País tem gastado R$ 18,8 bilhões com doenças e perda de produtividade devido a consumo de álcool
Só em hospitalizações, os custos chegam a R$ 1,1 bilhão. Conclusão é de um estudo inédito da Fiocruz
Pesquisas recentes mostraram que o consumo de álcool, em qualquer quantidade, está diretamente associado a pelo menos 24 doenças, como câncer, problemas cardiovasculares, no sistema digestivo, além de mortes prematuras por acidentes e violência.
Um levantamento inédito feito por pesquisadores da Fiocruz, que está sendo divulgado nesta terça-feira, dia 5, trouxe uma nova abordagem econômica sobre o tema e revelou que as doenças, perda de produtividade no trabalho e absenteísmo, além de internações e custos ambulatoriais, atribuídos ao consumo de álcool, custaram ao Brasil R$ 18,8 bilhões em 2019, entre gastos diretos e indiretos.
Segundo o levantamento, no Brasil, foram 12 óbitos por hora em mortes atribuíveis ao álcool, com base em dados da Organização Mundial da Saúde ( OMS), totalizando 104,8 mil mortes no país naquele ano.
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Os homens foram as principais vítimas e representaram 86% total das mortes. Quase a metade dos óbitos teve como causa doenças cardiovasculares, acidentes e violência. Já as mulheres responderam por 14% das mortes também por problemas cardiovasculares, e por diversos tipos de câncer (mama, esôfago, fígado, reto), entre outros.
— O que preocupa é que o levantamento mostrou que vem crescendo o consumo de álcool entre as mulheres e jovens. E o impacto econômico revelado para o Estado, apesar de alto, é na verdade conservador. Não estão incluídos os gastos da rede privada de hospitais, nem os custos que estados e municípios têm com o problema — diz Eduardo Nilson, pesquisador da Fiocruz, responsável pelo levantamento.
O estudo é baseado em dados oficiais de fontes públicas, como os dados relativos ao SUS e pesquisas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e considera apenas os gastos da União.
Cifra é conservadora
O pesquisador lembra que há também fatores que não se pode mensurar, como problemas de saúde mental das pessoas, que têm impacto econômico no trabalho e na sociedade, provocando mais gastos. Portanto, a conclusão é que embora os R$ 18,8 bilhões seja uma cifra expressiva, o custo real do consumo de álcool para a sociedade brasileira é provavelmente muito maior.
— Nos demais países, o custo dos problemas trazidos pelo consumo de álcool representa 1% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no Brasil o número ficou em 0,25% do PIB de 2019, segundo o levantamento, o que mostra que é uma cifra conservadora — diz Pedro de Paula, diretor-executivo da Vital Strategies, organização global de saúde, que trabalha com governos e a sociedade civil, no enfretamento de problemas de saúde pública e que encomendou o estudo.
A Vital Strategies recomenda, no caso brasileiro, a adoção de medidas como o imposto seletivo sobre bebidas alcoólicas que será implementado com a reforma tributária.
O texto da reforma prevê que produtos prejudiciais à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas, além de produtos maléficos ao meio ambiente, como carros, sejam sobretaxados. Essa também é uma das ações recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para tentar reduzir o consumo de álcool e seu impacto econômico negativo.
Só de custos diretos com hospitalizações e procedimentos ambulatoriais no Sistema Único de Saúde (SUS) foram gastos R$ 1,1 bilhão pelos cofres públicos, de acordo com o levantamento. Os gastos indiretos calculados com perda de produtividade pela mortalidade prematura, licenças, aposentadorias precoces, perda de dias de trabalho, por internação e licença média, chegaram a R$ 17,7 bilhões.
Os recursos de Previdência, por exemplo, utilizados naquele ano somaram R$ 47,2 milhões, sendo R$ 37 milhões com homens (78%) e R$ 10,2 milhões com mulheres (22%).
As mulheres responderam por 20% do total de gastos do SUS com a hospitalização. Isso porque elas consomem menos álcool que os homens, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019). Outra razão, segundo o pesquisador, é que elas procuram mais os serviços de saúde e realizam o autocuidado, como exames de rotina, sendo tratadas antes que que as complicaçoes de saúde se agravem.
Nos gastos ambulatorias, os homens responderam por 51,6% (R$ 115,6 milhões) enquanto as mulheres chegaram a 48,4% do total (R$ 108,3 milhões), o que comprova a tese de que elas procuram mais o atendimento médico, mesmo consumindo menos álcool, diz o pesquisador. A busca por atendimento ambulatorial ocorre mais por pessoas entre 40 e 60 anos.
Mulheres estão aumentando consumo
O que trouxe preocupação aos pesquisadores é que dados doVigitel, sistema de monitoramento de fatores de risco do Ministério da Saúde, mostram que está aumentando o consumo de álcool entre as mulheres. Entre 2006 e 2023, a ocorrência de consumo abusivo (quatro ou mais drinques em uma mesma ocasião) quase dobrou no sexo feminino.
A tendência de aumento de consumo entre elas também é comprovada pela PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde Escolar) de 2019, que mostra que enquanto 60% dos adolescentes do sexo masculino já tinham experimentado álcool antes dos 17 anos, 67% das meninas já tinham tido o comportamento no mesmo período.
— Essa mudança comportamental traz um sinal de alerta nos impactos para saúde dos brasileiros e em custos aos cofres públicos. É preciso frear esse crescimento estimulado por mudanças culturais e pelo próprio esforço da indústria de bebidas em deixar seus produtos com um apelo mais unisex — afirma Pedro de Paula, lembrando que uma campanha publicitária alertando sobre os riscos do consumo de álcool e seus impactos ao Estado começa ser veiculada nesta terça.
A pesquisa dá subsídios à segunda fase da campanha "Quer uma dose de realidade?", que a Vital Strategies e a ACT Promoção da Saúde vão iniciar, e que tem como objetivo sensibilizar a sociedade sobre os malefícios do álcool, mas também os políticos para que o imposto seletivo sobre bebidas alcoólicas seja regulamentado na reforma tributária. Se o país cumprir o compromisso de reduzir em 20% o consumo de álcool até 2030, pelo menos 15 mil mortes poderão ser evitadas por ano no Brasil, lembra Pedro de Paula.