B20

Setor privado é essencial para o G20, no mundo da "reglobalização", diz presidente da ICC

Para ele, as cadeias de suprimentos não estão se dividindo, estão se tornando mais longas. E o crescimento não reflete mais a ordem do pós-Segunda Guerra, e sim o avanço de várias novas regiões

John Denton, secretário-geral da ICC, a Câmara Internacional de Comércio, na sigla em inglêsJohn Denton, secretário-geral da ICC, a Câmara Internacional de Comércio, na sigla em inglês - Foto: Divulgação/ICC

O setor privado é essencial para destravar negociações diplomáticas no âmbito do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, ou da Organização Mundial do Comércio (OMC), diz o australiano John Denton, secretário-geral da Câmara Internacional de Comércio (ICC, na sigla em inglês), entidade global de representação empresarial.

Mas os líderes envolvidos precisam usar seu capital político para que resultados sejam alcançados, diz. Por isso, o executivo vê com bons olhos a postura do Brasil na presidência rotativa do G20, que dura este ano, porque o país procurou dar foco à sua atuação.

Os pontos focais escolhidos pelo Brasil são o combate à fome, o desenvolvimento econômico e a reforma das instituições multilaterais. Denton, que está no Rio para o evento do Negócios 20 (B20, na sigla em inglês), fórum que reúne representantes de empresas dos países integrantes do G20 e do qual é um dos fundadores, discorda da ideia de que a globalização esteja dando a marcha à ré e defende o multilateralismo. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Globo:

Qual o papel do setor privado das discussões do G20?
O ponto fundamental do G20 é permitir o crescimento econômico, por isso que ele foi criado. Na crise financeira de 2008 e 2009, o G20 foi elevado de um encontro de ministros de finanças a um encontro de líderes. O foco foi preservar o sistema financeiro. Sem isso, haveria um impedimento do crescimento econômico. Se queremos o crescimento econômico, precisamos dos participantes que puxam o crescimento, e o setor privado é o motor do crescimento econômico.

Um dos mais bem-sucedidos grupos econômicos do mundo é a Comunidade Ásia-Pacífico (Apac, na sigla em inglês). Um dos principais motores do sucesso deles é o Conselho de Negócios. Os membros desse conselho são indicados pelos líderes de cada economia e eles se encontram direto com os líderes nas reuniões anuais.

Durante o ano, eles trabalham para estabelecer as prioridades do ponto de vista dos negócios para permitir um crescimento econômico maior na região e levam essas prioridades diretamente para os líderes, sem filtros.

O objetivo é não ter apenas o resultado de um grande encontro para estar junto, mas ter o que realmente muda e melhora algo que apoia o crescimento. A região com o crescimento econômico mais rápido no mundo é a da Ásia-Pacífico e lá há um envolvimento do setor privado.

Como esse exemplo se aplica ao G20?
Uma das questões mais importantes no G20 é ter foco. Aliás, uma das razões pelas quais estamos empolgados com a presidência do Brasil no G20 é o foco nas áreas em que o país quer resultados. O Brasil anunciou o foco na erradicação da fome, no desenvolvimento econômico e na reforma das instituições multilaterais. É uma agenda bem focada.

A questão agora é quais são as prioridades específicas dentro de cada uma dessas áreas. Acho que o setor privado terá muitas sugestões sobre essas três áreas. Particularmente, no ponto de combater a fome e, claro, no desenvolvimento econômico. Se pensarmos bem, o setor privado tem também interesse no funcionamento do multilateralismo.

Esperamos por uma combinação da ambição brasileira com o pragmatismo brasileiro. Isso levará ao sucesso no G20. Está claro que o presidente Lula está preparado para usar capital político real para atingir resultados nessas três áreas, porque é algo importante para ele. Não é algo novo para ele falar sobre combate a fome ou desenvolvimento econômico. Estou interessado em ver como o Brasil, como um líder do Sul global e uma economia inclusiva, está vendo as instituições multilaterais.

Qual sua visão sobre o papel de liderança do Brasil? Problemas internos, como a polarização política, não podem atrapalhar?
Desafios políticos domésticos, dificuldades de crescer a economia e a complexidade do cenário geopolítico não são uma particularidade do Brasil. São questões que confrontam vários líderes em várias economias. Acho que o interesse particular e a autoridade que o Brasil trará, com a emergência do presidente Lula, é que o Brasil é claramente um líder da América Latina. É uma região geopolítica muito importante do mundo. E a vontade do novo governo do Brasil de realmente refletir isso e liderar a região será importante no processo do G20. As economias do G20 são grandes, e o Brasil é uma economia do G20.

