Redução e fim do auxílio emergencial deixam varejo com cenário incerto
Para especialistas, isso é reflexo principalmente da utilização do auxílio emergencial de R$ 600
Mesmo ainda em meio à pandemia da Covid-19 no Brasil, o varejo bateu recorde no volume de vendas no mês de agosto, com uma alta de 3,4% que fez o setor superar em 8,9% o patamar de fevereiro, último mês antes da crise sanitária. Para especialistas, isso é reflexo principalmente da utilização do auxílio emergencial de R$ 600.
Porém, com o iminente fim do benefício, que foi reduzido a R$ 300 em setembro e cujo pagamento termina em dezembro, a tendência é que o volume de vendas deixe de ter um crescimento tão elevado e apresente um cenário incerto, especialmente para o próximo ano, quando o programa já terá sido extinto.
Além disso, outros setores da economia não vêm mostrando a mesma recuperação -a indústria ainda não voltou ao patamar pré-pandemia e serviços seguem atrás, assim como o mercado de trabalho, que vem sofrendo com o desemprego, o desalento e a subutilização da mão de obra.
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O economista Thiago Moraes Moreira, do Ibmec, vê o cenário complicado para 2021.
"Vejo uma série de dificuldades para manter essa trajetória ascendente. O mercado de trabalho está com dificuldade de se recuperar, assim como setores dos serviços com peso importante na economia, que envolvem aglomeração e contato. Outro ponto é a dificuldade financeira de micro e pequenas empresas", disse.
Moraes Moreira citou a importância do auxílio ao analisar individualmente o desempenho do comércio pelas regiões do país, com crescimento mais acelerado em locais que tiveram maior número de beneficiados pelo programa.
"[As vendas nos] estados do Norte e Nordeste cresceram em uma velocidade de 55%, entre abril e agosto. No Centro-Oeste, Sudeste e Sul, foi a metade disso, 27,5%. Isso mostra a influência do auxílio e que sem ele esse número do comércio vai provavelmente cair", disse.
Dados do IBGE já haviam mostrado que o auxílio emergencial chegou a 43% dos 68 milhões de domicílios brasileiros. Em média, cada um deles ficou com R$ 846,50. Os domicílios com menor renda per capita foram os mais beneficiados. Entre os 10% mais pobres, o rendimento médio familiar disparou 3.705% com o reforço do benefício. Na faixa imediatamente superior, o ganho foi de 150%.
Economistas temem que o aquecimento da atividade econômica seja interrompido com o fim do auxílio, uma vez que o mercado de trabalho não dá sinais de retomada. Como fim do auxílio, avaliam, pessoas que estão sem trabalho voltariam a procurar emprego em um momento em que há poucas vagas disponíveis. Sem renda, o aquecimento da atividade diminuiria.
"O mercado de trabalho está sofrendo bastante e apresenta uma variável sempre mais lenta, principalmente em uma situação como a de hoje, que é uma crise sanitária que teve reflexos econômicos, experimentando o isolamento social", explicou Mayara Santiago, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, viu com positivo o resultado do comércio e apontou um processo de recuperação vindo de maneira célere, apesar de se dar em parte pelo auxílio emergencial. Ele vê como natural o medo pelo fim do benefício e avalia que a situação deve ser monitorada, mas é inevitável.
"Estamos vendo uma normalização do fluxo de impacto na economia, porque no final existe um limite [para conceder esse benefício", avaliou.
Apesar do otimismo, Sanchez também credita uma plena retomada ao comportamento do coronavírus no país e afirma a recuperação só ocorrerá de maneira mais acentuada quando a plena circulação de pessoas voltar a acontecer. Diante desse cenário, o crescimento em 2021 deve ser gradativo.
"A saída do auxílio vai ser substituído pela retomada da economia, as pessoas voltando a ter o seu trabalho, podendo voltar à sua atividade após o benefício", analisou.
Em abril, o comércio brasileiro havia despencado 16,8%. Naquele mês, o Brasil sentia o pico dos impactos da pandemia da Covid-19. A flexibilização do isolamento social e o auxílio emergencial criaram um ambiente benéfico importante, abrindo caminho para o aumento das vendas.
Entre os setores com crescimento expressivo estão tecidos, vestuários e calçados, com alta de 30,5%. Também mostraram índice positivo os segmentos de outros artigos de uso pessoal e doméstico (10,4%), móveis e eletrodomésticos (4,6%), equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (1,5%) e combustíveis e lubrificantes (1,3%).
Fernando Pimentel, presidente da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), explicou que o setor sofreu demais com a pandemia, após ver a demanda reprimida pelo fechamento do comércio no auge do distanciamento social. Porém, desde a flexibilização, o retorno tem sido positivo, que deve ser contido com o fim do benefício.
"O auxílio emergencial está fazendo toda diferença por estar se revertendo em consumo, é um fato incontestável. Mas com o auxílio reduzido, isso evidentemente vai afetar a trajetória de crescimento. Não vai interromper, mas pode atenuar a velocidade de recuperação", analisou.
Pimentel explicou que o setor espera terminar o ano em torno de 16% abaixo do previsto, mas o Natal, por outro lado, deve ter retorno similar ao do ano passado. Ele avalia que a poupança guardada pelos consumidores no período de isolamento vai ajudar a substituir o consumo por meio do auxílio.
"A partir de janeiro, podemos ter um arrefecimento da tendência de alta de consumo pela questão de renda e poderemos ter compensação pela poupança da classe média. Pode ser que na virada do ano, quando tivermos o encerramento do auxílio, essa poupança, se vier a consumo, cubra parte dessa queda derivada do fim do auxílio", apontou.