"Teremos ótimas relações", diz ministro da Agricultura sobre aproximação entre Brasil e China
Em entrevista ao Globo em Pequim, Carlos Fávaro diz que eleição de Lula melhorou diplomacia entre os dois países e ajudou a derrubar embargo à carne brasileira
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, pôde comemorar duas vitórias já em seu primeiro dia de visita à China, ontem. Além de suspenderem o embargo à importação de carne bovina do Brasil, as autoridades sanitárias chinesas também anunciaram a habilitação de mais quatro frigoríficos brasileiros para a venda do produto ao país asiático.
A decisão ocorre três dias antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarcar para a China, onde deve se encontrar com o presidente do país, Xi Jinping, para discutir avanços na pauta comercial entre as duas nações, entre outros temas.
Em entrevista ao Globo pouco após a reunião com o chefe da agência sanitária chinesa, o ministro indicou que os avanços foram facilitados pelo clima político favorável nas relações bilaterais entre os dois países.
O último embargo da China à carne bovina brasileira, em 2021, durou mais de três meses. Desta vez a liberação veio após 29 dias. O clima político ajudou?
Durante a conversa com o ministro do GACC (autoridade sanitária chinesa), ele chegou a dizer que o governo chinês ficou muito feliz com a vitória do presidente Lula. Ficou muito claro que nós teremos um momento de ótimas relações.
Nós também fizemos questão de dizer que, mais do que ampliar as nossas relações comerciais, e isso é muito importante, o nosso maior objetivo é retomar as boas relações diplomáticas, as relações de amizade com o povo chinês. Os outros serão consequência.
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Os termos de cooperação técnica, científica, as relações comerciais, tudo isso virá automaticamente. E eu senti reciprocidade. As análises são técnicas, mas se houver uma boa relação, um bom amigo passa a ser prioridade.
Esse clima político favorável permite ao Brasil reivindicar uma mudança no protocolo sanitário com a China sobre casos do mal da vaca louca, para evitar novos embargos?
Eles já se manifestaram que estão dispostos a discutir esse protocolo, mas antes de mais nada é preciso ressaltar o grande trabalho feito pela ministra Kátia Abreu (que assinou o protocolo em 2015). Quando esse protocolo foi construído, havia incerteza ainda porque não havia a diferenciação entre vaca louca típica e atípica.
Imagine se a ministra tivesse dito que iria analisar cada caso, ou restringir alguma região. Eles não teriam assinado o protocolo, e o Brasil não estaria com esse mercado aberto. O que aconteceu de 2015 para cá? 61% das exportações de carne bovina brasileira para a China, US$ 8 bilhões por ano. Graças a esse protocolo.
Agora é fácil criticar o protocolo e dizer que ele é muito rígido. Se não tivéssemos assinado, não teríamos o mercado que temos hoje. Com o passar dos anos e os seis casos de vaca louca, todos eles atípicos (isolados e sem risco de disseminação), e a condução transparente do Brasil, é possível sim pedir um novo protocolo em outros parâmetros, que não venha a suspender todo o país. As críticas a esse protocolo, com todo o respeito, são levianas, depois de construir uma relação de oito anos exportando, vendendo qualidade, dando transparência.
É preciso ver o momento em que a ministra Kátia Abreu assinou. Era pegar ou largar, e ela pegou. Trouxe grandes oportunidades. Agora é um grande momento para a revisão do protocolo, que está sendo discutido. Com o fim do embargo e com a carta surpreendente que recebemos dos chineses elogiando o sistema de defesa brasileiro, isso nos habilita a discutir uma forma que não cause tanto prejuízo, se acontecer algum caso de vaca louca atípico .
A China anunciou a expansão do plantio de soja e “autossuficiência” tornou-se um dos mantras do governo chinês, para evitar dependência externa. Isso deve ser motivo de preocupação para o Brasil?
