Por 'segurança nacional', EUA já discutem crédito para 5G no Brasil, diz embaixador
A ideia é evitar que empresas chinesas como a Huawei forneçam equipamentos às operadoras de telefonia brasileiras
Os Estados Unidos já discutem com o governo brasileiro e com empresas nacionais o financiamento para compra de equipamentos da Ericsson e da Nokia para a infraestrutura da rede 5G no Brasil. Segundo o embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, esse tipo de financiamento é do interesse da "segurança nacional" dos EUA.
A ideia é evitar que empresas chinesas como a Huawei forneçam equipamentos às operadoras de telefonia brasileiras, para que seja possível "proteger os dados e a propriedade intelectual, e também as informações sensíveis das nações".
O financiamento se daria através do International Development Finance Corporation, banco de fomento criado pelo presidente Donald Trump no final de 2018, que age como contraponto à iniciativa Cinturão e Rota da China e o crédito do Banco de Desenvolvimento da China para obras de infraestrutura em outros países.
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Chapman argumenta que permitir empresas chinesas na estrutura de 5G do país poderia, inclusive, inibir investimentos de outras companhias estrangeiras. "Quem quer fazer investimentos em países onde sua informação não vai ser protegida?".
PERGUNTA - O presidente Donald Trump anunciou que, para a próxima reunião do G7, que terá os EUA como anfitriões, ele convidaria Índia, Coreia do Sul, Rússia e Austrália para participar. Posteriormente, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ter falado com Trump por telefone sobre a participação do Brasil em um G7 ampliado. Qual é o significado dessa reunião ampliada? E o Brasil está convidado?
TODD CHAPMAN - O calendário está tendo muitas mudanças, o governo americano ainda está vendo exatamente como vai ser a reunião do G7 deste ano. As ideias da Casa Branca estão evoluindo, o presidente Trump já falou publicamente, vamos ver exatamente como será o cenário para o G7, quem será convidado. A situação é fluida, mas o que é importante é que os nossos presidentes estão falando, e isso é muito bom. Nós queremos que Brasil seja parte das grandes conversas que estamos tendo no mundo.
P - Há relatos de que o Brasil estaria interessado em lançar um diálogo trilateral com Japão e EUA, iniciativa que teria sido sugerida pelo governo japonês no ano passado. O senhor poderia falar um pouco sobre isso?
TC - Nós temos conversas em vários formatos com aliados no mundo inteiro. Por exemplo, temos o Quad [Diálogo Quadrilateral de Segurança] com Japão, Índia e Austrália. Queremos maneiras de ampliar as conversas com nossos aliados e queremos incorporar mais e mais o Brasil em nossas estratégias mundiais, em nossas ideias de como os países com visões de mundo semelhantes podem avançar juntos. O Brasil faz parte de nossa ideia de que os países com visões de mundo semelhantes devem trabalhar juntos, cada vez mais.
P - Várias dessas conversas não incluem a China. Um dos objetivos é discutir como esses países com mesma visão de mundo podem se posicionar em relação à expansão da influência da China?
TC - Temos vários foros para conversas diferentes. Falamos com Japão, Austrália, Inglaterra, e isso não envolve a China, a China comunista. Quando falamos de economias abertas, liberdade de religião, liberdade de expressão, direitos humanos, a China não tem os mesmos princípios e valores que nossos aliados têm.
P - Como o senhor e o governo americano estão vendo a trajetória da pandemia no Brasil?
TC - Qual é o nível de preocupação e como os senhores podem colaborar? Tem sido um grande desafio para o Brasil, como tem sido para os EUA, esse inimigo invisível que está causando tantas mortes. Já falamos muitas vezes sobre nossa preocupação sobre a falta de transparência da China. Nós queremos ser um parceiro para o Brasil nesta pandemia. Por isso, já anunciamos mais de US$ 12,5 milhões [cerca de R$ 62,5 milhões], incluindo mil respiradores. Os EUA devem entregar a primeira remessa de 200 ventiladores em breve. Tenho muito orgulho do nosso setor privado no Brasil que já contribuiu com mais de US$ 40 milhões de ajuda [cerca de R$ 200 milhões]. Mas claro que a situação continua muito séria, quando ainda há tantas pessoas sendo infectadas por esse vírus, é muito preocupante.
P - Há alguma previsão de quando será liberada a entrada nos EUA de pessoas que tenham estado no Brasil?
TC - Não há previsão. A proibição ainda vale para muitos lugares. É para proteção da saúde no nosso país e é muito similar à medida que está em vigor no Brasil.
P - O International Development Finance Corporation tem alguma conversa para financiar vendas de equipamentos da sueca Ericsson para a infraestrutura de 5G no Brasil?
