FOLHA ENERGIA

Descarbonização: energia em transição

Tarefa de reduzir os gases na atmosfera exige a adoção do chamado tripé da sustentabilidade, com participação das empresas, indústrias e governos

Diminuir os impactos do efeito estufa, que ameaçam a estabilidade climática, é um dos desafios mundiaisDiminuir os impactos do efeito estufa, que ameaçam a estabilidade climática, é um dos desafios mundiais - Foto: Nasa/Reid Wiseman

Reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera, especialmente do dióxido de carbono (CO2), é um dos grandes desafios globais para atingir a chamada neutralidade climática - equilíbrio entre os lançamentos e as absorções desses poluentes, capaz de mitigar os já frequentes efeitos de eventos extremos no planeta, a exemplo das secas e ondas de calor.

Chegar a esse balanço ideal não significa zerar as emissões dos GEE, mas torná-las iguais ou menores que as remoções feitas por florestas e oceanos.

Nesse cenário, o olhar para o desenvolvimento sustentável do setor de energia tem colocado a descarbonização e a transição energética no foco de suas estratégias de atuação, buscando atender ao chamado tripé da sustentabilidade, ou triple bottom line, que preconiza o desenvolvimento responsável de empresas, indústrias, governos e organizações por meio de três conceitos, que deram origem à sigla ESG - em inglês, Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança). 

Transição em pauta
A maior parte da matriz energética mundial é composta pelas fontes de energia não renováveis – os chamados combustíveis fósseis como carvão mineral, gás natural, petróleo e seus subprodutos.

São elas as responsáveis pela maior parte das emissões de gases que comprometem o equilíbrio climático que provocam, consequentemente, inundações de cidades costeiras, desertificação de áreas férteis, derretimento de calotas glaciais, entre outros eventos adversos.

“Nas emissões de gases de efeito estufa estamos falando de CO2, metano e óxido de nitrogênio, o N2O, principalmente. Então, esse modelo de desenvolvimento baseado no consumo intensivo de fósseis proporcionou uma série de avanços tecnológicos significativos."

"Mas trouxe como consequência o aumento da concentração desses gases na atmosfera e, com isso, as mudanças climáticas”, explica o professor e pesquisador Emmanuel Dutra, coordenador da Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Emmanuel Dutra, coordenador da Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares da UFPE Emmanuel Dutra, coordenador da Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares da UFPE |
Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco 


“Em 2023, o Brasil revisou as metas de emissões líquidas de gases do efeito estufa para 1,32 GtCO2eq até 2025 e 1,20 GtCO2eq até 2030, representando uma redução de 48,4% e 50,3% em relação aos índices de emissão em 2005, respectivamente.”, informa o Ministério de Minas e Energia (MME).

O que é descarbonização?
No escopo da mudança das fontes fósseis para outras matrizes de energia, um conceito que tem sido muito usual é a descarbonização. “Esse é o mote da transição energética do século 21.

A ideia é conseguir suprir as demandas da energia da sociedade a partir de energia limpa”, aponta Fábio Teixeira Ferreira da Silva, pesquisador do laboratório Cinergia, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ).

“Energias renováveis são recursos que não representam um acúmulo de carbono na atmosfera, por isso são descarbonizados. Isso implica em diversos caminhos possíveis”, detalha Teixeira.

Destinar recursos para o desenvolvimento de pesquisas científicas e em tecnologias que auxiliam na captura dos gases do efeito estufa, segundo o pesquisador, não pode ser considerado gasto, mas um investimento.

“A descarbonização não é um processo simples e requer aporte de recursos, mas é também uma oportunidade que pode gerar retorno para todas as regiões do País”, esclarece. 

“Imagine se o Brasil consegue descarbonizar a sua matriz energética e seus processos e, ao mesmo tempo, promover um programa amplo e extensivo de reflorestamento, de recuperação da vegetação nativa e de combate ao desmatamento ilegal e minimização do desmatamento legal e, assim, consiga gerar um crédito negativo de emissões que possa ser usado para compensar as emissões de lugares que não tenham tanta condição de se descarbonizar com facilidade”, sugere Fábio Teixeira.

Carbono verde 
Boas práticas e tecnologias que buscam neutralizar ou mitigar as emissões de carbono estão associadas ao conceito de carbono verde, que orienta a implementação de carbono verde.

