Pesquisa inédita do IBGE mostra que Brasil tem 2,1 milhões de trabalhadores por aplicativo
Jornada é maior e ganho por hora é até 37% menor em relação aos que prestam o mesmo tipo de serviço fora das plataformas
Homem, com ensino médio completo ou superior incompleto, com idade entre 25 e 39 anos. Longas jornadas de trabalho - 46 horas por semana, contra uma média de 39,5 horas dos demais trabalhadores brasileiros. E um rendimento que chega a ser 37% menor do que quem trabalha, na mesma função, mas sem ser em aplicativos.
Pela primeira vez, o IBGE fez um levantamento dos brasileiros que trabalham para aplicativos, e encontrou 2,1 milhões de trabalhadores que obtêm sua principal fonte de renda nessas plataformas.
Desse total, 1,5 milhão atua como motoristas de serviços de passageiros ou entregadores de comida e produtos. São homens em sua imensa maioria (81,3%), com escolaridade elevada (61,3% têm ensino médio completo ou superior incompleto) e jovens (48,4% têm entre 25 e 39 anos).
O levantamento usa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), do IBGE, numa cooperação com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT), e foi divulgado nesta quarta-feira (25).
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Os dados apontam que os chamados trabalhadores "plataformizados" já representam 2,4% da força de trabalho brasileira. A pesquisa exclui o setor público e os militares, considera apenas os trabalhadores do setor privado, tanto no mercado formal como informal.
Considerando a renda média mensal (R$ 2.645), os trabalhadores plataformizados ganham, em média, 5,4% a mais que o restante da população ocupada (R$ 2.510). Mas as jornadas são mais longas do que a média dos demais trabalhadores do setor privado.
Ganho menor por hora
Assim, considerando a renda por tempo de trabalho, quem atua por aplicativo recebe R$ 13,30 por hora trabalhada - contra R$ 14,60 dos demais.
E o ganho por hora chega a ser 37% inferior ao de trabalhadores ocupados na mesma função fora das plataformas. É o que ocorre com os entregadores, que ganham em média R$ 8,70 por hora nas plataformas. Quem trabalha com entrega em outros serviços, sem ser via apps, tem ganho maior, de R$ 11,90.
No caso dos motoristas de passageiros, o ganho médio por hora é de R$ 11,80 nas plataformas. Os motoristas que não têm esses apps como fonte principal de renda, recebem remuneração média de R$ 13,60 por hora trabalhada. Ou seja, os trabalhadores "plataformizados" ganham em média 15% a menos.
Longas jornadas
Segundo o IBGE, quem depende das plataformas tem, em média, uma jornada semanal com 6,5 horas a mais que a dos demais trabalhadores brasileiros, formais e informais, do setor privado. São em média 46 horas por semana.
Aos 55 anos, Julio César Ribeiro, trabalha todos os dias das 11h às 22h pedalando sua bicicleta para fazer entregas. Ele começou a atuar como entregador de aplicativo em abril de 2022, após dois anos desempregado. Morador do Andaraí, na Zona Norte do Rio, ele conta que lida diariamente com o medo de ser atropelado.
"Tem pessoas que fazem maldade, jogam o carro em cima. A gente fica muito vulnerável. Se cair e quebrar a perna e tiver que ficar dois meses sem trabalhar, você não ganha nada. E é muito sacrifício, não tem hora de comer de beber água, para ir ao banheiro é uma loucura. A gente ganha por entrega, se você não entregar, você não ganha."
Ele relata ganhar entre R$ 80 e R$ 100 por dia, mas que este valor varia conforme sua avaliação no aplicativo. Por isso, continua procurando um emprego de carteira assinada, para ter mais estabilidade.
"Se o cliente te dá uma avaliação negativa, a plataforma não te chama pra entregar. E é muito sacrifício, às vezes as pessoas acham que você é obrigado a ir até a porta entregar pra elas, aí tem que entrar no prédio, trancar a bicicleta, procurar o bloco, ir lá no último andar. E gastando todo esse tempo, você faz menos entregas e ganha menos dinheiro. Eu ganho R$ 6,50 por entrega. Teve um dia que meu score estava ruim e em dez horas trabalhando eu só fiz duas entregas. Só recebi R$ 13 nesse dia. É um trabalho covarde, a realidade é muito dura" lamenta ele.
Chama atenção a parcela muito pequena de trabalhadores que contribuem para a Previdência: apenas 35,7% dos que atuam em plataformas têm essa proteção social, contra 61,3% no caso dos demais brasileiros que trabalham no setor privado formal e informal do país.
O estudo mapeou também o grau de dependência dos trabalhadores em relação às plataformas, a partir de critérios como autonomia na definição do prazo e valor a ser recebido por tarefa realizada e na escolha dos clientes atendidos.
Controle de jornada e remuneração
Em relação à remuneração, 97,3% dos motoristas de aplicativo afirmaram que o valor é definido pela plataforma.
Já em relação aos prazos, 80% dos entregadores, 67,5% dos motoristas e 62,3% dos trabalhadores em aplicativos de táxi relataram que a plataforma determina o tempo em que a entrega ou corrida deve ser concluída.
Segundo o estudo, "ainda que, na grande maioria dos casos, não sejam estabelecidos vínculos empregatícios formais com as empresas que controlam tais aplicativos, há evidências de certo grau de dependência desses trabalhadores".
"Autonomia limitada"
No quesito jornada, entre os motoristas, 63,2% afirmaram que esta é influenciada por meio de incentivos, bônus ou promoções que mudam os preços, enquanto 42,3% disseram que ameaças de punições ou bloqueios realizados pela plataforma também influenciam. Ainda assim, 83,8% desses trabalhadores afirmaram ter a possibilidade de escolha de dias e horários de forma independente.
"Os dados revelam, portanto, autonomia e controle limitados sobre o exercício do próprio trabalho, sobretudo para os trabalhadores plataformizados dos setores de transporte particular de passageiros e de entrega", comentaram os pesquisadores.