TC - DFC é uma organização fantástica, com capital de US$ 60 bilhões [R$ 298 bilhões]. Antes ela só podia financiar projetos de empresas americanas, mas a lei mudou, e agora financia projetos de interesse nacional dos EUA. Isso abre possibilidade para empresas de outros países que os EUA queiram ajudar. E isso possibilita que a Ericsson e a Nokia recebam financiamento nos projetos de 5G, incluindo aqui no Brasil.
P - Já existem conversas sobre isso no Brasil, com o governo ou operadoras de telefonia?
TC - Já houve algumas conversas no Brasil, inclusive com a minha participação. E isso também está acontecendo em outras partes do mundo, não é só no Brasil que queremos trabalhar com Ericsson e Nokia.
P - Até agora, quais foram os países que vetaram o uso de equipamentos da Huawei na infraestrutura de 5G?
TC - Austrália, Dinamarca acaba de anunciar que não vai usar nenhum produto chinês, Japão... mais e mais países estão chegando a essa decisão. As grandes operadoras do Canadá anunciaram que não vão usar equipamento da China. Cada vez mais países estão percebendo que esse não é um assunto comercial, é um assunto de segurança nacional e da segurança da própria economia.
Não temos de esconder os fatos usando palavras diplomáticas: a China comunista tem o hábito de roubar propriedade intelectual, isso já é bastante conhecido, não é novidade. É importante [impedir equipamentos da China] para proteger os dados e a propriedade intelectual, e também as informações sensíveis das nações.
Existe uma lei na China que determina que empresas chinesas são obrigadas a entregar informações ao Partido Comunista. Por isso estamos compartilhando essas informações com o Brasil e mostrando nossa preocupação, como um bom aliado. Mas também anunciamos no final de abril no Departamento de Estado uma iniciativa que estamos chamando de 5G Clean Path - qualquer instalação diplomática dos EUA não pode ter serviços de operadoras que estão usando equipamento no qual a gente não confia. Começa a vigorar em 1o de agosto.
Vamos ver mais e mais empresas, governos e embaixadas fazendo a mesma coisa. Quem quer que sua informação fique desprotegida? Eu já ouvi declarações, mesmo aqui no Brasil, de que vão garantir a segurança. Não pode, é a lei da China, a Huawei tem que entregar informação. Essa é a realidade, por isso estamos dando tanto ênfase. Mas, no final, são empresas governos e consumidores que vão fazer a sua escolha. Nós já fizemos a nossa, mais e mais países estão fazendo a mesma escolha, para proteção da sua própria economia e o impacto que isso vai ter nos futuros investimentos. Quem quer fazer investimentos em países onde sua informação não vai ser protegida? Tem que pensar nisso.
P - Isso afetaria a disposição de empresas americanas fazerem investimentos no Brasil?
TC - Tudo isso tem impacto no clima de investimentos no país. Falei com uma empresa hoje, que está decidindo onde instalar sua divisão de pesquisa na América Latina. As empresas levam em conta as leis da propriedade intelectual e também as leis para proteção de dados. Tudo isso tem um impacto econômico no futuro do país. Espero que tenhamos, aqui no Brasil, uma decisão que vai satisfazer seu interesse nacional, econômico e de segurança nacional.
P - O Brasil tem projeções muito ruins de PIB, com queda mais acentuada do que muitos países neste ano, e desemprego. Como está a disposição das empresas americanas de investirem ou manterem investimentos no Brasil?
TC - Há duas visões. Os que estão aqui estão tentando fazer o melhor que podem, antecipando que haverá uma queda no PIB do Brasil. Estão estudando qual vai ser o impacto nos resultados financeiros da empresa, avaliando se a recuperação virá rapidamente ou não. Mas, ao mesmo tempo, já recebi muitas ligações e e-mails de grandes fundos de investimento dizendo que este é o momento para fazer grandes investimentos na infraestrutura, ou pensando em fazer aquisições, porque está barato. Com o dólar a R$ 5 em vez de R$ 3,5, talvez este seja o momento. Esse é nosso papel na embaixada e consulados dos EUA: tentar identificar oportunidades e fazer ligações com esses investidores. Todas as semanas, estamos fazendo videoconferências com empresas americanas sobre temas diferentes - uso do espaço, mineração, energia. vamos continuar fazendo esse tipo de promoção para que, quando sairmos da crise pós-pandemia, existam acordos e os governos e o setor privado estejam prontos para maximizar essas oportunidades.
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Raio-x Todd Chapman, 58, é embaixador dos Estados Unidos no Brasil desde abril de 2020. Durante sua carreira, o diplomata já serviu nas embaixadas dos EUA no Afeganistão e em Moçambique, além de ter passado por postos na Bolívia, na Costa Rica, na Nigéria e em Taiwan.