FOLHA ENERGIA

Etanol: um gigante brasileiro

Brasil é o segundo maior produtor de combustível do planeta, superado apenas pelos Estados Unidos. Juntos, eles garantem 90% do etanol

Setor sucroenergético gera milhões de empregos e contribui para a redução de gases de efeito estufaSetor sucroenergético gera milhões de empregos e contribui para a redução de gases de efeito estufa - Foto: Freepik

O Brasil, no que diz respeito à transição para uma economia de baixo carbono, encontra no etanol uma solução para ser utilizada em escala global. Nesse cenário, o Brasil se destaca, uma vez que é o segundo maior produtor do biocombustível do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. 

Isso faz com que o setor sucroenergético gere milhões de empregos e contribua de forma significativa para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs).

Juntos, ambos os países garantem mais de 90% do biocombustível do planeta. Diferentemente do Brasil, porém, os norte-americanos produzem o etanol a partir do milho.

O presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha, lembra que o etanol beneficia a mobilidade veicular do planeta por se tratar de um combustível limpo e renovável, sem a presença de hidrocarbonetos oriundos de extrativismo mineral. 

“O etanol acarreta bônus ambiental aos biomas e promove melhoria do ar que respiramos. É limpo e renovável com uma fórmula expressa em C2H5OH repleta de moléculas de hidrogênio”, ressalta.

Medidas 
Na política, destaca-se o Projeto de Lei 528/2020, batizado de Combustível do Futuro, aprovado pela Câmara dos Deputados, em março, no Senado. O projeto é considerado uma das maiores iniciativas de descarbonização da matriz de transportes do mundo.

Para Renato Cunha, o PL é moderno, atual, estabelece princípios, metodologias e tem por objeto a descarbonização no momento de transição energética que ocorre no mundo, notadamente até 2050. “A geração desenfreada do carbono é inaceitável em um mundo com a presença de tantos efeitos maléficos ao meio ambiente”, alerta.

O Combustível do Futuro prevê integração das políticas públicas relacionadas à mobilidade no País, como o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), o RenovaBio e o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBE). Prevê, também, uma nova composição da mistura de etanol a gasolina. 

“A partir da publicação desse PL, a margem de mistura de etanol-anidro-gasolina, que hoje é de 18% a 27,5%, passará a ser de 22%, podendo chegar até 35%. E a ideia é que a mistura hoje de 27% seja elevada no curto prazo para 30%, podendo chegar até 35%. E no caso do biodiesel, desde março, está sendo adotada a mistura de 14% em volume. A partir de 2025 vai ser acrescentado um ponto percentual de biodiesel na mistura, até atingir 20% em março de 2030”, esclarece o presidente da consultoria agrícola independente Datagro, Plínio Nastari.

O PL estimula o desenvolvimento do combustível sustentável de aviação (SAF), criando um incentivo para o desenvolvimento e a produção do produto no Brasil a partir de óleos vegetais e de etanol.
 

Plinio Nastari, presidente da DatagroPlinio Nastari, presidente da Datagro | Foto: Divulgação

Marco estratégico
O biometano, também contemplado, é definido no marco do Combustível do Futuro como estratégico, visando a redução do metano, gás de maior impacto para a geração do efeito estufa.

O presidente da Datagro afirma, ainda, que, no Brasil, adiciona-se etanol à gasolina desde 1924, mas foi em 1975 que se intensificou em larga escala.

O País, de acordo com ele, já substituiu 3,6 bilhões de barris de gasolina por etanol, quantidade considerável para uma nação que tem reservas de petróleo condensadas de 10,8 bilhões de barris.

Para Nastari, é um nível de substituição relevante. “A economia de divisas com essa substituição, até 31 de dezembro de 2023, segundo a Datagro, ultrapassa US$ 680 bilhões, praticamente duas vezes as nossas reservas internacionais, que são consideradas âncora da economia brasileira”, complementa. 

O etanol é um combustível que substitui hoje 91% do carbono emitido pela gasolina e que caminha na direção de substituir 100%, ou mais do que isso, já que chega a ter uma emissão negativa, fato considerado exitoso por Plinio.

