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Imposto de Renda

Reforma do IR proposta pelo governo beneficia investimentos mais arriscados

Mudança beneficiaria day trade e investimentos de renda fixa no curto prazo, mas prejudica renda passiva com dividendos e FIIs

Imposto de rendaImposto de renda - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A proposta do governo federal de reforma do Imposto de Renda apresentada nesta sexta-feira (25) tende a mexer na carteira do pequeno investidor brasileiro como um todo, beneficiando o risco em detrimento de uma tática de investimento mais conservadora.

Enquanto o imposto do day trade -operação arriscada de compra e venda de um ativo no mesmo pregão- é reduzido de 20% para 15%, a renda passiva proveniente de dividendos e FII (Fundos de Investimento Imobiliário), hoje isentas de IR, passariam a ser tributadas na fonte em 20% e em 15%, respectivamente.

Para lucros ou dividendos destinados a beneficiários com sede em paraísos fiscais, como uma empresa no Panamá, a alíquota é de 30%.

Já o mecanismo de JCP (Juros sobre Capital Próprio), outra forma de distribuição de recursos aos acionistas, com isenção de IR para as empresas, mas com cobrança para os acionistas, seria extinto.

Além disso, o projeto acaba com o incentivo fiscal a uma manutenção de ativos de renda fixa por um prazo maior. Hoje, quanto mais cedo se faz o resgate nesta modalidade, mais imposto se paga.

Já os produtos de renda fixa isentos de IR -debêntures incentivadas, CRIs, CRAs, LCIs e LCAs- seguem beneficiados.

"A redução de impostos pode incentivar o day trade, e tira incentivos de longo prazo, que são benéficos para o investidor", diz João Daronco, analista da Suno Research. Segundo ele, um potencial efeito da medida é o aumento de liquidez no mercado, já que o investidor seguraria por um tempo menor o ativo.

Ele pondera que, para fugir do imposto sobre a distribuição de lucro, as empresas devem fazer mais recompras de ações.

Caso a companhia compre suas ações no mercado e as cancele, as ações em circulação restante corresponderão a uma fatia maior do capital e do lucro e terão direito a mais dividendos, de forma a compensar o imposto cobrado.

"O texto atual da reforma tributária, se vigorar como está, terá um impacto maior nos investimentos em ações e pode provocar uma migração massiva dos investidores para a renda fixa, que passará a ser mais vantajosa com imposto fixado nos 15%", diz Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research.

Além disso, a isenção com ganhos de até R$ 20 mil deixa de valer para cada mês e passa a ser trimestral, ou seja, a isenção diminui para cerca de R$ 6,66 mil por mês, proporcionalmente.

O plano também prevê redução na tributação sobre empresas, com um corte de 5 pontos percentuais na taxação de IR de pessoas jurídicas, dos atuais 15% para 10%, com um escalonamento de 2,5 pontos percentuais no primeiro ano e mais 2,5 pontos no segundo ano.

Vilson Antonio Romero, da área de estudos socioeconômicos da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), vê a proposta como positiva, mas tímida, e avalia que seria mais produtivo uma única reforma tributária e não projetos fatiados.

"A tributação de dividendos é defendida pelos auditores fiscais há muito tempo, mas é necessário achar a dosimetria ideal de todos os impostos, um percentual adequado", diz Romero.

Ele defende a implementação de uma tabela progressiva idêntica à do IR para pessoas físicas para todos os rendimentos do trabalho ou do capital, ou seja, também sobre lucros e dividendos distribuídos.

"Uma coisa são os dividendos de aplicações na Bolsa, outra são os lucros distribuídos por empresas de capital fechado, onde há muito menos transparência", afirma Romero.

Para evitar o impacto para pequenos empreendedores, o governo propôs uma isenção para até R$ 20 mil por mês para microempresas e empresas de pequeno porte (as que têm faturamento anual de até R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões, respectivamente). Segundo Romero, a proposta beneficia uma possível falta de transparência por empresas que não são listadas em Bolsas.

Segundo o o projeto federal, dentre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), somente a Letônia não tributa a distribuição de lucros ou dividendos nos sócios pessoas físicas.

"Ademais, países emergentes, como China, Índia, Argentina, África do Sul, Colômbia, membros e não-membros da OCDE, também adotam a tributação dos lucros distribuídos."

O projeto prevê a entrada em vigor de todas as mudanças em 1º de janeiro de 2022. Para isso, precisam ser aprovadas ainda neste ano.

Segundo analistas, ainda é cedo para avaliar o impacto das possíveis mudanças na carteira do investidor, já que a proposta pode sofrer alterações no Congresso até ser aprovada, mas ações conhecidas como boas pagadoras de dividendos e FIIs já têm apresentado queda na Bolsa.

Nesta sexta, o Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (Ifix) caiu 2% e o Ibovespa, 1,7%.

