Trabalhando no turno da noite? Veja como reduzir os riscos à saúde
Pesquisadores associaram o trabalho em turnos a diversos problemas de saúde e sono. Especialistas têm sugestões sobre como preveni-los
Quando Samantha Shaw assumiu um novo emprego como pesquisadora em um estudo relacionado ao sono no Brigham and Women’s Hospital, em Massachusetts, nos EUA, em 2021, ela ficou animada por trabalhar em uma causa que lhe parecia pessoal.
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Desde o ensino médio, conta, tinha dificuldade para adormecer e manter o sono, então agarrou a oportunidade de trabalhar com especialistas na área.
Os pesquisadores estavam investigando se um medicamento poderia ajudar a reduzir a sonolência excessiva durante o dia em pessoas que trabalhavam no turno da noite, frequentemente em setores como transporte ou construção, com início entre 3h e 7h da manhã.
Samantha, de 27 anos, achou o trabalho interessante. Ela também se tornou uma trabalhadora de turnos — muitas vezes começando entre 2h e 4h da manhã, voltando para casa no início da tarde e indo para a cama por volta das 18h.
Apesar da exaustão, tinha dificuldade para dormir, às vezes conseguindo menos de quatro ou cinco horas antes de precisar acordar.
Começou a tomar até seis xícaras de café por dia, passou a ter resfriados frequentes e quase não tinha tempo para fazer amigos.
Insônia, má qualidade e duração reduzida do sono são comuns entre os 11 milhões de pessoas nos Estados Unidos que trabalham no turno da noite, de acordo com autoridades federais.
Além disso, trabalhadores em turnos costumam ter dificuldade em seguir uma dieta saudável ou manter relacionamentos com familiares e amigos.
— Isso pode ter consequências graves para a saúde a longo prazo — diz Jeanne F. Duffy, professora de medicina da Harvard Medical School e co-líder do estudo no Brigham and Women’s Hospital.
Como o trabalho em turnos afeta você
Pesquisas sugerem que trabalhadores em turnos têm maior risco de desenvolver diversas condições de saúde, como distúrbios gastrointestinais, transtornos de humor e doenças cardiovasculares. Eles também têm mais chances de se envolver em acidentes de trânsito e de contrair infecções, como resfriados, gripes e viroses intestinais.
— Toda a nossa fisiologia é orientada para dormir à noite e estar acordado durante o dia — diz Duffy. — Então, quando você tenta se manter acordado à noite para trabalhar, está lutando contra essa biologia interna.
Segundo Michelle Drerup, diretora do Programa de Medicina do Sono Comportamental da Cleveland Clinic, trabalhadores em turnos também apresentam maior risco de obesidade e diabete tipo 2.
— Isso ocorre em parte porque é difícil manter uma alimentação saudável enquanto se trabalha à noite — explica a especialista.
Quando chega a “hora do almoço” às 0h30, por exemplo, o que está disponível para um trabalhador comer?
— Bem, são coisas da máquina de vendas, caso ele não tenha preparado comida — diz Drerup.
Os turnos noturnos também são descritos na literatura científica como “não sociais”, pois entram em conflito com os ritmos habituais da sociedade.
Isso pode afetar a dinâmica familiar e, como Samantha Shaw, dificultar a socialização.
— Se um trabalhador tenta dar conta das responsabilidades sociais e de saúde à custa do próprio descanso, acaba ficando com menos tempo para se recuperar do trabalho — explica Imelda Wong, higienista ocupacional e epidemiologista do Ministério da Saúde da Colúmbia Britânica.
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O que fazer durante e depois do trabalho
Especialistas em sono fazem muitas das mesmas recomendações de saúde para trabalhadores em turnos que fazem para qualquer outra pessoa.
Manter uma alimentação saudável é fundamental para prevenir algumas das doenças crônicas às quais trabalhadores em turnos estão mais vulneráveis. Ao trabalhar em horários irregulares, tente preparar alimentos saudáveis e fáceis de levar para o trabalho, como vegetais, homus, frutas frescas e amêndoas, sugeriu Drerup.
— Planejar é essencial — acrescenta.
Ela sugere estratégias como dobrar receitas e congelar porções individuais nos fins de semana ou nos dias de folga.
— Se sua energia estiver caindo durante o turno, até mesmo um cochilo de 15 a 20 minutos, se você encontrar um local silencioso para isso, pode ajudar a se sentir mais alerta e revigorado — diz Duffy.
— Ao chegar em casa, diminua a iluminação do ambiente. Luzes intensas sinalizam ao corpo que é hora de despertar, o que pode dificultar o sono — diz Wong. — Depois, vá dormir o mais rápido possível — aconselha.
Drerup sugere cortinas blecaute, máscaras de dormir e máquinas de ruído branco podem ajudar a criar um ambiente mais propício ao sono.
Se você tiver responsabilidades diurnas das quais não pode se ausentar, como buscar seus filhos na escola, a especialista recomenda programar cochilos antes e depois dessas interrupções.
Uma responsabilidade compartilhada
— Embora existam medidas que os trabalhadores possam adotar para amenizar os impactos do trabalho em turnos, parte dessa responsabilidade também cabe aos empregadores — diz Wong.
Segundo o Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional dos EUA, as empresas podem ajudar os funcionários que trabalham no turno da noite evitando escalas em noites consecutivas, limitando os turnos a no máximo oito horas e garantindo pausas para refeições e descanso.
No caso de Samantha Shaw, os mais de dois anos de trabalho noturno aumentaram sua percepção sobre o quanto esse tipo de rotina pode ser desgastante.
O estudo em que ela trabalhava foi concluído em abril, e ela afirmou que precisou de cerca de quatro meses para recuperar seu padrão normal de sono.
Quando perguntada se voltaria a trabalhar nesses horários, hesitou.
— Dependeria do projeto — explica. — porque isso afetou muito minha saúde física quanto minha saúde mental.