Trump aposta no medo e demoniza Biden, 'cavalo de Troia dos socialistas'
Trump ainda disse que seu opositor é um "amigo da China" que vai acabar com fábricas e empregos americanos
Será difícil o presidente Donald Trump convencer eleitores indecisos ou arrependidos de que, em um próximo mandato, ele vai mesmo "fazer a América grandiosa de novo". No momento, o cenário não ajuda: os Estados Unidos acumulam o recorde mundial em número de mortos por Covid-19, mais de 180 mil; cerca de 58 milhões de americanos entraram com pedido de seguro desemprego nos últimos 5 meses, e a recuperação da economia demora a engrenar.
Talvez por isso Trump tenha passado a maior parte de seu caudaloso discurso dizendo que seu adversário, Joe Biden, é um "cavalo de Troia" dos radicais socialistas, um "amigo da China" que vai acabar com fábricas e empregos americanos, um radical que vai defender criminosos e encher os subúrbios de classe média com moradia para pobres.
Em 70 minutos de discurso (incluindo aí as pausas para aplausos do público), Trump mencionou o nome de Biden 42 vezes. Já Biden, em seu discurso de 24 minutos na convenção democrata, na semana passada, não tocou nem uma única vez no nome de Trump.
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"Joe Biden não é o salvador da alma da América; ele é o destruidor dos empregos americanos, e, se tiver a chance, será o destruidor da grandeza americana", disse Trump. "Biden é um cavalo de Troia do socialismo" que "não tem força para enfrentar marxistas alucinados como Bernie Sanders e seus companheiros radicais".
No processo de demonização de Biden, diante de uma plateia de 1.500 pessoas aglomeradas e sem máscara no gramado da Casa Branca, Trump empilhou uma quantidade avassaladora de mentiras. O republicano disse que os democratas defendem o aborto de bebês aos nove meses de gestação, afirmou que Biden vai adotar políticas que levarão à soltura de 400 mil criminosos nas ruas e declarou, pela enésima vez, que o democrata vai cortar drasticamente os recursos da polícia americana. Tudo isso é falso.
Na visão sombria de Trump e seus aliados, os Estados Unidos se transformarão num cenário distópico, digno do filme "Mad Max", caso Biden vença a eleição. "O aspecto mais perigoso da plataforma de Biden é o ataque contra a segurança pública. O manifesto Biden-Bernie prevê a extinção do pagamento de fiança, que levaria à saída da prisão 400 mil criminosos, direto para as ruas e as vizinhanças de vocês", disse Trump.
"Não se enganem, se vocês colocarem Joe Biden no poder, a esquerda radical vai cortar os recursos das polícias ao redor da América e vai aprovar legislação para reduzir o policiamento no país inteiro", continuou o presidente americano. Trump condenou os "saques, tumultos, incêndios e violência" vistos "em cidades governadas por democratas, como Kenosha, Minneapolis, Portland, Chicago e Nova York", referindo-se a confrontos ocorridos em protestos contra violência policial e racismo.
Embora os confrontos tenham sido localizados, a campanha republicana tem usado imagens de violência em muitos anúncios e comunicações, na tentativa de assustar eleitores moderados. "Há violência e perigo nas ruas de muitas cidades governadas por democratas na América".
Rudy Giuliani, advogado pessoal de Trump e protagonista no processo de impeachment do presidente, também caprichou no alarmismo em sua discurso na convenção. "Esses protestos contínuos em cidades governadas por democratas mostram qual seria o futuro sob Biden. Todas as cinco cidades com maior índice para homicídios, tumultos e saques são governadas por progressistas democratas."
Segundo ele, que foi prefeito de Nova York, democratas têm políticas pró-criminosos e contra policiais, e "está claro que votar em Biden e nos democratas vai levar anarquia e ilegalidade para sua cidade."
De olho em um eleitorado importante para sua eleição em 2016, mas que desertou em parte e votou nos democratas nas eleições legislativas de 2018, Trump voltou a apelar para os moradores dos subúrbios americanos, geralmente populações de classe média branca. "Se a esquerda ganhar, eles vão demolir os subúrbios, confiscar armas e indicar juízes que vão acabar com a Segunda emenda [permissão para porte de armas] e outros direitos garantidos pela Constituição."
O governo Trump acabou com normas que atrelavam repasses de recursos a comunidades a esforços para reduzir a segregação -tradicionalmente, populações negras e de minorias não conseguem morar nos subúrbios, onde a moradia é mais cara, e ficavam segregados em regiões empobrecidas e decadentes nos centros das cidades. "A dona de casa do subúrbio vai votar em mim. Elas querem segurança e ficaram muito felizes porque eu acabei com o programa que fazia com que habitação de baixa renda invadisse a vizinhança delas", publicou Trump no Twitter neste mês, em um apelo racista.
O presidente até tentou alardear conquistas de seu governo e fez promessas ambiciosas, como "anunciar uma vacina contra Covid-19 até o final do ano, talvez muito antes". Ele e vários outros republicanos afirmaram na convenção que, sob Trump, os EUA tiveram o melhor desempenho econômico da história do país. Mas a economia cresceu 2,2% em 2019, dentro da média da última década, diante de 2,9% em 2018 e 2,4% em 2017. Como comparação, no governo Bill Clinton o PIB avançou 4,5% em 1997, outros 4,5% em 1998, e 4,7% em 1999.
Mesmo assim, é fato que o desemprego estava em níveis historicamente baixos no governo Trump, em 3,5%, e a bolsa de valores teve desempenho excepcional. Mas isso tudo foi antes da pandemia da Covid-19. Com o desemprego em 10,2%, levantar o fantasma socialista, o espectro da criminalidade desenfreada e a ameaça chinesa é mais fácil.
"O seu voto vai decidir se nós vamos proteger americanos que respeitam a lei ou se daremos passe livre para anarquistas violentos, agitadores e criminosos que ameaçam nossos cidadãos." Resta saber se os americanos vão comprar o discurso do medo, reduzindo a vantagem de Biden sobre Trump nas pesquisas. A margem já vem caindo.