Rotativo do cartão de crédito: Faz sentido limitar os juros? Veja o que dizem economistas
Medida ajuda a conter juros exorbitantes, mas criação de teto 'na canetada' pode reduzir acesso ao crédito e estimular migração para outras modalidades
Modalidade mais cara do país, a dívida no rotativo do cartão de crédito tem sido questionada pelo governo, que busca medidas junto com os bancos e com o varejo para reduzir os juros cobrados nessa linha. A linha de crédito possui taxas que já ultrapassam os 440% ao ano, segundo dados do Banco Central. Mas faz sentido limitar, por exemplo, os juros praticados pelos bancos? Veja o que dizem especialistas:
O consumidor ‘cai’ no rotativo toda vez que paga apenas uma parte da fatura até o vencimento. Assim, os valores devidos “rodam” para o próximo mês e são embutidos juros, o que aumenta o valor devido. Analistas avaliam que é preciso que sejam tomadas medidas para reduzir riscos do sistema financeiro e conter os níveis de endividamento e inadimplência.
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Mas não há consenso sobre a necessidade de uma limitação na cobrança dos juros - como fez o Banco Central ao limitar em 8% ao mês o juro cobrado a quem entra no cheque especial a partir de janeiro de 2020. Isso porque somente limitar o juro praticado não é garantia de resolução do superendividamento.
A participação do cheque especial no saldo total da carteira de crédito das famílias caiu após a mudança imposta pelo Banco Central - uma queda de 0,7 ponto percentual na comparação de junho de 2023 com junho de 2019, segundo a consultoria Tendências. Por outro lado, o volume do saldo do cheque especial manteve-se elevado. A dívida nessa modalidade chegou a cair pouco após a medida, em meio à pandemia. Mas, passado o período mais agudo da crise sanitária, em que o brasileiro estava com o endividamento mais controlado, voltou a subir.
Na avaliação de Isabela Tavares, analista da Tendências Consultoria, a redução dos juros do rotativo "na canetada" tende a levar o consumidor a um desvio para outras modalidades emergenciais que não tenham o crédito regulado, como o crédito pessoal não-consignado. Portanto, pode não ser a solução para melhora da situação financeira e do alto nível da inadimplência.
A economista lembra que em 2017 o Banco Central chegou a estipular regras para o cartão de crédito parcelado. Na ocasião, o cliente que não conseguisse pagar integralmente a fatura só poderia ficar no rotativo por 30 dias, ou seja, os juros só poderiam ser cobrados até o vencimento da fatura seguinte. Em meio à essa medida, os juros do cartão de crédito parcelado e do rotativo disparam.
— Isso acabava jogando um problema para outra modalidade depois de um tempo, mas não melhorava a inadimplência.
Para a economista, uma solução mais estrutural para as famílias passa pela redução da inadimplência e da queda do risco de crédito no país - algo que envolve não só o programa de renegociação de dívidas Desenrola, como a possibilidade de melhora no equilíbrio macroeconômico, incluindo a redução da taxa básica de juros.
— É importante ter esse momento de discutir o rotativo e pensar nessa trajetória de taxa de juros. Mas é preciso estudar formas para que essa limitação não recaia em outras modalidades.
Redução do acesso ao crédito
O economista André Perfeito pondera que a ideia de tabelar ou limitar juros não é uma decisão sábia no médio e longo prazo dado que o juro é um produto. No entanto, reconhece que a autoridade monetária deve tomar iniciativas a fim de mitigar possíveis riscos ao sistema financeiro, dado que houve um salto no crédito e na inadimplência no país.
Ele avalia que uma limitação dos juros faria as instituições limitarem o acesso ao crédito caso o custo do rotativo não seja suficiente para dar conta dos riscos inerentes a este tipo de atividade, sobretudo em meio à alta da inadimplência.
— Uma solução talvez mais elegante seja fazer com que as pessoas que estão com dívidas no rotativo façam um swap - ou seja, uma troca dessa dívida no rotativo por uma outro tipo de dívida - que pode vir com uma série de limitadores, como aquele consumidor não poder tomar mais dinheiro emprestado no rotativo em outra instituição.
Solução viável, mas traz pontos negativos
Rafael Schiozer, professor de finanças da FGV, concorda que a limitação dos juros no rotativo do cartão de crédito pode levar a uma diminuição da oferta de crédito, sobretudo à população de baixa renda. Esse movimento inclusive preocupa o governo porque tende a desaquecer a economia. Mas o professor afirma que é a limitação é uma das soluções mais viáveis:
— É um trade off que a gente tem que ver se vale a pena porque, em economia, tudo tem o seu lado positivo e o seu lado negativo. De todo modo, a discussão estar na mesa é bom e talvez isso já baste para que os bancos repensem as taxas que estão cobrando. Mas não acho que seja uma solução simples.
Schiozer adverte que limitar os juros pode reduzir a competição entre as instituições financeiras. No entanto, lembra que a chegada das fintechs nos últimos anos não fomentou uma competição via queda das taxas de juros. Houve apenas um aumento no volume de crédito ofertado, afirma:
— Talvez a gente precise entender melhor o que está fazendo as pessoas caírem no rotativo. É complexo, mas é uma discussão também válida.