Selic: Copom sinaliza que deve manter ritmo mais cautelo de cortes de juros, avaliam economistas
No ranking dos maiores juros reais do planeta, Brasil só é superado pelo México
A redução em 0,5 ponto percentual da taxa básica de juros, como decidiu o Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira, já era amplamente esperada pelos analistas do mercado financeiro, que majoritariamente não viam espaço para cortes maiores.
O grande ponto de atenção acabou voltado para o comunicado do Banco Central, com os sinais para a política monetária daqui para frente.
Com a decisão desta quarta-feira (20), a Selic passa de 13,25% para 12,75%. Depois de três anos sem cortes de juros, o Banco Central deu início ao ciclo de desaperto monetário na reunião passada, em agosto.
Até o fim do ano, a perspectiva do Boletim Focus, que reúne estimativas do mercado, é que os juros básicos cheguem a 11,75% ao ano - ou seja, com mais dois cortes de 0,5 pp nas próximas reuniões.
Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, chama atenção para o fato da decisão ter sido unânime, entre os diretores do Comitê, para redução de meio ponto percentual. Ele diz que a decisão em conjunto de todos os membros do Copom fortalece a perspectiva de continuidade do ritmo de queda de juros.
"O mercado ainda tem dúvida sobre a pressão lá fora. O preço do petróleo voltou a subir, ainda vamos ver se o inverno rigoroso na Europa poderá pressionar os preços da energia. Essas são questões no radar", diz Cruz, que projeta mais um corte de 0,5 pp na Selic, mas não destaca uma redução maior na última reunião do ano.
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Economistas consultados pelo GLOBO avaliam que o risco fiscal ainda pode ser um limitador para que o Banco Central brasileiro possa aumentar a velocidade da queda de juros este ano e em 2024. Além disso, a alta do preço do petróleo, no exterior, acendeu a luz amarela sobre novas pressões sobre a inflação global, o que também freia a velocidade de baixa da Selic, embora ainda seja um "fator isolado no horizonte".
O economista e sócio da consultoria Tendências, Silvio Campos Neto, afirma que o BC não entrou na discussão se o governo vai cumprir a meta de 'déficit zero', como está prometendo, ou não. Mas mantém o fator fiscal no horizonte, de forma implícita em suas discussões, assim como o mercado financeiro. E a alta do preço do petróleo também reaparece como fator de limitação de baixa de juros.
"O risco fiscal está no horizonte do mercado e do BC. Mas acredito que o Copom não quer entrar nessa discussão e colocar alguma manifestação explícita sobre esse risco nos comunicados, já que o governo vem falando em zerar o déficit. A alta do petróleo também preocupa, com pressão global sobre a inflação, e no Brasil houve mudança na política de preços da Petrobras e não sabemos em que momento haverá repasses. Mas se o petróleo continuar em alta, em algum momento haverá repasse aos preços", diz Campos Neto
A Tendências é uma das casas que projeta que o ciclo de queda de juro irá se manter numa velocidade de 0,5 ponto percentual. A inflação que ainda não convergiu para o centro da meta, no médio e longo prazo, é um dos motivos.
A atividade econômica também se mostrou mais forte no segundo trimestre e o mercado de trabalho está aquecido, o que não gera ociosidade na economia brasileira. A única "boa" notícia é que a inflação de serviços tem cedido, embora o jogo contra a alta dos preços não esteja ganho, diz o economista.
A estimativa é que a Selic termine o ano em 11,75% e chegue ao final de 2024 em 9,25%, um patamar de juro ainda contracionista, como quer o BC. Depois, haveria uma pausa, com a taxa voltando a cair apenas em 2025 e chegando a 8,5%.
O economista Jason Viera, do site MoneYou e autor do ranking do juros reais, também vê preços de petróleo e riscos fiscais domésticos como travas à queda de juros. Ele lembra que o arcabouço fiscal foi uma solução, mas não a melhor encontrada para reverter a confiança do mercado na questão fiscal.
"E o governo não para de falar em aumento de gastos, embora haja no meio do caminho uma reforma tributária que impede o aumento de impostos. E há o temor de uma possível elevação no preço dos combustíveis, o que pressiona a inflação. O cenário inflacionário não é claro e o Banco Central não pode falar em aceleração de queda de juros neste momento", diz Vieira.
Nos Estados Unidos, o FED, banco central americano, manteve a taxa de juros inalterada no intervalo de 5,25% a 5,50% ao ano, o maior nível desde 2001. Em coletiva de imprensa após a reunião, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, indicou que a taxa pode subir mais, se necessário. Os juros devem ficar em território contracionista até que o FED esteja "confiante de que a inflação está caindo sustentavelmente”, afirmou ele.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, afirma que um início de cortes de juros nos EUA não deve acontecer tão cedo. A projeção dele é que o desaperto monetário possa ter início no segundo semestre de 2024 "se os dados permitirem". Um dos reflexos de curto prazo, lembra ele, é o fortalecimento do dólar.
A política monetária alterando seu curso nos EUA tem um primeiro efeito imediato que é nas moedas, o que já estamos observando por aqui. No longo prazo, o FED mais howkish (de manutenção de juros elevados) tira um pouco de capacidade estimulativa do Brasil. Pode ter um efeito para o país e outras economias emergentes não conseguirem ceder tanto os juros.
Silvio Campos Neto não vê a chance de uma nova alta de juros pelo FED. Mas a possibilidade está no jogo, segundo ele, já que a economia americana ainda segue forte. Mesmo sem acreditar numa nova alta de juros, o economista avalia que o FED não vai baixar a guarda no combate à inflação, o que é "um alerta para o Brasil".