Varejo calçadista vê aumento abusivo por parte da indústria e ameaça limitar compras
Varejistas de calçados afirmam que a indústria do setor tem aumentado preços em até 30% nas últimas semanas
Varejistas de calçados afirmam que a indústria do setor tem aumentado preços em até 30% nas últimas semanas. Em resposta a essa alta que consideram "abusiva", os lojistas ameaçam limitar compras e trocar fornecedores. Os comerciantes argumentam que não conseguem repassar a alta de preços ao consumidor, cujo poder de compra está prejudicado pela pandemia. E pedem à indústria que absorva parte da alta de custos, para que o varejo não seja o único prejudicado.
Segundo a Ablac (Associação Brasileira de Lojistas de Artefatos e Calçados), o reajuste médio dos calçados nas últimas semanas tem sido de 10%, mas chega a 30% em produtos vindos de fabricantes dos polos calçadistas de Nova Serrana (MG) e São João Batista (SC).
Conforme a entidade, a alta de preços praticada pela indústria se deve ao aumento de custos e escassez de insumos como o PVC, utilizado na fabricação dos solados. Também a redução de mão de obra nas fábricas, devido às demissões e distanciamento social imposto pela pandemia, estaria contribuindo para atrasos nas entregas de pedidos aos lojistas.
"Não temos condições de fazer esse repasse diante da falta de capacidade do consumidor", diz Antoniel Marrachine Lordelo, diretor da Ablac e da Azul Calçados, que possui 22 lojas no interior de São Paulo, entre unidades próprias e franquias da marca Usaflex.
Conforme a entidade, os produtos mais vendidos nesse momento de retomada da economia têm sido os mais básicos, de baixo valor agregado. Com isso, os lojistas também estão com menos recursos disponíveis para fazer as novas encomendas.
"Diante desse cenário, a entidade alerta que, para não reduzir ainda mais a sua rentabilidade e não inviabilizar as suas operações, o varejo poderá recorrer à limitação das compras, negociar apenas com fabricantes que mantiveram os preços ou os reajustaram em níveis aceitáveis e priorizar a venda de produtos que já estão em estoque", afirmou a Ablac em nota.
A Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados) diz que os aumentos de preços não são generalizados na indústria e que os fabricantes não estão repassando integralmente a alta dos insumos.
"Reajustes esporádicos em alguns produtos podem ter acontecido em função da alta dos insumos, devido à variação cambial. Os insumos da área petroquímica, como o PVC usado na fabricação de solados e de calçados sintéticos, tiveram reajustes, então alguns fabricantes podem já ter repassado isso aos preços, mas isso não é um reajuste generalizado na indústria calçadista", diz Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados.
Leia também
• Governo quer liberar preços de medicamentos com inovação incremental
• Preços na indústria têm maior alta desde 2014: 3,28%
• Alta no preço dos alimentos faz prévia da inflação subir 0,45%
Para a associação que representa a indústria, o maior risco para aumento de preços à frente é se o veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à desoneração de folha não for derrubado pelo Congresso.
"A reoneração da folha de pagamentos poderá resultar em aumento dos preços dos calçados, por isso estamos trabalhando fortemente junto às bancadas da Câmara e do Senado para que seja derrubado o veto presidencial."
A Abicalçados estima que a reoneração de folha poderia resultar na perda de 15 mil postos de trabalho no setor calçadista apenas no primeiro ano. Também haveria um aumento de R$ 570 milhões no pagamento de tributos previdenciários pelo setor, segundo o cálculo da entidade.
"Infelizmente, se a indústria tiver um aumento de R$ 570 milhões de carga tributária, não tem como isso não ser passado para o produto", diz Ferreira.
A Abicalçados estima que a produção de calçados deve fechar 2020 em queda de 25% em relação a 2019, com 230 milhões a menos de calçados fabricados.
DESSARANJO GENERALIZADO
Nesse momento de retomada da economia, são diversos os setores da indústria e do varejo que se queixam de altas de custos e desarranjos na cadeia de fornecimento.
Fabricantes de máquinas e equipamentos sofrem com falta de aço, que também afeta a indústria de construção civil e já provoca atraso em obras. Os transformadores de plásticos se queixam de reajuste de até 30% na resina de PVC, além de escassez de poplipropileno e polietileno.
No setor têxtil, o aumento das exportações de algodão e alta de preços do insumo devido ao câmbio têm provocado uma escassez de malha no mercado, o que já preocupa pequenos fabricantes, que temem que vai faltar produto para as vendas da Black Friday.
No setor moveleiro, a queixa é de falta de chapa de MDF e MDP, além de espumas, tecidos, mantas em fibra e cintas de borracha utilizados na fabricação de sofás.
No setor de sabonetes, falta sebo bovino. No setor supermercadista, a alta de itens da cesta básica como arroz, óleo de soja e carnes levou os empresários a bater na porta do governo, que respondeu pedindo "patriotismo" e zerando emergencialmente as tarifas de importação do arroz.
Para todos os setores, faltam também embalagens, do papelão aos invólucros plásticos.
Segundo a última edição da pesquisa Pulso Empresas, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica), 47,6% das empresas relatavam alguma dificuldade no acesso aos seus fornecedores.
O IGP-M, índice de preços composto em 60% por preços do atacado, fechou setembro em alta de 4,34%, maior taxa mensal desde novembro de 2002. Em 12 meses, o indicador acumula alta de 17,94%.