A China é um grande parceiro, e se eles forem buscar autossuficiência algum outro produto deixará de ser plantado. Essa é uma relação comercial que nós temos que tratar como muita sobriedade. É legítimo o desejo da China de expandir sua produção de soja, de buscar uma menor dependência.
Por outro lado, o mercado se regula. O Brasil é altamente competitivo, tomamos medidas para que isso aconteça, como infraestrutura cada vez mais eficiente, a adoção de novas tecnologias, que aumentam muito a produtividade.
Sem contar que há outros países com grande densidade demográfica que ainda são mercados a serem abertos. Então, é um processo ao qual temos que ficar atentos, para que não fiquemos deitados em berço esplêndido achando que a soja sempre será o maior produto brasileiro. É um grande produto brasileiro, que terá longevidade gerando renda, mas nós temos que ficar atentos.
Quais produtos poderão ter abertura de mercado na China durante a visita? Fala-se em uvas, noz-pecã e gergelim.
Todos esses estão no protocolo, continuam os estudos técnicos, por isso nós antecipamos nossa vinda, para intensificarmos as negociações do que será ampliado na presença do presidente Lula e do presidente Xi Jinping.
Algumas aberturas de mercado que podem ser anunciadas incluem farinha de ossos, frangos e suínos. Isso é uma indústria brasileira de resíduos animais muito promissora. Estou confiante no pecã, talvez gergelim.
Como vê a decisão do Copom de manter os juros, que também afetam o produtor agrícola?
Com todo o respeito, a decisão é incoerente. A inflação é baixíssima, não há risco de avanço sobre o consumo, ao contrário. Com a taxa de juros nesse nível e o crescimento baixo da economia, nós podemos é causar uma grande recessão, e o dano seria muito ruim para o Brasil.
Eu esperava um sinal positivo do Banco Central para a economia brasileira. O ministro Haddad vem fazendo a sua parte e isso é reconhecido pelo mercado como uma surpresa muito positiva. Eu esperava que o BC, dentro de sua independência, mas com sabedoria, pudesse buscar uma equação para a taxa de juros menor que é perfeitamente factível.
A população brasileira começa a cobrar do BC sua responsabilidade com o desenvolvimento do país e não vai tolerar o pagamento do serviço da dívida, sob a pena do não crescimento da nossa economia.
A reforma tributária desagradou ao setor do agronegócio, que critica o fim de desonerações setoriais. Como conciliar os interesses do setor e as necessidades do Estado?
Se a reforma tributária fosse fácil ela já teria sido feita. O modelo tributário brasileiro é muito complexo, um emaranhado de punições e benefícios, e precisa ser revisto. Apesar de ser tão hostil e embaraçoso, é um modelo que dá muitos privilégios. E tirar esses privilégios é algo muito difícil, esse “direito adquirido” por muitos setores da sociedade.
Por isso, é importante termos consciência de um modelo mais moderno, mais eficiente que possa, ampliando a base de pagamento, diminuir a alíquota para todos. Mas também é importante dizer que, em nenhum lugar do mundo, tributa-se a base da pirâmide. Isso é exportar empregos e oportunidades.
O agro é muito forte graças a uma iniciativa que foi a desoneração da Lei Kandir, que desonera os produtos primários para exportação. Com isso, há um equívoco de achar que o agro não paga imposto, o que é mentira.
Veja municípios onde o agro é forte, o grau de desenvolvimento, porque há arrecadação. Se não tem de forma direta na venda dos produtos a serem exportados, paga nos insumos, nos serviços, na folha de pagamento e na cadeia. A partir do momento em que a pessoa recebe o dinheiro proveniente desse agro desonerado vai gastar no comércio, vai pagar o ICMS, ou IVA.
Num estado como o Mato Grosso, as regiões onde têm agro e não pagam impostos sobre exportação têm os melhores índices de desenvolvimento humano e as arrecadações dos municípios são cada vez mais altas e mais fortes.