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Fome

"Tendência de melhora da fome no Brasil está diminuindo", diz presidente de agência da ONU

Relatório aponta que, em 2021, 8,6% da população da América Latina e do Caribe estavam em situação de fome. Em 2023, o percentual caiu a 6,2%

Presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Álvaro LarioPresidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Álvaro Lario - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

No dia em que o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (Sofi)" destacou a América Latina, em especial a América do Sul, como a região onde houve uma redução mais significativa no número de pessoas com fome, o presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Álvaro Lario, afirmou ao Globo que há razões para "otimismo" em relação ao Brasil conseguir cumprir a meta global de zerar a fome até 2030, mas afirmou que será necessária uma insistência das políticas públicas.

O Sofi é produzido anualmente pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outros organismos da ONU para acompanhar índices de fome, insegurança alimentar e nutrição mirando o objetivo de acabar com a fome até 2030, seguindo a Agenda da ONU para Desenvolvimento Sustentável.

— Globalmente vai ser muito, muito difícil (acabar com a fome até 2030). Em termos do Brasil, vimos uma melhora nos últimos anos, mas agora a tendência está diminuindo. Então, há razões para otimismo, mas isso precisará continuar no caminho certo e no centro das políticas — afirmou Lario .

O Fida é uma agência da ONU. De acordo com o relatório, em 2021, 8,6% da população da América Latina e do Caribe estavam em situação de fome.

Em 2023, o percentual caiu para 6,2%. A África continua sendo a região mais afetada, com 20.2% em 2021 e 20.4% em 2023.

Já a Asia registrou em 2021 9.1% da população com fome e 8.1% em 2023.

Tivemos um aumento de 152 milhões de pessoas com fome no mundo em relação a 2019 e um aumento também em relação ao último relatório. Por que esses números seguem crescendo?
Ainda não nos recuperamos do choque (da Covid-19) e há muitas causas profundas que continuam a existir para impedir que muitas pessoas empobrecidas e famintas saiam dessa realidade.

Entre elas, o subinvestimento nas áreas rurais e na segurança alimentar são cruciais.

Muitas das centenas de milhões de pessoas que vivem na pobreza subsistem na agricultura e não há investimentos e políticas suficientes voltadas para essas áreas.

Em geral, também estamos vendo que muitos não conseguem arcar com uma dieta saudável.

As condições não melhoraram e ainda estamos enfrentando problemas de acesso ao mercado, aos insumos, e essa situação continua.

O relatório destaca que houve um avanço significativo na América Latina, em especial da América do Sul, no combate à fome.

O que tem sido feito de diferente nessa região em comparação às outras?
Muitos dos programas e muitos dos governos têm implementado medidas eficazes de proteção social, como transferências de renda ou programas de alimentação escolar, e também há um foco aumentado na agricultura familiar.

Há mais e mais governos que estão focados em práticas como agricultura inteligente para o clima, que estão melhorando a resiliência e a estabilidade na produção de alimentos.

A região da América Latina e o Brasil vão conseguir zerar a fome até 2030 e cumprir a meta da ONU?
Atualmente as projeções indicam que 582 milhões de pessoas globalmente continuarão cronicamente subnutridas. Essa é a realidade.

Podemos ter alguns sinais de melhoria, o que nos dá motivo para otimismo.

O Brasil possui, creio eu, um dos elementos ou sinais políticos mais importantes em jogo, que é a vontade política e o compromisso para fazer isso acontecer.

Estamos vendo que o Brasil está colocando a desigualdade, a pobreza e a fome no centro das atenções.

Agora, precisamos também garantir que os investimentos e os recursos direcionados a essas populações específicas estejam aumentando.

É possível atingir a meta?
Globalmente vai ser muito, muito difícil; em termos do Brasil, vimos uma melhora nos últimos anos, mas agora a tendência está diminuindo.

Então, há razões para otimismo, mas isso precisará continuar no caminho certo e no centro das políticas.

O relatório aponta que, apesar da disparidade de gênero ter diminuído em diversas regiões do mundo, as mulheres seguem sendo as mais afetadas pela insegurança alimentar. Por que?
As mulheres continuam enfrentando barreiras significativas para acessar terra, para obter crédito, para poder comprar insumos agrícolas.

Apenas 15% dos proprietários de terra são mulheres.

Quando elas se separam ou se divorciam, muitas vezes não têm mais acesso ao recurso, começam em uma situação muito mais difícil.

Também estamos vendo um aumento geral em termos de choques climáticos e desastres climáticos, e quatro em cada cinco pessoas forçadas a deixar suas casas são mulheres.

Haverá o lançamento da Aliança Global Contra a Fome. O senhor acredita que o mecanismo será eficaz para combater as desigualdades propostas?
O que estamos vendo na Aliança é um conjunto de políticas que significam uma lista de instrumentos bem-sucedidos de redução da pobreza.

E isso vai permitir, em muitos casos, compartilhar muitas lições.

Estamos procurando como isso pode ser implementado e financiado, o que é uma parte muito importante do que estamos discutindo no momento.

Haverá três secretarias, uma no Brasil, uma em Roma e uma em Washington, que também cuidarão de diferentes aspectos.

No caso de Brasília, eles se concentrarão na coordenação e nos parceiros.

A agência de Roma se concentrará no conhecimento e o escritório em Washington no aspecto financeiro.

A África segue sendo a região de maior preocupação no tema da fome. A Aliança pode ser um diferencial para resolver esse cenário?
Uma das maneiras pelas quais claramente a Aliança pode apoiar isso é ver quais políticas públicas, quais redes de segurança social podem ser implementadas no contexto da África, porque é também um contexto muito diferente.

O foco da Aliança é global, mas ao mesmo tempo, onde estamos vendo os piores números é na África, tanto em termos de subnutrição crônica quanto no acesso a alimentos saudáveis

A Aliança tem diversas formas de financiamento que estão sendo desenhadas e uma delas é a doação por países. O senhor acha que será viável engajar as nações nessa modalidade?
O que muitas vezes o dinheiro de doações, subsídios ou capital pode possibilitar é desbloquear outros investimentos e mobilizar outros fundos ou fontes de financiamento, como o setor privado.

O objetivo da Aliança não é apenas mobilizar recursos financeiros, mas também identificar que tipo de políticas públicas podem apoiar a redução da pobreza e da fome em termos de financiamento.

Que tipo de políticas são mais eficientes?
Uma das coisas que sabemos desde a última década é que os investimentos na agricultura são duas a três vezes mais eficazes na redução da fome e da pobreza do que em qualquer outro setor.

Se estamos falando da África, em muitos países mais da metade da população, que é uma população muito jovem, trabalha na agricultura.

Portanto, fornecer acesso à terra, acesso à tecnologia, acesso a água, insumos, financiamento e crédito é uma maneira de acelerar o crescimento e a criação de empregos e renda em muitos desses países.

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