De acordo com Jennie Li, estrategista da XP, investidores pessoa física recebem cerca de R$ 5.000 ao ano com dividendos. Com 20% de impostos, o volume pode cair para R$ 4.000.

Além disso, existem fundos que investem em ações que pagam altos dividendos e companhias voltadas ao investimento em outras empresas, que devem ser ainda mais afetadas. Com o IR, a rentabilidade deles pode cair, e o custo com taxas de fundos aumentar para o pequeno investidor.

"Se esse projeto for para frente, investidores podem vender as ações pagadoras de dividendos e ir atrás de outros investimentos", afirma Jennie.

Por outro lado, empresas podem escolher distribuir menos dividendos, usando os recursos como reinvestimento, o que estimularia o crescimento da companhia, gerando mais valor ao acionista.

"O efeito líquido pode ser neutro, cobrando imposto de dividendos e diminuindo o IR das empresas", diz ela.

"O principal impacto vai ser nas empresas que têm uma política de investimento interno menor, que já são consolidadas em seus setores e não têm uma necessidade de reinvestir tão grande, distribuindo boa parte dos lucros", afirma Flávio de Oliveira, diretor de renda variável da Zahl Investimentos.

As maiores distribuidoras de dividendos são bancos e empresas elétricas, de seguros e de serviços essenciais.

Na última semana, as ações preferenciais (mais negociadas) do Bradesco cederam 4,4% e a do Banco do Brasil, 5,6%. Itaú acumulou queda de 4,6% e Santander, de 2,86%.

Já a Copel (Companhia Paranaense de Energia) recuou 1,45%, Engie, 3,37% e AES, 1,33%.

"No curto prazo, pode haver uma reação negativa do mercado, mas o objetivo do projeto é fazer com que as nossas regras equivalham às regras lá de fora, especialmente em países desenvolvidos", diz Jennie.
Segundo ela, o JCP é algo específico do Brasil, que não é encontrado no exterior.

Nos Estados Unidos, os tributos estaduais e federais de dividendos somam cerca de 29% e o presidente Joe Biden tem planos para elevar esta taxa. Já os ganhos de capital são tributados, em média, em 15%.

Na Argentina, a tributação subiu de 7% para 13% neste ano.

"Taxação de dividendos não é coisa de outro planeta. O ideal é tributar, que é uma regra da maior parte dos países, deveríamos ter feito há muito tempo. Quando há remessas ao exterior, o Brasil abre mão de um dinheiro que será tributado em outro país", diz Alamy Candido, sócio do Candido Martins Advogados.

Segundo ele, geralmente, a tributação no exterior de dividendos brasileiros é de 15%.

"O investidor tem que esperar a evolução do projeto para tomar uma decisão. Pode ser um bom momento para se posicionar nestes ativos uma boa oportunidade de compra, dada a recente queda", diz Jennie, considerando que dividendos ainda são isentos e ações de boas pagadoras tiveram uma recente desvalorização.

A proposta foi alvo de críticas de participantes do mercado financeiro.

A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) vê o projeto como um aumento de tributação no Brasil. A entidade representa 85% do total do valor de mercado da B3, cerca de 120 grupos negociados na Bolsa e mais de 260 empresas.

"A proposta implicará aumento de impostos e prejuízo à captação de investimentos, num momento crucial em que o país necessita atrair capital e manter sua competitividade", disse a Abrasca em nota.

A associação destaca que a alíquota que incide sobre os resultados das pessoas jurídicas no Brasil (34%) é maior do que as praticadas nos Estados Unidos (21%) e na região do Euro (média de 23,9%).

"No Brasil, incidem vários tributos sobre o resultado, além do IR. Portanto, deve-se considerar a soma das alíquotas. A proposta de reduzir o IR em 2,5% fará com a alíquota total brasileira seja de 31,5%, ainda muito alta".

A associação também vê como negativa a tributação dos dividendos em 20% e o fim do JCP, segundo a qual, aumentão, em termos reais, a carga fiscal sobre empresas e investidores.

"A reforma afastará o investidor, de modo geral -e, entre as opções de investimento em mercado emergente, com esse tipo de mudança, o Brasil ficará ainda menos atrativo. Neste, que é um momento de retomada, o Brasil mandará um sinal negativo para o mercado global."

Segundo a entidade as mudanças podem impactar o mercado de capitais, afastando potenciais novos participantes que recentemente entraram na Bolsa, pequenos poupadores e trazendo reflexos negativos sobre pensionistas de fundos de pensão.

"As empresas tenderão a buscar dinheiro em outras fontes que não o mercado de capitais, gerando maior busca por recursos que vão aumentar os juros. A proposta aumenta o custo Brasil, com reflexos inflacionários diretamente no bolso do brasileiro", diz a Abrasca.

Para a associação, uma eventual queda do investimento contribuiria para redução do emprego.

"É preciso reflexão, um debate técnico e amplo do texto apresentado, do contrário, a reforma tributária terá um efeito contrário ao que se propõe."


 

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