O crescimento pode não ser o que vocês gostariam, mas o país vai crescer. O Brasil ainda tem oportunidades demográficas diante de si. E, na medida em que parece querer abrir a economia, haverá mais oportunidades à frente. Não vamos resolver o desafio do clima sem a participação ativa do Brasil. Há várias questões globais que não poderão ser resolvidas sem uma posição ativa do Brasil, particularmente como líder da América Latina e por causa de sua natureza e do tamanho de sua economia, e das ideias que virão do Brasil.

Como líder do G20, o Brasil traz muitos elementos positivos, como juntar a todos e focar nas três áreas que o presidente anunciou. Os resultados também levarão a mais influência global e regional.

A aposta no multilateralismo não é arriscada no atual cenário global?
A questão é se uma erosão da globalização do multilateralismo e quais as consequências disso. Acho que há um desafio ao funcionamento efetivo do multilaterialismo, e voltarei a isso. Mas a questão da globalização é interessante. Não creio que estejamos num processo de desglobalização. Estamos num processo de reglobalização. A pergunta é como isso será.

Os estados nações têm uma série de interesses mútuos em vários assuntos que só podem ser encarados numa base multilateral. Por exemplo, o correio continua sendo entregue, de país a país. Por quê? Porque tem um acordo internacional multilateral que permite que isso aconteça e ninguém está falando em acabar com isso porque há um interesse mútuo em permitir que pacotes sejam entregues.

Aviões ainda voam através de fronteiras e por diferentes espaços aéreos. Por quê? Porque há acordos e instituições multilaterais que permitem isso. O mundo globalizado ainda funciona. Uma das questões é que, à medida que vamos nesse processo de reglobalização, o crescimento econômico não reflete mais a ordem do pós-Segunda Guerra, o crescimento econômico agora reflete várias novas regiões.

Também não tínhamos uma economia digital. Na verdade, não tínhamos uma economia digital realmente funcionando quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada. Então, agora temos que contar com isso também. A economia digital agora é fundamental para o crescimento econômico funcionar. Um dos desafios da reglobalização é garantir que não haja interrupções nisso.

A reglobalização contribui para a erosão do multilateralismo?
Tendo dito isso, também aprendemos que é melhor resolver disputas por meio de normas estabelecidas e sistemas. Sem isso, ficamos com uma abordagem baseada no poder e isso é complicado, é um dos riscos que vemos com a erosão do sistema multilateral. Ainda precisamos operar localmente, mas os desafios de fazer isso estão ficando mais difíceis.

Vou dar um exemplo clássico: nas cadeias de suprimento, estão falando sobre friendshoring (transferir as cadeias globais de fornecedores para países amigáveis diplomaticamente), reshoring (para dentro do próprio país onde há a demanda), mas o que realmente vemos nos números é diferente disso.

As cadeias de suprimentos não estão se dividindo, estão se tornando mais longas. E isso está ocorrendo porque o setor privado está respondendo de uma forma a garantir que a origem, por exemplo, de bens chineses não seja realmente a China, mas estão fazendo transbordo para outros lugares e daí por diante.

É um jeito de realmente manter a cadeia de suprimentos, porque uma coisa são os políticos falarem sobre reshoring, nearshoring ou friendshoring, mas mudar a cadeia de suprimentos é realmente muito mais difícil quando se está fazendo um pedido. Os relacionamentos que precisam ser criados para criar uma cadeia de valor não incluem só o produtor do bem, mas todo um ecossistema que sustenta isso. É preciso recriar isso. E isso foi feito assim porque era economicamente eficiente fazer assim.

Mudar isso é bastante difícil. Há algum avanço, acreditamos que, no futuro, à medida que as pessoas pensam em resiliência, no contexto da gestão de riscos, haverá a criação de oportunidades alternativas. É por isso que o México tem sido visto como um local quente de oportunidades de investimentos. Potencialmente, o Brasil também será, dependendo de como e de que jeito as cadeias de suprimentos poderiam ser reorientadas.

Por outro lado, vimos o governo do Japão colocar US$ 200 milhões para encorajar as companhias japonesas a transferir cadeias de fornecedores da China para o Japão, mas isso não aconteceu, porque não era do interesse das empresas. Então, o processo de globalização continuará. A narrativa da desglobalização é falsa. A narrativa real é o que é a reglobalização e como podemos reglobalizar trazendo uma reglobalização inclusiva, que reflita a economia global do século XXI.

Quais as principais tendências dessa reglobalização?
A tendência real será tentar encontrar inovações para desenvolver instituições efetivamente multilaterais no século XXI, que possam realmente ajudar a guiar o desenvolvimento, políticas públicas e regulações. A tendência que vemos é que as instituições multilaterais, para manter ou encontrar sua relevância, estão procurando por novas formas de inovação no desenvolvimento dessas instituições, não apenas para engajar todas as regiões, mas todos os stakeholders (atores envolvidos em determinada atividade).

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