“A Datagro estima que, desde 1975, a substituição de carbono ultrapassa 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. Então, é praticamente uma vez e meia a emissão anual da França e Alemanha”, acentua.

Mobilidade

A busca por uma mobilidade sustentável, favorecida pela expansão no uso do etanol, impactou na fabricação de veículos elétricos híbridos com uso do biocombustível, estimulada pela chegada dos automóveis elétricos. No caso dos carros elétricos, o calcanhar de Aquiles é a distribuição de estações de recarga, ainda um desafio para o mundo inteiro. 

O gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, já havia dito que, por se tratar de um país continental e pela distribuição desuniforme da população, o desafio do Brasil se torna ainda maior.  

Por outro lado, o País possui hoje a melhor tecnologia de veículos flex do planeta, aliada a uma cadeia estruturada para produção de etanol. Isso faz com que a solução híbrida seja ideal, conseguindo, segundo Bomtempo, potencializar todas as vantagens comparativas, inclusive a matriz de energia elétrica brasileira com alta participação de combustíveis renováveis. 

Renato Cunha, presidente do Sindaçúcar-PERenato Cunha, presidente do Sindaçúcar-PE | Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco

Carro elétrico
O carro elétrico, por sua vez, pode causar um impacto ambiental um pouco maior, principalmente quando se considera a fonte de energia utilizada para recarga das baterias, que, em muitos lugares do mundo, pode não ser limpa.

No caso do etanol, executivos e pesquisadores garantem que essa nova perspectiva e avanços tecnológicos formam um cenário que pode dobrar a produção de cana e triplicar a do biocombustível.

Renato Cunha confirma que os carros híbridos flex abastecidos com etanol têm uma pegada de carbono menor que o elétrico.

“O híbrido alia a força do Brasil no desenvolvimento dos motores a combustão, usando etanol com o auxílio da eletrificação, entregando ao consumidor um veículo mais eficiente e que promove a descarbonização”, diz Cunha.

Quanto às perspectivas do setor sucroenergético para os próximos anos com a aposta das montadoras nos carros híbridos, Renato Cunha afirma que o setor se consolida como um fornecedor para as fábricas/montadoras que resolvem os suprimentos para os veículos, com continuidade e a máxima sustentabilidade, inclusive sem utilizar baterias que trazem ônus em seus descartes, ao meio ambiente.

Plinio Nastari complementa, afirmando que o desafio da infraestrutura para se promover uma opção limpa de motorização fica resolvida com o veículo híbrido, ao mesmo tempo em que se consegue aliar e capturar a eficiência do motor elétrico.

“Junta a vantagem da eficiência do motor elétrico com a de emissão zero etanol que está distribuída de forma bastante disseminada com uma infraestrutura já consolidada de fácil acesso para o consumidor”, diz. 

A disputa pelo mercado de veículos híbridos vem se mostrando cada vez mais acirrada. Levantamento da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostra que os investimentos das montadoras somam R$ 117 bilhões até 2030. É o maior ciclo de aportes no País pelos fabricantes, incluindo as chinesas BYD e GWM.

Hidrogênio
A produção de hidrogênio verde a partir do etanol é outra possibilidade que comprova a versatilidade do biocombustível. 

Em 2023, a USP anunciou a primeira estação experimental de abastecimento de hidrogênio renovável do mundo a partir do etanol. A iniciativa surge como uma solução para o transporte pesado, incluindo caminhões e ônibus.

A ideia é trocar o diesel pelo hidrogênio produzido a partir do etanol e motores equipados com células a combustível (fuell cell).

A planta-piloto entra em operação este ano e envolve vários parceiros. A Raízen fornecerá o etanol, que será transformado em hidrogênio por um processo químico conhecido como reforma a vapor. A tecnologia foi criada pela Hytron, pertencente ao grupo alemão Neuman & Esser Group (NEA Group).

A Toyota disponibilizou seu modelo Mirai para realização dos testes. O projeto tem financiamento da Shell Brasil, por meio da cláusula de Pesquisa e Desenvolvimento da ANP, com investimento de aproximadamente R$ 50 milhões.

Etapas da produção de hidrogênio a partir do etanol

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