Entre essas práticas, podemos citar o reflorestamento e conservação da vegetação que ajuda a absorver o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera por meio da fotossíntese. Nesse sentido, o plantio de árvores e a preservação de florestas existentes são medidas eficazes. 

Além disso, a transição para fontes de energia renovável como solar, eólica e hidráulica são eficazes na redução das emissões de carbono, que também podem ser retidas através de tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) pelas indústrias. 

O carbono verde se associa diretamente ao conceito de desenvolvimento sustentável, seja pela implementação de ações e fontes renováveis de energia, seja pela inovação tecnológica, que impulsiona a transição para a chamada economia de baixo carbono.

“Nós precisamos desenvolver modelos de desenvolvimento que vão paulatinamente reduzindo a presença dos fósseis, principalmente os fósseis mais poluentes, porque há também uma escala de emissões em função da tecnologia fóssil”, sugere o professor Emmanuel Dutra. 

Energias renováveis, como a eólica, são aquelas que não deixam resíduos de dióxido de carbono na atmosferaEnergias renováveis, como a eólica, são aquelas que não deixam resíduos de dióxido de carbono na atmosfera | Divulgação

Contribuição
O setor sucroenergético e a indústria brasileira encaram a transição energética e as aplicações dos produtos do setor para essa transição como uma oportunidade.

“O Brasil tem uma alta irradiação solar, tem terra, tem água, tem capacidade de organização de gente para utilizar esses recursos naturais. E a cana-de-açúcar é reconhecida como a que melhor captura energia solar para a produção de biomassa. ”, explica o economista e CEO da consultoria Datagro, Plínio Nastari. 

Segundo ele, além do tradicional uso de combustíveis para transportes, por exemplo, está se consolidando cada vez mais a visão de uma solução tecnológica híbrida, que utiliza a eficiência energética do motor elétrico e se beneficia da disponibilidade da infraestrutura em larga escala de combustíveis e líquidos de alta densidade energética e baixa pegada de carbono.

 “Diferentemente de outros locais, como Estados Unidos, União Europeia, que estão elegendo uma rota tecnológica, a legislação brasileira não elege a rota, mas ela define a meta a ser atingida e deixa a critério da inovação e da eficiência e da resposta do mercado, a escolha de qual será a rota vencedora."

"Vemos que a solução híbrida seja a solução provavelmente mais adequada para países que têm as características do Brasil, que é de extensão territorial ampla, infraestrutura ainda em construção e renda média para baixa. Essa solução híbrida seria o carro híbrido, que já existe aqui no Brasil”, detalha.

Embora exista essa perspectiva para transporte terrestre, o CEO da Datagro ressalta que há grandes oportunidades para as aplicações para transporte marítimo e aéreo.

Para este último, existe o SAF, que é o chamado “oceano azul” produzido a partir do etanol de baixo carbono. Já a aplicação para transporte marítimo representa um potencial adicional de duas vezes e meia a produção mundial de hoje.

 “O atendimento a esses mercados continua sendo um enorme desafio, mas não é mais um desafio tecnológico porque tecnologia para se produzir SAF a partir de etanol e tecnologia para se produzir combustível marítimo capaz de substituir bunker marítimo já existe”, completa.

Descarbonização

Indústria siderúrgica
Em relação à indústria siderúrgica também já é uma realidade o uso de biomassa do bagaço de cana, palete de madeira, entre outros resíduos para produzir hidrogênio verde e uma série de itens industriais.

“Hidrogênio verde você faz com eletricidade verde. Essa eletricidade verde pode ser hidráulica, eólica, solar ou de biomassa. A de biomassa tem um papel muito importante, porque ela não é intermitente, é firme. E ela complementa perfeitamente as outras opções”, argumenta Plínio.

“Das 20 maiores economias do G20, o Brasil por larga margem é o país que tem a matriz energética mais renovável (48,4% renovável), e a matriz elétrica mais renovável (92% renovável). Não tem nenhum país grande que tenha essa característica."

"Quem se compara ao Brasil é a Noruega, que tem uma economia e uma população muito pequena, mas das economias grandes - o Brasil é a oitava - somos o país de maior representatividade de renováveis. E isso é uma oportunidade também na hora em que o mundo inteiro visa novos locais para promover industrialização saindo do eixo China”, comenta o gestor.

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