Inteligência artificial pode contribuir para o ensino, defendem especialistas; saiba como
O avanço da IA reacende o debate sobre o papel das tecnologias na educação. Ferramentas não são vilãs, se forem bem utilizadas
Independentemente do nível educacional, seja no ensino básico ou superior, um tema costuma ser debatido por educadores: o papel das tecnologias na transformação da experiência educacional. O assunto, inclusive, ganhou evidência nos últimos meses devido ao avanço de plataformas baseadas em inteligência artificial (IA).
Especialistas ouvidos pela revista Folha Educa destacam que tais ferramentas não são vilãs da educação e que podem, desde que bem utilizadas, auxiliar o aprendizado de alunos e o trabalho de professores, que também podem passar por capacitações para usá-las da melhor forma e orientar os estudantes nesse processo.
Professor do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (Cin-UFPE) e líder do grupo de pesquisa Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional, Alex Sandro Gomes, doutor em Ciências da Educação, explica que as plataformas tecnológicas não vão alterar o principal desafio da educação: formar senso crítico.
“O desafio da educação continua o mesmo: desenvolver o pensamento crítico das pessoas, de uma forma ampla. Criticidade do ponto de vista humano, criticidade do ponto de vista histórico, criticidade do ponto de vista tecnológico”, afirma.
“Então, o desafio para educação, quando você tem o anúncio de um ChatGPT, por exemplo, não altera, mas só aumenta a responsabilidade dos setores do sistema educacional de desenvolver o pensamento crítico das pessoas. Há outros raciocínios e outras habilidades? Sim, há, mas o pensamento é o mais importante deles, em todas as disciplinas”, enfatizou.
Investimento em formação é crucial
Gomes reforça que para usar plataformas de ensino de modo efetivo é preciso que haja investimento para formação de educadores e para a infraestrutura das escolas. “Primeiro, temos que ter a formação, não só do professor, mas também do coordenador e do diretor de escola, porque o professor sozinho não consegue usar a tecnologia”, explica.
“Então esses três atores, a equipe pedagógica mais o professor, é que podem planejar a adoção de tecnologias de uma forma coerente na escola”, continua. “E a formação desses três perfis ainda deixa a desejar para que essa realidade, o uso coerente de tecnologia na educação, aconteça.”
Velocidade da internet
Outro grande conjunto de fatores, afirma o professor, é a infraestrutura. A velocidade da internet que chega nas escolas deixa a desejar. A quantidade de estabelecimentos de ensino que têm acesso à internet em 2023 é de aproximadamente 50%. Isso significa que outras 50% não têm acesso. Ainda segundo Gomes, nem todos os estudantes possuem celular com planos de dados. “Esses três fatores podemos resumir como sendo infraestrutura”, completou.
O professor e pesquisador Marcos Andrade Filho, membro da Associação Brasileira de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), defende que o uso coerente de tecnologias, a exemplo das baseadas em IA, pode facilitar os processos educacionais, tanto para estudantes quanto para o corpo docente.
“A inteligência artificial pode oferecer benefícios significativos tanto para alunos quanto para professores. Para os alunos, pode proporcionar um aprendizado mais individualizado, adaptando o conteúdo às necessidades e ritmo de cada estudante. Isso permite que eles avancem de acordo com suas habilidades e interesses, evitando o tédio ou a frustração que podem surgir com métodos tradicionais”, diz Andrade Filho.
E para os professores, prossegue, a IA pode liberar tempo valioso ao automatizar tarefas administrativas, permitindo que se concentrem mais no planejamento de aulas e na interação direta com os estudantes, analisou.
Equilíbrio entre interação humana e tecnologia
Nesse processo, ressalta o pesquisador, é essencial que os professores atuem como orientadores do corpo estudantil. Os educadores, disse, precisam encontrar o equilíbrio certo entre a interação humana e a tecnologia.
“Entra no jogo a formação docente, outra pedra-de-toque da educação no Brasil. Embora a IA possa ser uma ferramenta valiosa, é fundamental que os professores continuem a desempenhar seu papel insubstituível de facilitadores do aprendizado, promovendo interações significativas e cultivando habilidades sociais e emocionais dos alunos”, avalia.
Outro desafio é garantir que a tecnologia seja usada de maneira ética e inclusiva. A inteligência artificial, diz Andrade Filho, deve ser projetada para evitar vieses e discriminações. Segundo ele, isso já tem sido seriamente debatido em outros países, inclusive na esfera legislativa. “E os educadores devem estar cientes dessas preocupações, ao selecionar e implementar ferramentas de IA em suas práticas educacionais”, pontua.
Para o presidente do Porto Digital, Pierre Lucena, também professor da UFPE, o papel dos educadores é cada vez mais de orientar e menos de repetir conteúdos. “Capacitar docentes é a parte mais difícil”, disse, comentando que os roteiros de atuação nas instituições de ensino demandam tempo de adaptação.
“Isso não se muda de uma hora para outra, a mudança da educação não é tão trivial assim. A universidade é algo muito conservador, no bom sentido”, comentou.
Em contraponto, Lucena avalia ser “inevitável” que o uso de aplicativos e plataformas digitais estejam também no universo acadêmico.
“Falando da minha área que é a universidade, é um pouco mais complexo, porque isso já faz parte de uma rotina das pessoas. Ela pode não fazer parte da rotina da instituição, na adoção de tecnologias, mas é algo que veio para ficar, essa que é a verdade”, acredita.
À frente de um dos um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil, Lucena avaliou as habilidades que os jovens estudantes podem buscar desenvolver já mirando o futuro profissional.
“Primeiro: saber ler e escrever bem. Parece que é fácil mas não é. A segunda é que ele precisa saber trabalhar com gráficos e com o mínimo de planilhas, precisa saber construir e ler gráficos também, isso é importante. Resumir, trabalhar com dados, essa é a questão”, afirmou.
“Ele precisa também saber trabalhar em equipe, precisa saber se comunicar, saber liderar grupos se quiser ser gerente ou superespecializado. E precisa ter inteligência emocional. Essas são as habilidades que se exigem das pessoas. E capacidade de aprendizagem”, elencou.