Casa onde Clarice Lispector viveu no Recife aguarda restauro
Fundaj planeja transformar o imóvel em espaço cultural e, para isso, busca recursos por meio de edital
Quem passa pela casa de número 347 da Praça Maciel Pinheiro, no bairro da Boa Vista, constata o estado de abandono do imóvel. Seria apenas mais uma entre tantas edificações em ruínas da área central do Recife, se não fosse o fato de por lá ter vivido uma das figuras mais influentes da literatura brasileira.
Uma placa colocada em frente ao antigo sobrado informa aos transeuntes desavisados a identidade da moradora ilustre. Foi o primeiro endereço de Clarice Lispector e de sua família na Capital pernambucana. Parte significativa da infância da escritora de origem ucraniana foi vivenciada no local, que hoje enfrenta a degradação. As portas bloqueadas por tijolos, o telhado desprotegido, a fachada vandalizada e o terceiro piso que já não existe mais são as provas do descaso.
A possibilidade de recuperar o casarão e transformá-lo em um centro cultural vem sendo alimentada há anos pelos admiradores de Clarice. O desejo, no entanto, esbarra em dificuldades financeiras. A Santa Casa de Misericórdia, proprietária do imóvel, afirma não ter verba para executar o serviço. Com o centenário da autora e o surgimento de uma parceria com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no entanto, o plano pode começar a sair do papel.
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O projeto arquitetônico de restauro encomendado pela Santa Casa já existe, propondo a reconstituição física o mais próximo do período em que Clarice Lispector residiu no local. O custo da obra está orçado em R$ 1,8 milhão. Para conseguir o dinheiro necessário, a Fundaj concorre ao edital de Fundo de Direitos Difusos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A primeira fase da concorrência já foi vencida pela instituição.
“Claro que a Fundação Joaquim Nabuco não vai ficar limitada apenas a esse edital. Ela tentará outros, além de fazer uso também dos seus próprios recursos e de outras parcerias. É uma mostra de que a instituição está buscando por todos os meios, em um ano difícil como é esse, conseguir o que é necessário para que esse projeto seja algo efetivo”, afirma Mario Helio Gomes, titular da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundaj.
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Quando os recursos para as reformas forem conquistados, Mario Helio aponta um segundo desafio a ser vencido. “Uma casa de cultura no Centro do Recife, nas condições que a região está, não é uma operação das mais simples. Todo o entorno precisa de um trabalho sério de intervenção urbanística para que Clarice tenha um retorno a sua casa de forma digna”, comenta. Para que isso ocorra, o gestor acredita que será essencial uma parceria futura com o poder municipal, além de outros agentes.
Atualmente, uma estátua da escritora na Praça Maciel Pinheiro é uma das poucas sinalizações da presença de Clarice na região. A obra de arte faz parte do Circuito da Poesia. Em nota, a Prefeitura do Recife informa que Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) realiza periodicamente vistorias e ações de reparos nas peças que compõem o roteiro, mas “os atos de vandalismo são contínuos, gerando prejuízos e a destruição do patrimônio público cultural da cidade”.
O tombamento federal da ex-residência da autora de “A hora da estrela” está em análise preliminar no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em nível estadual, o processo de tombamento se arrasta desde 2017. De acordo com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), a conclusão está próxima. A previsão é que até esta quinta-feira (10), quando se celebra os 100 anos da escritora, um documento com todo o histórico, análise técnica e física do imóvel seja entregue ao Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC), órgão colegiado responsável por deliberar sobre o tombamento e o registro de bens, materiais e imateriais em Pernambuco.