há clima para se tentar a destituição do presidente do Banco Central. Diversos interlocutores da base governista, em conversas com O GLOBO, avaliam que não há votos suficientes no Senado. O resultado poderia ser um tiro no pé do governo, que acabaria, em caso de derrota, por fortalecer no cargo o próprio presidente do Banco Central.

Outro ponto a se entender da lei é que a autonomia operacional do BC garantiu a Campos Neto mandato até o fim de 2024. Mas, apesar de ser o chefe da autarquia, ele não tem voz final sobre os votos dos oito membros do Comitê de Política Monetária (Copom) - que decidem em conjunto sobre a taxa básica de juros a cada 45 dias.

Os membros podem votar como acharem conveniente, de acordo com apresentação técnica encabeçada pelas principais diretorias da área: política monetária e política econômica. Hoje, os titulares são respectivamente Bruno Serra Fernandes (que Lula já pode substituir desde o final de fevereiro) e o Diogo Abry Guillén (com mandato até o fim de 2025).

As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência (de efeito da política monetária) estão em 5,8% para 2023 e 3,6% para 2024. Houve piora em relação ao comunicado de fevereiro, que considerava uma inflação projetada em 5,6% para 2023 e 3,4% para 2024.

— Não há sinalização do início de corte de juros no comunicado (de quarta-feira), pelo contrário, continua a preocupação com a inflação e aumento das projeções. O Comitê deixa claro que irá continuar com sua estratégia até que se consolide o processo de desinflação e ancoragem das expectativas — avalia Patrícia Krause, economista-chefe da Coface na América Latina.

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