'Preço do diesel mostra que governo quer ônibus lotado e serviço ruim', diz associação do setor
A escalada do diesel também provoca reclamações de caminhoneiros. Parte dos motoristas ameaça realizar uma nova greve a partir do dia 1.º de novembro
A escalada do preço do óleo diesel virou motivo adicional de preocupação para as operadoras de ônibus urbanos no Brasil, que amargaram queda na demanda durante a pandemia.
Na quinta-feira (28), a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), que representa o setor, emitiu um posicionamento no qual faz críticas ao governo federal e à política de preços dos combustíveis em vigor no país.
"Preço do diesel mostra que governo quer ônibus lotado e serviço ruim", diz o comunicado.
A política adotada pela Petrobras leva em conta a variação da taxa de câmbio e das cotações do petróleo no mercado internacional. Essa estratégia é vista com bons olhos pelo mercado financeiro, que enxerga uma tentativa de equilíbrio nas finanças da estatal.
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"A omissão do governo federal frente aos sucessivos reajustes do óleo diesel, insumo que representa em média 26,6% do custo do transporte público coletivo, está forçando a insolvência das empresas operadoras e o colapso dos sistemas de transporte público organizado em todo o país", diz a NTU.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto.
Segundo a entidade, o setor amarga um prejuízo acumulado de pelo menos R$ 17 bilhões durante a pandemia. O quadro reflete sobretudo as restrições geradas pela Covid-19.
"A situação é de calamidade", afirmou o presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha, em entrevista à Folha na segunda-feira (25).
Conforme a entidade, houve redução de 51,1% na quantidade de viagens realizadas por pgassaeiros pagantes em 2020 frente a 2019, considerando as médias dos meses de abril e outubro de cada ano.
Além disso, o preço do diesel engatou a escalada no país. O reajuste mais recente, de 9,1%, foi anunciado pela Petrobras na segunda.
Com a medida, o combustível passou a acumular alta neste ano de cerca de 65% nas refinarias da estatal. De acordo com a Petrobras, o aumento refletiu a elevação das cotações internacionais do petróleo e da taxa de câmbio.
"A política de preços dos combustíveis está ajudando a asfixiar o paciente que é o transporte público", disse Cunha.
No comunicado divulgado nesta quinta, a NTU afirma que, em razão da alta no diesel, "as operadoras não terão outra opção além de acionar as cláusulas de reajuste tarifário e reequilíbrio dos contratos de concessão para evitar a suspensão da prestação dos serviços".
"Tal suspensão representaria grave prejuízo para toda a população, que seria privada dos serviços públicos organizados de transporte e passaria a depender do transporte clandestino e irregular, muitas vezes operado pelo crime organizado", emenda.
A escalada do diesel também provoca reclamações de caminhoneiros. Parte dos motoristas ameaça realizar uma nova greve a partir do dia 1º de novembro.
"A situação exige que os poderes públicos locais -estados e municípios- cumpram com sua responsabilidade e reestabeleçam o equilíbrio econômico-financeiro dos sistemas de transporte público; e que o governo federal adote, com urgência, uma política de preços para os combustíveis que garanta um mínimo de previsibilidade e estabilidade, que não fique simplesmente à deriva das variações cambiais e das cotações das commodities", aponta a NTU.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu, nesta quinta, um "viés social" para a Petrobras e afirmou que a empresa deveria lucrar menos. No terceiro trimestre de 2021, a companhia teve lucro de R$ 31,1 bilhões, conforme balanço apresentado nesta quinta.
À Folha de S.Paulo, Cunha disse não enxergar no curto prazo uma solução definitiva para a crise do setor de ônibus urbanos. A esperança, segundo ele, viria da criação de um marco legal para o transporte público.
Na visão do dirigente, a medida poderia dar forma a subsídios que ajudassem a cobrir parte das tarifas de ônibus, especialmente para as camadas da população com renda menor.
"Com o marco legal, o governo federal poderia recomendar aos municípios a constituição de fundos públicos", relata.
"Os recursos desses fundos buscariam garantir uma remuneração justa dos serviços de transporte e a capacidade de pagamento da tarifa pelos usuários."
Para o economista Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, medidas para o setor de ônibus devem ser avaliadas em conjunto com outros modais. Nesse sentido, o analista considera adequada a criação de um marco legal para a área de mobilidade urbana.
"É preciso modernizar vários pontos, considerar o âmbito metropolitano, a integração intermodal e intramodal, o bilhete único [...]. A criação de subsídios, desde que seja inteligente, faz sentido para mim. Não pode ser algo horizontal. Precisa olhar para a renda das pessoas", afirma.
"Acho que, neste governo, um marco legal não é mais possível. O governo a ser eleito na próxima eleição deveria ter na sua agenda essa discussão sobre a mobilidade urbana", acrescenta.
Marcus Quintella, diretor do centro de estudos FGV Transportes, também destaca que o transporte de ônibus urbanos precisa ser pensado em integração com outros modais, como trens e metrô, nas metrópoles brasileiras.
Ele pondera que as restrições fiscais de governos e prefeituras dificultam subsídios maiores.
"Muitas vezes, nas capitais, as linhas de ônibus não têm abrangência. Não é possível ir a determinadas regiões. O ônibus urbano deve ser complementar a outros modais. É isso que precisa ser trabalhado. Não há uma solução imediata."