Preços sobem na feira mesmo com inflação em queda; entenda
Segundo economistas, os preços dos alimentos são livres e estão sujeitos ao clima e à sazonalidade
Pai de três filhos pequenos, o mecânico Evandro André de Barros, de 39 anos, circula toda semana de bicicleta em bairros do Recife para entrar em vários supermercados e ver o preço mais em conta dos alimentos. Ele vai atrás de valores para saber onde comprar mais barato. No entanto, Evandro conta que não está mais conseguindo encontrar bons preços. Para ele, “está tudo muito caro em todos os lugares”.
Ao sair com poucas sacolas de um supermercado na Zona Norte do Recife, Evandro se mostrou preocupado com os altos preços. “Eu vou fazer o que? Tem que comprar mesmo porque meus filhos precisam de comida. Se hoje eu fosse fazer uma compra mesmo, seria mais de mil reais. Se antes eu comprava uma caixa fechada de leite para meus filhos, agora eu compro algumas unidades”, contou Evandro.
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Ele ainda demonstrou surpresa com o aumento dos alimentos em tão pouco tempo. “Em uma semana já sobe muito. Antes, eu comprava uma bandeja de ovos por R$ 12 e agora está mais de R$ 20. Tudo está subindo e o nosso dinheiro estacionado”, disse Evandro, ao contar que sua esposa não trabalha porque precisa ficar em casa cuidando dos filhos.
Essa é a realidade de milhões de brasileiros. Comprar comida passou a ser um desafio. Se olharmos para os números, vamos entender. Apesar do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – inflação oficial do país – apresentar uma queda de 0,68% em julho, a inflação anual está acima dos dois dígitos há 11 meses seguidos. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado dos últimos 12 meses, a inflação registrou 10,07%. No ano, a inflação acumulada é de 4,77%.
Os alimentos não caem
Ao observar os grupos, a inflação de julho para alimentos e bebidas foi de 1,30%, o que representa alta de preços. Mas dois grupos apresentaram deflação, transportes (-4,51%) e habitação (-1,05%), o que explica a deflação no indicador geral, enquanto a feira está mais cara. O IPCA negativo é explicado pela queda nos preços dos combustíveis, em particular da gasolina, e da energia elétrica. Essa queda foi ocasionada a partir da medida de redução nas alíquotas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pela Lei Complementar 194/2022, de junho deste ano.
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), Matheus Peçanha, explica que há dois anos todas as cadeias forçaram uma inflação forte, e não foi diferente com os alimentos. “No caso dos alimentos, os custos diretos foram muito impactados por problemas climáticos, como geadas e chuvas, o que atrapalhou tanto as lavouras temporárias como as permanentes. Por isso, o consumidor sofreu com preço do arroz, milho, feijão e outros itens”, situou.
Mesmo com a redução de tributos no combustível e na energia elétrica, que são pesos importantes para a cadeia dos alimentos, a medida não foi suficiente para a redução nesses preços. “Estamos saindo do inverno, que é tradicionalmente a entressafra de muitos produtos agrícolas, como o leite e hortifrutis. Esses produtos sofrem com o inverno. O leite, por exemplo, tem uma cadeia mais longa, que demora a sentir a redução, além de ainda não haver condição favorável de pastos para a indústria leiteira, sobretudo no Centro-Oeste e no Sul do País”, analisou Matheus Peçanha. Além disso, esse período aumenta a necessidade de ração e os setores mais dependentes das cadeias de produção têm sofrido mais por causa da recessão global, que resultou em insumos mais caros.
O economista da Búzios Consultoria, Rafael Ramos, aponta que um dos motivos para que os alimentos não tenham queda nos preços é o fato de fazerem parte do grupo de produtos com preços livres, os quais não podem sofrer interferências.
“A gente vive um quadro inflacionário, que em relação a alimentos, é mundial. A queda do IPCA é ligada a preços administrados, e não aos preços livres que existem no indicador. Temos essa deflação em relação aos administrados porque eles são segurados ou até mesmo reduzidos em momentos próximos de eleição”, disse Rafael Ramos.
De acordo com a gerente de planejamento e gestão do IBGE em Pernambuco, Fernanda Estelita, a deflação registrada pode ser considerada artificial, já que foi ocasionada por fatores impostos. “A partir de julho, vimos até uma deflação, mas, de uma forma geral, essa deflação é artificial porque foi através de um decreto que reduziu alguns impostos e tem impacto imediato, mas não deve permanecer reduzindo ao longo do período”, contou Estelita.
Para se ter uma ideia do impacto no orçamento das famílias, a pesquisa de preços de itens da cesta básica feita pelo Procon-Pernambuco vem apontando, mensalmente, as altas nos valores. Um dos itens muito presentes nas casas dos brasileiros, o ovo teve aumento significativo. Pelo levantamento, na Região Metropolitana do Recife, a bandeja com 30 unidades de ovos tinha valor médio de R$ 15,12 em janeiro. Em agosto, ela está por R$ 20,69, em média. Um pacote de 200g de leite em pó integral estava por R$ 5,37, em média, no mês de janeiro. Já em agosto, o preço médio apresentado foi de R$ 7,72. Em julho, a cesta básica subiu 0,82%. De janeiro a agosto, soma 16,64%.
Os pobres sentem mais
Fernanda Estelita declara que, mesmo com alguma queda nos indicadores, a renda das famílias não aumenta e permanece sendo comprometida. “Nem todas as famílias vão perceber isso, mas as com renda mais baixa observam a conta aumentando, apesar da deflação. Ela não vê a renda aumentando. Mas o que ela comprava mês passado com um valor, quanto ela volta, os preços estão diferentes, aumentaram. Quando temos uma família de baixa renda, ela gasta uma parcela maior. Se uma tem um rendimento de R$ 1 mil e outra de R$ 5 mil, proporcionalmente a de menor orçamento gasta muito mais com alimentação. Então quando a comida aumenta de preço, ele é muito mais sacrificado”, destacou Fernanda.
O economista Rafael Ramos, conta que a deflação ocasionada por outros fatores impacta mais positivamente as famílias mais ricas. “Para os mais ricos é benéfico porque acaba sobrando mais renda disponível, mas para o mais pobre o cenário positivo demora a chegar, porque depende de uma cadeia que na ponta vai ter centavos menores porque não teve um custo com um deslocamento. Na classe mais rica fica uma renda disponível maior e a classe mais pobre fica impactada, existindo duas percepções para a situação”, acrescentou.