'Quer se tornar um especialista de cripto certificado? Pergunte-me como'
Com poucas horas e muito dinheiro, cursos prometem certificação. Especialistas, no entanto, ressaltam que é preciso estar atento a possíveis esquemas fraudulentos
Quem deseja passar nos exames de analista financeiro certificado e colocar as sonhadas letras "CFA" (pela sigla em inglês) no currículo precisa, pelo menos, de 900 horas de estudo. Já para se tornar um contador público certificado (ou CPA, em inglês), é aconselhável estudar de 300 a 400 horas. Mas se você quiser se tornar "especialista de cripto certificado" (ou CCE, em inglês), tudo o que você precisa são de US$ 229 e 11 horas de curso online oferecido pelo Conselho Blockchain.
Se você ainda achar que isso é muito tempo, pode obter um "certificado em criptomoedas e blockchain" em outro lugar, com apenas quatro horas de curso. Basta passar em um teste de 20 perguntas e desembolsar US$ 795.
A falta de uma credencial profissional amplamente reconhecida na indústria de criptomoedas abriu uma lacuna que várias organizações tentam preencher, e o aumento do valor do Bitcoin este ano está aumentando o interesse por elas. Mas, assim como acontece com muitas coisas no mundo cripto, há dúvidas sobre o que exatamente — se é que algo — vale o investimento.
O fato de muitas universidades estarem atrasadas em oferecer cursos sobre o assunto acaba contribuindo para a proliferação de programas online de certificação em cripto, avalia o professor de finanças da Universidade Duke, Campbell Harvey.
— Muitos perceberam essa brecha e estão oferecendo "certificações" — diz Harvey, que estuda mercados de ativos digitais. — Mas os estudantes precisam estar cientes de que algumas dessas certificações são apenas truques para pegar dinheiro. Comprador, cuidado.
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A Bloomberg enviou e-mails ao Conselho Blockchain em busca de comentários, mas não obteve retorno. Ligações repetidas para o número de telefone em seu site também não foram atendidas. A ACAMS, que oferece certificação em criptomoedas e blockchain, de US$ 795, não respondeu aos e-mails.
Em pelo menos um caso, um curso de cripto foi diretamente ligado a um suposto golpe. A Securities ans Exchange Commission (SEC, o órgão regulador do mercado de capitais nos Estados Unidos) anunciou no mês passado um acordo com Brian Sewell, fundador de um curso de negociação online chamado American Bitcoin Academy.
A SEC afirma que Sewell enganou 15 alunos, que perderam, ao todo, mais de US$ 1 milhão, ao persuadi-los a investir em um fundo de hedge falso. Sewell não respondeu aos pedidos de comentário.
Com Bitcoin em alta, cresce o interesse em cursos de cripto
À medida que o preço do Bitcoin registrou níveis recordes este ano, houve um aumento no interesse em cripto por parte de investidores individuais e institucionais — e, com isso, um salto nas buscas na internet por "certificação em cripto", de acordo com dados do Google Trends.
Questionado sobre as várias certificações disponíveis, um representante da associação Coin Center disse que não estava familiarizado com nenhuma delas e que isso "mostra tudo o que você precisa saber".
Empresas se dividem entre dar ou não importância às certificações
Alguns grandes empregadores do setor cripto também não dão muita importância às certificações.
Um porta-voz da Coinbase, a maior bolsa de cripto dos EUA, afirma que a empresa busca "experiência e conquistas notáveis no espaço cripto, mais do que certificações." A Coinbase, acrescentou, valoriza "a paixão e a curiosidade por cripto", pois oferece educação interna para aprimorar as habilidades das pessoas.
Ainda assim, alguns empregadores estão encontrando valor em certos certificados. A Bitwise Asset Management teve mais de 20 funcionários obtendo a certificação do Conselho de Profissionais Financeiros em Ativos Digitais desde 2021, como "uma ótima maneira de garantir que eles comecem com uma base sólida de conhecimento em cripto", disse Matthew Hougan, diretor de Investimentos da Bitwise, que foi uma das empresas a lançar um novo ETF (exchange-traded fund, fundo de índice negociado em Bolsa) de Bitcoin.
As consultas sobre os cursos de certificação do Conselho de Profissionais Financeiros em Ativos Digitais (DACFP, pela sigla em inglês) aumentaram até 30% desde o início de ano, à medida que o primeiro lote de ETFs que investe diretamente em Bitcoin foi aprovado nos EUA, disse Ric Edelman, fundador da Edelman Financial Engines.
— Até agora, milhares fizeram o curso — disse Edelman.
Ele disse que o DACFP se diferencia de outros cursos de certificação, pois não se restringe a falar de blockchain e cripto, mas também sobre entender os aspectos de planejamento financeiro, tributação e planejamento patrimonial de criptoativos.
Para essa nova onda de consumidores entrando em cripto, o desafio será separar o joio do trigo.